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Luís Vaz de Camões


 



Sonetos Apócrifos


 



Brandas águas do Tejo que, passando


Brandas águas do Tejo que, passando
por estes verdes campos que regais,
plantas, ervas, e flores e animais,
pastores, ninfas ides alegrando;

não sei (ah, doces águas!), não sei quando
vos tornarei a ver; que mágoas tais,
vendo como vos deixo, me causais
que de tornar já vou desconfiando.

Ordenou o Destino, desejoso
de converter meus gostos em pesares,
partida que me vai custando tanto.

Saudoso de vós, dele queixoso,
encherei de suspiros outros ares,
turbarei outras águas com meu pranto.
 


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Campo, nas Sirtes deste mar da vida


Campo, nas Sirtes deste mar da vida,
após naufrágios seus, tábua segura;
claras bonanças em tormenta escura,
habitação da paz, de amor guarida:

a ti fujo; e, se vence tal fugida
(e quem mudou lugar, mudou ventura),
cantemos a vitória; e, na espessura,
triunfe a honra da ambição vencida.

Em flor e em fruto de verão e outono
utilmente murmuram claras águas:
alegre me acha aqui, me deixa o dia.

Amantes rouxinóis rompem-me o sono
que ata o descanso; aqui sepulto mágoas
que já foram sepulcros de alegria.



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Cançada y ronca boz por que bolando


Cançada y ronca boz por que bolando
no vas do mi Florinda esta dormiendo?
Y ali, de todo quanto yo pretiendo,
ó venturosa, tu no estas gozando!

Ve passo y, al oido sospirando,
le di, sin que te sinta, que sintiendo
estoi tan grave mal que estoi moriendo;
y , abiendo de morir, estoi cantando.

Y dile que, anunque tengo su transumpto,
a qua do estoi que venga dela espero,
si no quiere hallarme ya defunto.

Mas ay, no se lo digas, que mas muero
de verme a su valor despues tan junto,
sin que vea el bien que tanto quiero.



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Claros olhos azuis, olhos fermosos


Claros olhos azuis, olhos fermosos,
que o lume destes meus escurecestes;
Olhos que o mesmo Amor de amor vencestes
cos vivos raios sempre vitoriosos;

olhos serenos, olhos venturosos,
que ser luz de tal gesto merecestes,
ditosos em render quanto rendestes,
e em nunca ser rendidos mais ditosos;

que mour'eu por vos ver, e que vos traga
nas meninas dos meus perpetuamente
cousa é que justamente Amor ordena.

Mas, que de vós não tenha mais que a pena
com que Amor tanta fé tão mal me paga,
nem o diz a razão, nem o consente.



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Coitado, que em um tempo choro e rio


Coitado, que em um tempo choro e rio,
espero, temo, quero e aborreço.
juntamente me alegro e entristeço,
de üa cousa confio e desconfio.

Avoo sem asas, estou cego e guio,
e no que valho mais menos mereço;
calando, dou vozes; falo e emudeço,
nada me contradiz e eu aporfio.

Queria, se ser pudesse, o impossível;
queria poder mudar-me e estar quedo,
usar de liberdade e ser cativo.

Queria que visto fosse e invisível;
queria desenredar-me, e mais me enredo:
tais são os extremos em que triste vivo.



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Com o generoso rostro alanceado


Com o generoso rostro alanceado,
cheia de pó e sangue a real fronte,
chegou à triste barca de Aqueronte
o grão Sebastião, sombra tornado.

Vendo o cruel barqueiro que forçado
queria o rei passar, pôs-se defronte,
dizendo: «Pelas águas desta fonte,
nunca passou ninguém desenterrado».

O valoroso rei, com ira comovido,
lhe responde: «Ó falso velho, porventura
não passou outrem já com força d'ouro?

Pois a um rei banhado em sangue mouro
ousas tu perguntar por sepultura?
Pergunta-o a quem vier menos ferido».
 


