Luís Vaz de Camões
Introdução dos versos proféticos da Sibila Eritreia, que refere
Santo Agostinho, L. 18, C. 23 da «Cidade de Deus», nos quais pelas
primeiras letras se lêem «Jesu Christo Filho de Deos e Salvador»:
Juízo extremo, horrífico e tremendo
e juiz sempiterno, alto e celeste
significará a terra humedecendo.
Ver-se-á nela um suor que manifeste
como em carne vem Deus, a quem veja
o crédulo e incrédulo terrestre;
Rei justo, que almas e que corpo reja,
juiz será, quando este mundo inculto
sobre espinhos cruéis deitado seja.
Todo o vão simulacro e rico culto
ousará enjeitar a gente, e guerra
fará co mar o fogo e cru tumulto.
Imensa, a luz que as carnes desenterra,
lançará fora as portas vãs do Averno,
os justos seus levando à santa terra.
Outros, que são os maus, no fogo eterno
deitará, descobrindo-se os segredos,
e sendo claro todo feito interno.
Desfar-se-á a terra, os montes e os penedos,
e será tudo pranto e estridor duro,
obras de grande dor e tristes medos.
Será tornado o sol de todo escuro
e destruída a máquina do mundo,
sem luz a lua, estrelas e o Orbe puro.
Altos serão os vales, e em profundo
lugar se abaixarão os altos montes;
ver-se-á no mar o vento furibundo;
Haverá só de fogo vivas fontes;
da trombeta tremenda som terrível
ouvido, fará pálidas as frontes.
Responderá dos maus gemido horrível.
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