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Bernardo Mello Franco


 

Poeta premiado em busca de horas vagas para criar


Jornal do Brasil

 

Paulo Henriques Britto se divide entre tradução
e aulas de literatura


 

A vida de Paulo Henriques Britto não mudou muito desde a noite de terça-feira, quando recebeu o prêmio Portugal Telecom de Literatura, em São Paulo, pelo livro de poemas Macau, lançado em 2003 pela Companhia das Letras. Continuou dividindo seu tempo entre a atividade de tradutor e as aulas de literatura que ministra na PUC-Rio. Seus alunos levaram dois dias para cumprimentá-lo pela vitória, que só souberam pelos jornais. O poeta revelou que não queria viajar para a cerimônia de premiação.
 

- Tinha que dar aula no dia seguinte às 11h - justifica.
 

Apesar de satisfeito com o reconhecimento e o prêmio de R$ 100 mil - que usará para cobrir despesas médicas dos pais e trocar o carro ''já velhinho, com 12 anos'' -, Britto vê com ceticismo a possibilidade de aumentar as vendas.
 

- Ninguém lê poesia. Isso só vai me render os 15 minutos de fama. Quem sabe, mais gente vai comprar o Macau para a namorada no Natal, mas o impacto não será duradouro.
 

Enquanto traduz o novo livro de Philip Roth, com título provisório de Complô contra a América, e termina a revisão de sua primeira seleção de contos, Paraísos artificiais, Britto busca horas vagas para inúmeros projetos: ler poetas portugueses, a obra completa de Balzac, reler Proust, preparar uma antologia de Emily Dickinson...
 

- O ócio criativo é vital para o poeta - conclui.

 

 

Entrevista:
 

- Como foi o processo de escrita de Macau?

- Reuni minha produção desde o último livro (Trovar claro, de 1997) sem muito critério. Na verdade, não consigo escrever com muita organicidade. Vou reunindo, depurando, cortando. Quando acho que está ficando pronto, começo a mostrar e pedir sugestões para minha mulher, amigos próximos que trabalham com poesia.


- De que forma concilia o trabalho de tradução com a poesia?

- Escrevo nas horas vagas. No máximo, seis poemas por ano. É um trabalho muito esporádico, passo meses sem abrir o caderno. Gostaria de ter mais tempo para a poesia, mas ainda tenho que preparar aulas, corrigir provas...


- Acha que a tradução está sendo mais valorizada no Brasil?

- A situação está longe do ideal, mas melhorou muito. Antes da internet, se precisasse descobrir o nome de uma planta, tinha que pegar um ônibus para ir à Biblioteca Nacional. Agora é só sentar diante do computador e em 30 segundos aparece a palavra. As editoras passaram a levar a tradução a sério, estão pagando um pouco melhor e têm mais respeito com o trabalho do tradutor. Nada vai para o livro sem que eu tenha aprovado. Antigamente, o revisor mexia no que quisesse. Meses de pesquisa iam para o ralo se o sujeito achasse que uma palavra estava errada.


- Como é sua relação com Thomas Pynchon (escritor recluso de quem Britto traduziu os romances-tijolos Arco-íris da gravidade e Mason e Dixon)?

- Nunca nos falamos. Ele exige que o tradutor passe o trabalho para a editora, que depois encaminha por fax para seu agente. Já descobri que o agente é a mulher dele. Um dia propus o contato direto por e-mail, mas ele negou (risos). De qualquer forma, é o autor mais prestativo que conheço, envia faxes de 10 páginas com explicações.


- Onde surgiram as influências da cultura pop em seus poemas?

- Tenho ligação com a música popular desde muito cedo. Minha formação, nos anos 60, foi com os Festivais da Canção. Também ouvia muito rock: Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan. Ainda não era tradutor, mas com 17, 18 anos, achava as letras de Bob Dylan muito legais e queria mostrar para os meus amigos que não falavam inglês.


- Como nasceu o seu primeiro livro de contos, Paraísos artificiais (a ser lançado até o fim do ano pela Companhia das Letras)?

- No início dos anos 70, fui estudar cinema na Califórnia, mas o que mais fiz foi escrever contos. Larguei o curso, voltei ao Brasil e continuei a trabalhar naqueles contos. Desde então, escrevi mais três, o último no ano passado. É o mais longo do livro. Não há fio condutor, unidade temática ou estilística.


- De que forma analisa o momento atual da poesia brasileira?

- Cresci numa época de muita polarização. Ou você era Chico Buarque, ou Caetano Veloso. Sempre gostei dos dois, era um problema (risos). A poesia também era assim. Essa polarização remonta ao grande conflito entre modernos e parnasianos na década de 1920 e reaparece, de certa forma, nos anos 40, quando os concretistas começam a atacar a geração de 1945. Após a ''vitória'' do concretismo, vem a reação da chamada geração mimeógrafo, aquela poesia espontânea, descabelada. É nessa época que eu entro.


- Como se posicionava entre a geração mimeógrafo e os concretistas?

- Sempre sofri um certo mal-estar. Devorava as traduções do Augusto de Campos e andava com seu livro sobre a Tropicália, O balanço da bossa, debaixo do braço. Era a minha Bíblia. Lia todos os autores que os concretistas recomendavam, mas nunca gostei de poesia concreta. Por outro lado, dava razão ao discurso que pregava o uso de algum método. Mas o pessoal do mimeógrafo falava de temas da minha geração como drogas e rock and roll, o que me gerava grande identificação com eles. Na verdade, nunca consegui me situar muito bem em nenhum lugar.


