Luís Vaz de Camões
Redondilhas (Parte I)
MOTE
Descalça vai pera a fonte
Lianor, pela verdura;
vai fermosa e não segura.
VOLTA
Leva na cabeça o pote,
o testo nas mãos de prata,
cinta de fina escarlata,
sainho de chamalote;
traz a vasquinha de cote,
mais branca que a neve pura;
vai fermosa e não segura.
Descobre a touca a garganta,
cabelos d' ouro o trançado,
fita de cor d' encarnado...
Tão linda que o mundo espanta!
Chove nela graça tanta
que dá graça à fermosura;
vai fermosa, e não segura.
MOTE SEU
Descalça vai pola neve. . .
Assi faz quem Amor serve.
VOLTAS
Os privilégios que os reis
não podem dar, pode Amor,
que faz qualquer amador
livre das humanas leis.
Mortes e guerras cruéis,
ferro, frio, fogo e neve,
tudo sofre quem o serve.
Moça fermosa despreza
todo o frio e toda a dor.
Olhai quanto pode Amor
mais que a própria natureza:
medo nem delicadeza
lhe impede que passe a neve.
Assi faz quem Amor serve.
Por mais trabalhos que leve,
a tudo se of'receria;
passa pela neve fria
mais alva que a própria neve;
com todo o frio se atreve...
Vede em que fogo ferve
o triste que o Amor serve.
CANTIGAS ALHEIAS
Na fonte está Lianor
lavando a talha e chorando,
às amigas perguntando:
«Vistes lá o meu amor?»
VOLTAS DO CAMÕES
Posto o pensamento nele,
porque a tudo o Amor a obriga,
cantava; mas a cantiga
eram suspiros por ele.
Nisto estava Lianor
o seu desejo enganando,
às amigas perguntando:
Vistes lá o meu amor?
O rosto sobre üa mão,
os olhos no chão pregados,
que, do chorar já cansados,
algum descanso lhe dão.
Desta sorte Lianor
suspende de quando em quando
sua dor; e, em si tornando,
mais pesada sente a dor.
Não deita dos olhos água,
que não quer que a dor se abrande
Amor; porque, em mágoa grande,
seca as lágrimas a mágoa.
Que despois de seu amor
soube novas perguntando,
d' emproviso a vi chorando.
Olhai que extremos de dor!
MOTE
Esconjuro-te, Domingas,
pois me dás tanto cuidado,
que me digas se te vingas:
viverei menos penado.
VOLTAS
Juravas-me que outras cabras
folgavas de apacentar;
eu, por não me magoar,
fingia que eram palavras.
Agora d' arte te vingas
d' algum meu doudo pecado,
qu' inda [que] queiras, Domingas,
não posso ser enganado.
Qualquer cousa busca o seu:
a fonte vai para o Tejo,
e tu para o teu desejo
por te vingares do meu.
De mi te esqueces, Domingas,
como eu faço do meu gado.
Praza a Deus que, se te vingas,
que moura desesperado.
Na fantasia te pinto;
falo-te, responde o monte;
busco o rio, busco a fonte,
endoudeço e não o sinto.
«Domingas!» no vale brado.
Responde o eco: «Domingas!»
E tu inda te não vingas
de me ver doudo tomado?
MOTE ALHEIO
Caterina bem promete...
Eramá, como ela mente!
VOLTAS PRÓPRIAS
Caterina é mais fermosa
para mim que a luz do dia;
mas mais fermosa seria
se não fosse mentirosa.
Hoje a vejo piadosa,
amanhã tão diferente
que sempre cuido que mente.
Caterina me mentiu
muitas vezes, sem ter lei;
mas todas lhe perdoei
por üa só que cumpriu.
Se, como me consentiu
falar, o mais me consente,
nunca mais direi que mente.
Má, mentirosa, malvada,
dizei: para que mentis?
Prometeis, e não cumpris.
Pois, sem cumprir, tudo é nada,
Não sois bem aconselhada;
que quem promete, se mente,
o que perde não no sente.
Jurou-me aquela cadela
de vir pela alma que tinha.
Enganou-me: tem a minha;
dá-lhe pouco de perdê-la.
A vida gasto após ela
porque ma dá, se promete;
mas tira-ma, quando mente.
Tudo vos consentiria
quanto quisésseis fazer,
se esse vosso prometer
fosse por me ter um dia;
todo então me desfaria
convosco; e vós, de contente,
zombaríeis de quem mente.
Prometeu-me ontem de vir,
nunca mais apareceu;
creio que não prometeu
senão só por me mentir.
Faz-me enfim chorar e rir:
rio, quando me promete;
mas choro, quando me mente.
Mas pois folgais de mentir,
prometendo de me ver,
eu vos deixo o prometer,
deixai-me vós o cumprir.
Haveis então de sentir
quanto fica mais contente
o que cumpre que o que mente.
CANTIGA ALHEIA
Pastora da serra,
da serra da Estrela,
perco-me por ela.
VOLTA
Nos seus olhos belos
tanto Amor se atreve
que abrasa entre a neve
quantos ousam vê-los.
Não solta os cabelos
Aurora mais bela:
perco-me por ela.
Não teve esta serra,
no meio da altura,
mais que a fermosura
que nela se encerra.
Bem céu fica a terra
que tem tal estrela:
perco-me por ela.
