Luís Vaz de Camões
Quem poderá passar tão triste vida?
Quem poderá passar tão triste vida?
Quem não espera já contentamento
senão quando de todo for perdida?
Quem poderá sofrer tão grão tormento,
tão áspero, cruel, tão duro e forte?
Quem, morta a esperança e sofrimento,
quem pode imaginar tão dura sorte
que faz crecer o mal continuamente,
e, por não dar remédio, não dá a morte.
Quem há enfim tão triste e descontente
que sempre ande o passado imaginando,
e em aborrecimento do presente?
Se lá onde tu estás vês qual ando,
Senhora, e o nosso amor inda lá dura,
bem creio que meu mal estás chorando;
que faltando-me a tua formosura
e a tua alegre e doce companhia,
bem vês qual será minha desventura.
Tudo já me entristece: a noute e o dia.
E o que mais me atormenta é a lembrança
do bem que noutro tempo possuía.
Já perdi de cobrá-lo a confiança;
e com isto perdi de ser contente.
Camanho mal é a falta de esperança!
Se lá nessa outra vida se consente
sentir-se o mal que cá se anda passando,
Senhora minha, o meu não vos atormente.
Porque segundo me ele vai tratando
e o desejo de ver-te da outra parte
já para ti me vai encaminhando.
Perto me vejo já de ir a buscar-te;
entretanto te baste esta certeza,
porque a mim só me basta contemplar-te.
Ali se acabará nossa tristeza:
Amor acabará de atormentar-nos;
Não terá ali lugar sua crueza;
mas tê-lo-emos nós para alegrar-nos.
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