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Luís Vaz de Camões




A vida me aborrece, a morte quero






A vida me aborrece, a morte quero.
Será eterno o meu mal, segundo entendo,
pois na mor esperança desespero.

Sem viver vivo, por morrer vivendo,
por não verdes, Senhora, como eu vejo
quanto de mi por vós me ando esquecendo.

Seja-me agradecido este desejo:
ingrata não sejais a quem vos ama
com puro e honestíssimo despejo.

A culpa que me pondes, ponde-a à Fama
que pregoa de vós celeste vida
que os corações de amor divino inflama.

Humana, quando não agradecida,
vos mostrai ao mal meu que me faz vosso,
antes que a alma do corpo se despida.

Mas que passo eu fazer, pois já não posso
um tormento domar tão forte e duro,
homem formado só de carne e osso?

Em minha fé segura me asseguro,
porque esta, quando é grande, jamais erra,
se resulta de amor sincero e puro.

Essa Beldade santa me faz guerra;
por ela hei-de morrer, inda que veja
tornar o brando rio em dura guerra.

Que cousa tenho eu já que minha seja?
Quem não deseja a vossa fermosura
não pode assegurar que o Céu deseja.

De que eu sempre o deseje estai segura:
neste desejo meu nunca mudança
hão-de ver as mudanças da ventura:

A vida tenho posta na balança
da glória singular do dano esquivo,
que o perdê-la por vós é mor bonança.

Se vos ofendo, cuido que não vivo.
Olhai se muito mais que de ofender-vos
das esperanças do viver me privo.

O que temo somente é só perder-vos;
o que quero somente é só adorar-vos;
o que somente adoro é só querer-vos.

Querer-vos sem deixar de venerar-vos;
desejar-vos somente por servir-vos;
por servir a amor vil não desejar-vos.

Somente ver-vos e somente ouvir-vos
pretendo, e pois somente isto pretendo;
deveis a estes sentidos permitir-vos.

Isto somente, ó cego, estou dizendo?
Como se fora pouco isto somente!
Que mais que ouvir-vos há que estar-vos vendo?

Se o não merece o meu amor decente;
se morte por amar-vos se merece,
morra eu, Senhora, e vós ficai contente.

Se vos agrava quem por vós padece,
se vos vem a ofender quem vos quer tanto,
quem desta sorte errou não desmerece.

Que quando os olhos da razão levanto
ao céu de essa raríssima beleza
de não morrer por ela só me espanto.

Deixai-me contentar desta tristeza
e fazer de meus olhos largo rio,
se algum pode abrandar vossa dureza.

Correndo sempre as lágrimas em fio,
farei crescer as ervas por os prados,
pois já de outra alegria desconfio.

No monte darei pasto a meus cuidados,
e serão de mi sempre entre pastores
esses divinos olhos celebrados.

Aprenderão de mim os amadores
aquilo que se chama amor sublime,
ouvindo o rigor vosso e minhas dores.

E nenhum haverá que a pena estime
mais soberana por a causa dela
que a que teve até então não desestime,
e que inveja não mostre à minha estrela.



 


 

 

 

 

 

20/03/2006