- Acha que essa polarização está acabando?

Sim, e pela primeira vez em muito tempo. Estamos vivendo uma época de muita pluralidade, os poetas não estão mais fechados em grupos. Ao mesmo tempo, ocorre uma coisa extraordinária: o aumento do número de revistas de poesia pelo Brasil. Só no Nordeste, são dezenas. Considero essa pluralidade muito saudável. Italo Moriconi sintetizou o momento numa frase ótima: ''Voltamos à normalidade''.


- Por que o grande público não lê poesia?

- De modo geral, a poesia perdeu muito espaço no Ocidente. Virou leitura de especialistas: poetas, estudantes, críticos. É um público muito pequeno. A maior parte das pessoas não lê mais poesia - aliás, não lê nem romance. O lugar da poesia foi ocupado pela música popular e o lugar do romance, pelo cinema e pela novela de televisão. No caso do romance, ainda restam os best-sellers, de consumo fácil. No século 20, surgiu, não só na poesia, um grande hiato entre o gosto do artista e o gosto do grande público, da classe média. Nas artes plásticas, o divórcio foi o mais radical possível. No campo do romance, foi menos forte, mas não na poesia.


- Como descobriu a poesia?

- Na verdade, descobri a poesia em língua inglesa, quando morei nos Estados Unidos, entre os nove e 10 anos. Quando era menino, no Brasil, os modernos eram ignorados na escola. Só lia Olavo Bilac, Gonçalves Dias... Poesia era uma chatice, que a gente tinha que decorar para ler no Dia das Mães. O ensino de poesia nos anos 50 era uma coisa atroz. Nos Estados Unidos, me deram Shakespeare, Emily Dickinson, Walt Whitman. Foi um choque. Quando voltei ao Brasil é que descobri, com Fernando Pessoa, que também existia poesia boa em língua portuguesa.


- Você comentou que pretende usar o prêmio Portugal Telecom (R$ 100 mil) para trocar o carro...

- Vai dar para trocar o carro, resolver uns outros problemas (risos)... É um dinheirinho bom. Quem vive como escritor no Brasil? Talvez o Paulo Coelho e outros três ou quatro. Como poeta, nem pensar. Aliás, não há mais poeta popular. Nos anos 50, existia um cara chamado J. G. de Araújo Jorge que vendia poemas de amor para os caras darem para a namorada, essas coisas. Eram livros de poesias rasteira, uma superdiluição do romantismo. Hoje, não existe mais nem isso. O sujeito quer dar um presente para a namorada e baixa umas músicas em MP3 na internet.


- O que você tem lido por prazer?

- Quase todas as minhas leituras acabam virando trabalho. Gosto mesmo é de romance. Queria ler toda a obra de Balzac, reler Proust, mas acho que só vou conseguir fazer isso tudo quando me aposentar. Em poesia, meu projeto é usar as raras horas vagas para ler mais poesia portuguesa, que conheço mal. Aproveitei uma feira recente na PUC para comprar vários livros portugueses. Estou me obrigando a ler muita poesia medieval, aqueles trovadores, para o curso de oficina de poesia que estou dando no curso de formação de escritores. Minha formação foi lingüística, nunca fui aluno de literatura. Aliás, minha tese é de semântica formal, que é mais lógica matemática. Quando acabei o mestrado, larguei a lingüística para virar tradutor e professor de tradução.


- Acompanha o trabalho dos poetas da nova geração?

- Tem muita gente boa na faixa dos 40 anos. Carlito Azevedo, Cláudia Roquette Pinto, Nelson Ascher... e a gente ainda convive com dois mestres, Ferreira Gullar e Armando Freitas Filho, dois poetas excepcionais. Tem muito poeta bom trabalhando. Não consigo acompanhar nem um décimo, mas leio regularmente a revista Inimigo rumor, acompanho o que sai pela 7 Letras. Em São Paulo, estive com o (crítico) Miguel Sanches Neto. Deu vontade de confessar a minha inveja do cara, que consegue ler tudo... Eu não consigo ler mais quase nada...


- O que você gostou mais de traduzir na carreira?

- Minha paixão é traduzir poesia. Os três poetas que traduzi mais seriamente, Byron, Wallace Stevens e Elizabeth Bishop, foram coisas maravilhosas, que eu adoro. Se pudesse, não fazia outra coisa. Tenho um projeto de traduzir a série de 14 sonetos sacros do John Donne, muito difíceis. Já fiz metade, mas tinha que escrever um prefácio legal, uma introdução, notas. O que fiz com Byron nos anos 80, quando tinha horas vagas. O problema é que agora não tenho mais tempo. Outro projeto era fazer uma antologia de uma poeta que eu amo profundamente, Emily Dickinson.


- Como tem sido a experiência de dar aulas no curso de formação de escritores?

- Estou gostando muito. O começou foi um pouco zoneado, mas neste semestre consegui promover uma oficina de poesia. Começamos estudando as noções básicas de ritmo e método, e agora os alunos estão preparando sonetos. Mantemos um site para trocar indicações de leituras e um grupo de discussão por e-mail. O curso também é bom porque me obriga a estudar e preencher as lacunas da minha formação.

 

Paulo Henriques Britto

Leia Paulo Henriques Britto

 

 

 

 

20.01.2005