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Luís Vaz de Camões


 



Sonetos Apócrifos
 





D'amores de üa ínclita donzela


D'amores de üa ínclita donzela
ferido o mesmo deus d'Amor se viu
e preso, enfim, por mais que resistiu,
que a tudo vence e rende a força dela.

Jamais o mundo viu dama tão bela;
com ela a Natureza repartiu
a graça, com que ao mesmo feriu,
laços com quem não vale força ou cautela.

Ó rara e nunca vista formosura,
formosura bastante a sojugar
o mesmo deus d'Amor tão soberano.

Olhai, se poderá de um fraco humano
a força, a força tal muito durar,
quando a força de Amor tão pouco dura!


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De Amor escrevo, de Amor trato e vivo


De Amor escrevo, de Amor trato e vivo
de amor me nasce amar sem ser amado,
de tudo se descuida o meu cuidado,
quanto não seja ser de amor cativo;

de amor, que a lugar alto voe altivo,
e funde a glória sua em ser ousado;
que se veja melhor purificado
no imenso resplandor de um raio esquivo.

Mas ai! que tanto amor só pena alcança.
Mais constante ela, e ele mais constante,
de seu triunfo cada qual só trata.

Nada enfim me aproveita; que a esperança,
se anima alguma vez a um triste amante,
ao perto vivifica, ao longe mata.



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De Babel sobre os rios nos sentámos


De Babel sobre os rios nos sentámos,
de nossa doce pátria desterrados;
as mãos na face, os olhos derribados,
com saudades de ti, Sião, chorámos.

Os órgãos nos salgueiros pendurámos,
em outro tempo bem de nós tocados;
outro era ele, por certo, outros cuidados.
Mas, por deixar saudades, os deixámos.

Aqueles que cativos nos traziam,
por cantigas alegres perguntavam.
«Cantai – nos dizem – hinos de Sião».

Sobre tal pena, pena tal nos dão;
pois tiranicamente pretendiam
que cantassem aqueles que choravam.


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De cá, donde somente o imaginar-vos


De cá, donde somente o imaginar-vos
a rigorosa ausência me consente,
sobre as asas de Amor, ousadamente
o mal sofrido esp'rito vai buscar-vos.

E, se não receara de abrasar-vos
nas chamas que por vossa causa sente,
lá ficara convosco e, vós presente,
aprendera de vós a contentar-me.

Mas pois que estar ausente lhe é forçado,
por Senhora de cá vos reconhece,
aos pés de imagens vossas inclinado;

e pois vedes a fé que vos of'rece,
ponde os olhos, de lá, no seu cuidado,
e dar-lhe-eis inda mais do que merece.


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De Luís de Camões à morte do bisconde de Lima. D. B.


Fermoso moço, que nos céus descansas
rindo dos que chorando cá deixaste,
quão asinha nos deste e nos levaste
de grandes cousas grandes esperanças!

Pois livre de misérias e mudanças
da vida, de que pouco te lograste,
a teu Pai Verdadeiro te tornaste,
deixando ao de cá tristes lembranças;

estende, ó Anjo novo, dessa altura,
a piedosa mão e enxuga o pranto
em que se banha, chorando tua morte;

mostra-lhe tua nova fermosura,
para que te não chore; e dize quanto
tens melhor vida agora e melhor sorte.


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De mil suspeitas vãs se me levantam


De mil suspeitas vãs se me levantam
trabalhos e desgostos verdadeiros.
Ai, que estes bens de Amor são feiticeiros
que com um não sei que toda alma encantam!

Como sereias docemente cantam
para enganar os tristes marinheiros,
os meus assi me atraem lisonjeiros,
e depois, com horrores mil, me espantam.

Quando cuido que tomo porto ou terra,
tal vento se levanta em um instante
que súbito da vida desconfio.

Mas eu sou quem me faz a maior guerra
pois, conhecendo os riscos de um amante,
fiado a ondas de Amor, delas me fio.


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De piedra, de metal, de cosa dura


De piedra, de metal, de cosa dura,
el alma, dura Ninfa, os ha vestido,
pues el cabello es oro endurecido,
y marmol es la frente en su blancura.

Los ojos, esmeralda verde y escura;
granata las mexillas; no fingido,
el labrio es un robí no poseydo;
los blancos dientes son de perla pura.

La mano de marfil, y la garganta
de alabastro, por donde como yedra
las venas van de azul mui rutilante.

Mas lo que más en toda vos me espanta,
es ver que, por que todo fuese piedra,
tenéis el corazón como diamante.


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De tantas perfeições a Natureza


De tantas perfeições a Natureza
formou, Dama gentil, vossa figura
que sois divina no mundo em formosura,
e divina na graça e gentileza.

De modo que tal é vossa lindeza,
tal a graça que em vós tanto se apura
que não há dama em si tanto segura
que, ante essa vossa, cuide ter beleza.

A natureza humana se esmerou
em vos formar tão linda e graciosa
quão graciosa e linda vos formou;

e, para vos fazer mais gloriosa,
depois de vos formar, logo jurou
de não fazer mais cousa tão formosa.


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Deixa, Apolo, o correr tão apressado


Deixa, Apolo, o correr tão apressado;
não sigas essa Ninfa tão ufano.
Não te leva o Amor, leva-te o engano,
com sombras de algum bem, a mal dobrado.