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Com o tempo, o prado seco reverdece


Com o tempo, o prado seco reverdece,
com o tempo cai a folha ao bosque umbroso,
com o tempo pára o rio caudaloso,
com o tempo o campo pobre se enriquece;

com o tempo, um louro morre, outro florece;
com o tempo, um é sereno, outro invernoso,
com o tempo, foge o mal duro e penoso,
com o tempo, torna o bem, já quando esquece.

Com o tempo, faz mudança a sorte avara,
com o tempo, se aniquila um grande estado,
com o tempo, torna a ser mais eminente.

Com o tempo, tudo anda e tudo pára.
Mas só aquele tempo que é passado,
com o tempo, se não faz tempo presente.



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Como louvarei eu, Serafim santo


Como louvarei eu, Serafim santo,
tanta humildade, tanta penitência,
castidade, e pobreza, e paciência,
com este meu inculto e rudo canto?

Argumento que às Musas pões espanto,
que faz muda a grandíloqua eloquência.
Ó imagem, que a Divina Providência
de si, viva, em vós fez para bem tanto!

Fostes de santos uma rara mina;
almas de mil a mil ao Céu mandastes
do mundo que, perdido, reformastes.

E não roubáveis só com a doutrina
as vontades mortais, mas a divina,
pois os seus rubis cinco lhe roubastes.



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Con razon os vays, aguas, fatigando


Con razon os vays, aguas, fatigando,
por llegar do sereys bien recebidas,
y en aquel mar inmenso convertidas,
que ya de tantos dias vays buscando.

Triste de aquel que siempre anda llorando
las vanas esperanças ya perdidas;
y con dolor las lagrimas vertidas
nunca al fin pretendido van llegando.

Vosotras sin traer derecha via,
al termino llegais tan deseado,
por mas que os embarace el gran rodeo:

mas yo siempre afligido noche y dia,
por un camino, que no llevo errado,
jamas puedo llegar donde deseo.



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Contas, que traz Amor com meus cuidados


Contas, que traz Amor com meus cuidados,
me fazem contas dar de meu tormento;
são contas com que anda o pensamento,
contando mágoas tristes, duros fados.

Contas cruéis serão, se mal contados
os meus serviços forem, cujo intento
é sempre fazer conta em fundamento,
em contar-se por bem-afortunados.

Se, em saindo cá fora, vos (eu) vejo,
contas, do peito em lágrimas tornadas,
à causa deste efeito ide sem pejo;

e lá direis que sois gotas salgadas
do infinito mar do meu desejo,
que acende o fogo em que sois forjadas.
 


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Contentamentos meus, que já passastes


Contentamentos meus, que já passastes
e só de vós ficou o sentimento:
não sei em que trazeis o fundamento,
se havíeis de tornar, quando chegastes.

Se foi comigo só o que usastes
no mais que com a vista um cumprimento,
de vós me vingo que, enfim, sois vento:
em vento edifiquei, vento ficastes.

Quem se fia em Amor, quem tão mal sente,
quem nele se confia ou põe firmeza
desastres da Fortuna não vigia.

Enfim já agora sei que ser contente
nunca jamais de si deu mor certeza
que dele senão ter perfeito dia.



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Cuanto tiempo ha que lloro un dia triste


Cuanto tiempo ha que lloro un dia triste,
como si alguno alegre yo esperara!
Como, ó Tajo, ao passar essa tu clara
agua, no la alteraste y no me hundiste?

El passo me cerraste, el pecho abriste.
O mi Ventura, de mi bien avara!
A Dios, montañas, de hermosura rara;
a Dios mi corazón, que no partiste!

Si adonde quedas en dichosa suertø
no bevieres las aguas del Olvido,
en tanto bien no quieras olvidarte.

Cantando mi dolor, llora mi muerte,
porque hasta el hueco monte sin sentido
suelta su ronca voz por consolarme.


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29/03/2006