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Luís Vaz de Camões




Não porque de algum bem tenha esperança






Não porque de algum bem tenha esperança
vos escrevo meu mal em tal estado
que sei que em vós fará pouca mudança.

Mas já perdido, triste e magoado,
para remédio tomo escrever dores;
esperar de vós outro é escusado.

O que não faz Amor em meus amores,
o que lágrimas tristes não fizeram,
bem menos o farão causas menores.

Pois onde as mais 'té agora se perderam,
percam-se estas palavras de meu ser,
que pouco me doem já, já me doeram.

Sempre deste meu mal tive suspeita;
não que de todo em todo me faltasse
üa esperança vã enfim desfeita.

Fazia-me o desejo que esperasse;
a razão de outra parte, que temesse
e de esperanças vãs não confiasse;

que olhasse que por elas não perdesse
a doce liberdade, o riso, o canto,
de que depois em vão me arrependesse.

Amor, que tudo pode, pôde tanto
que, para ver o mal em que me vejo,
me não deu olhos mais que para pranto.

Não curei a razão, segui o desejo;
outras cousas segui, de qualidade,
que choro e calo, por não ser sobejo.

Pela vossa neguei minha vontade;
logo como vos vi, no mesmo ponto
vos entregou a vida a liberdade.

O que passou despois, não vo-lo conto.
De que serve contar cousas sobejas
a quem lhe soube dar um tal desconto?

Ah, esperanças minhas, já perdidas!
Agora, para mais ter que contar,
soube que fostes vãs, fostes fingidas.

Em que posso ou que devo hoje esperar?
Onde acharei de novo outros enganos,
que possam desenganos enganar?

Mas é vento cuidar enganar danos;
O triste, que nem na alma tem alento,
tem seu remédio só no fim dos anos!

Já não espero ver contentamento;
perdi quanto esperei numa só hora,
e não perdi em muitas o tormento.

E sobre tantas perdas, inda agora,
que esperava de vos a vós queixar-me,
não mo consente Amor, que na alma mora.

Põe-se diante, a fim só de estorvar-me,
que vos ofenderei, mostrando aqui
que tanta fé pagais com maltratar-me.

E então este temor deixa-me assi,
além de magoado, frio e mudo,
rependido de quanto escrevi.

Cousas de vosso gosto ainda cudo,
como se não cuidasse – o que não creio – ,
não perder isto, como perdi tudo.

Mas vá-se o medo já, pois que já veio
o desengano, sem se ter sabida
que a certeza podia ter receio.

Agora não me dá perder a vida,
nem a deve recear quem a despreza;
matai-me, se de mim sois ofendida.

Senão mate-me já minha tristeza,
que este só bem me fica, este me val',
se mo não estorvar vossa crueza.

Quem se não espantará, vendo-me tal
temer: que o triste fim, que me ordenastes,
mo negueis por remédio de meu mal?

Entre silvestres feras vos criastes,
pois dais por galardão do que esperava
cruezas desusadas do que usastes.

Quantas lágrimas triste derramava!
Quantos suspiros dava noite e dia
se vos não via, enquanto vos olhava!

Tremia diante vós, ausente ardia;
abrandava este mal ter para mim
que sentia meu fogo essa alma fria.

Mas muito diferente foi o fim
de tudo o que cuidava no começo,
por onde de um mal noutro, a tantos vim.

Vida para tal vida não vos peço;
morte para tal morte, qual me mata,
me podeis dar, que bem vo-lo mereço.

Porque com a dor língua se desata,
e com gritos vos chama, e com razão,
sem fé, desamorável, cruel, ingrata.

Por isso acabai já vossa tenção.
Fartai, Senhora, já vossas cruezas
no sangue deste triste coração.

Acabai de acabar tantas tristezas
pois acabastes já vãs esperanças,
acabem já também minhas firmezas.

Acabe a vida, acabarão lembranças.
Mas tudo está por vós tão acabado,
como muitas em mim as confianças,
que tanto me trouxeram enganado.



 


 

 

 

 

 

20/03/2006