E quando seja Amor, será forçado;
e, se forçado for, será teu dano.
Um parecer não queiras mais que humano
em um silvestre adorno ver tornado.

Não percas, por um vão contentamento,
a vista que te faz viver contente;
modera em teu favor o pensamento;

porque, menos mal é, tendo-a presente,
sofrer sua crueza e teu tormento
que sentir sua ausência eternamente.


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Depois de haver chorado os meus tormentos


Depois de haver chorado os meus tormentos,
quer Amor que lhe cante as suas glórias.
Canto de üa beleza os vencimentos,
de um longo padecer choro as memórias.

Porém, se as minhas penas são vitórias
pôr a causa a meus altos pensamentos,
dilatem-se em larguíssimas histórias
estes meus gloriosos rendimentos.

Mova-se em todo o mundo único espanto
de que é pela beleza que eu adoro,
do que cantado tenho prémio o pranto.

Contente ofereço a Amor tão triste foro;
que, se choro, não há como o meu canto;
não sei canto melhor que este meu choro.


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Depois de tantos dias mal gastados


Depois de tantos dias mal gastados,
depois de tantas noites mal dormidas,
depois de tantas lágrimas vertidas,
tantos suspiros vãos, vamente dados;

como não sois vós já desenganados,
desejos, que de coisas esquecidas
quereis remediar mortais feridas,
que Amor fez sem remédio, o Tempo, os Fados?

Se não tivéreis já experiência
das sem-razões de Amor, a quem servistes,
fraqueza fora em vós a resistência.

Mas pois por vosso mal seus males vistes,
que tempo não curou longa ausência,
que bem dele esperais, desejos tristes?


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Ditosa pena, como a mão que a guia


Ditosa pena, como a mão que a guia
com tantas perfeições da sutil arte,
que, quando com razão venho a louvar-te,
em teus louvores perco a fantasia.

Porém Amor, que efeitos vários cria,
de ti cantar me manda em toda a parte,
não em plectro belígero de Marte,
mas em suave e branda melodia.

Teu nome, Emanuel, de um ao outro pólo
voando, se levanta e te pregoa
agora, que ninguém te levantava.

E porque imortal sejas, eis Apolo
te oferece de flores a coroa
que já de longo tempo te aguardava.


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Diversos casos, vários pensamentos


Diversos casos, vários pensamentos
me trazem tão confuso o entendimento
que em nada vejo já contentamento
senão quando se vão contentamentos.

Em vários casos, vários sentimentos
sucedem, por mostrar ao fundamento
que é o que se deseja tudo vento,
pois pinta haver descanso em vãos intentos.

Vê-se em grandes discursos os desejos,
quando as ocasiões os tempos mudam,
não há cousa impossível a um cuidado.

O injusto com o justo é já trocado;
os duros montes seus assentos mudam:
eu só não posso ver meu mal mudado.


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Divina companhia que nos prados


Divina companhia que nos prados
do claro Eurotas ou no Olimpo monte,
ou sobre as margens da Castália Fonte,
vossos estudos tendes mais sagrados;

pois por destino dos imóveis fados
quereis que em vosso número me conte
no eterno templo de Belorofonte
ponde em bronze estes versos entalhados:

«Soliso (por que em séculos futuros
se veja da beleza o que merece
quem de sábia doudice a mente inflama),

seus escritos, da sorte já seguros,
a estas aras em üa mão oferece,
e a alma em outra à sua bela dama».


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Do corpo estava já quase forçada


Do corpo estava já quase forçada
aquela alma gentil ao Céu devida,
rompendo a nobre teia de sua vida,
por tornar cedo à pátria desejada.

Ainda em flor, sem ter raiz lançada
na terra, dela tanto aborrecida,
se arrancou boamente; e esta partida
fez à morte suave sua jornada.

Alma pura, que ao mundo te mostraste
solta de seus grilhões que outros enlaçam,
e agora gozas lá dias melhores;

dos teus, que cá sem ti tristes deixaste,
te mova alta piedade, enquanto passam
estas horas que a dor lhe faz maiores.


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Do están los claros ojos que colgada


Do están los claros ojos que colgada
mi alma detras si llevar solían?
Do están las dos mexillas que vencían
la rosa quando está más colorada?

Do está la roxa boca y adornada
con dientes que de nieve parecían?
Los cabellos que el oro escurecían,
do están, y aquella mano delicada?

O toda linda! do estarás ahora
que no te puedo ver, y el gran deseo
de verte me da muerte cada hora!

Mas no mirais mi grande devaneo,
que tengo yo en mi alma a mi Señora,
e diga: Donde estás, que te no veo?


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Dulces engaños de mis ojos tristes


Dulces engaños de mis ojos tristes,
quan vivo despertais mi pensamiento!
Aquello que pudiera dar contento
en sombra de pintura lo bolvistes.

De blando sobresalto enternecistes
con vista arrebatada el sentimiento;
mas no le assegurastes un momento
aquesto vano bien que le ofrecistes.

Veo que la figura era fingida,
y no aquella que en si mi alma esconde,
aunque en esta se llega al natural.

Assi escucha mi llanto, assi responde,
assi se condolece de mi vida,
como se fuera el proprio original.


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29/03/2006