Sendo entre pastores
causa de mil males,
não se ouvem nos vales
senão seus louvores.
Eu só por amores
não sei falar nela:
sei morrer por ela.
De alguns que, sentindo,
seu mal vão mostrando,
se ri, não cuidando
que inda paga, rindo.
Eu, triste, encobrindo
só meus males dela,
perco-me por ela.
Se flores deseja,
(por ventura delas)
das que colhe, belas,
mil morrem de enveja.
Não há quem não veja
todo o milhor nela:
perco-me por ela.
Se na água corrente
seus olhos inclina,
faz luz cristalina
parar a corrente.
Tal se vê que sente
por ver-se água nela:
perco-me por ela.
MOTE
Coifa de beirame
namorou Joane.
VOLTAS PRÓPRIAS
Por cousa tão pouca
andas namorado?
Amas a toucado
e não quem o touca?
Ando cega e louca
por ti, meu Joane;
tu, pelo beirame.
Amas o vestido?
És falso amador.
Tu não vês que Amor
se pinta despido?
Cego e perdido
andas por beirame;
e eu por ti, Joane.
Se alguém te vir,
que dirá de ti?
Que deixas a mi
por cousa tão vil!
Terá bem que rir,
pois amas beirame,
e a mim não, Joane.
Quem ama assi
há-de ser amada;
ando maltratada
d'amores por ti.
Ama-me a mi
e deixa o beirame,
que é razão, Joane!
A todos encanta
tua parvoíce;
de tua doudice
Gonçalo se espanta
e, zombando, canta:
«Coifa de beirame
namorou Joane!»
Eu não sei que viste
neste meu toucado
que tão namorado
dele te sentiste.
Não te veja triste:
ama-me, Joane,
e deixa o beirame!
(Joane gemia.
Maria chorava;
assi lamentava
o mal que sentia.
Os olhos feria,
e não o beirame
que matou Joane.)
Não sei de que vem
amares vestido,
que o mesmo Cupido
vestido não tem.
Sabes de que vem
amares beirame?
Vem de ser Joane.
CHISTE
Quem ora soubesse
onde o amor nace,
que o semeasse.
VOLTAS
D' Amor e seus danos
me fiz lavrador;
semeava amor
e colhia enganos.
Não vi, em meus anos,
homem que apanhasse
o que semeasse.
Vi terra florida
de lindos abrolhos:
lindos para os olhos,
duros para a vida.
Mas a rês perdida
que tal erva pace
em forte hora nace.
Com quanto perdi,
trabalhava em vão;
se semeei grão,
grande dor colhi.
Amor nunca vi
que muito durasse,
que não magoasse.
MOTE
No monte de Amor andei,
por ter de monteiro fama.
Sem tomar gamo nem gama.
VOLTAS
Achei-me tão enlevado
neste monte a montear,
que donde cuidei caçar
eu mesmo fiquei caçado.
Caçador desesperado,
saí de üa e outra rama,
sem tomar gamo nem gama.
Levava por meus monteiros,
nesta caça de tormento,
os meus ais, que, como vento,
iam diante, ligeiros.
Uns tão tristes companheiros
levava, como quem ama,
por descobrir esta gama.
A roupa de montear
que neste dia levava,
era o mal que me pesava;
a cometa, o suspirar.
Já não podia cessar,
como touro quando brama,
só por buscar esta gama.
Os cães eram meus tormentos,
cheios de muita agonia;
o furão, minha porfia;
as redes, meus pensamentos.
Nem me valeu tomar ventos
nem penetrar pela rama
pera descobrir tal gama.
MOTE
Guardai-me esses olhos belos.
GLOSA
De laços de ouro tão belos
pretende Amor fazer molhos
por prender quem ousa vê-los:
e pois ele quer cabelos,
para mim só quero os olhos.
Pois ele é vosso cativo
por alcançá-los e tê-los,
Guardai para ele os cabelos;
para mim, que de olhos vivo,
guardai-me esses olhos belos.
OUTRA
Dois extremos tendes, mana,
em vosso gesto divino,
qualquer deles peregrino:
olhos de luz soberana,
cabelos de ouro mais fino.
Quem cabelos para si
pretender, deixai-lhe havê-los;
mas se eu não quero cabelos
e olhos quero para mim,
guardai-me esses olhos belos.
MOTE ALHEIO
Se alma ver-se não pode
onde pensamentos ferem,
que farei para me crerem?
VOLTAS SUAS
N' alma üa só ferida
faz na vida mil sinais;
tanto se descobre mais
quanto é mais escondida.
Se esta dor tão conhecida
me não vêem, porque não querem,
que farei para me crerem?
Se se pudesse bem ver
quanto calo e quanto sento,
despois de tanto tormento
cuidaria alegre ser.
Mas, se não me querem crer
olhos que tão mal me ferem,
que farei para me crerem?
A üa Dama:
MOTE
Pois me faz dano olhar-vos,
não quero, por não perder-vos,
que ninguém me veja ver-vos.
VOLTAS
De ver-vos a não vos ver
há dous extremos mortais;
e são eles em si tais
que um por um me faz morrer.
Mas antes quero escolher
que possa viver sem ver-vos,
minh' alma, por não perder-vos.
Deste tamanho perigo
que remédio posso ter,
se vivo só com vos ver?
Se vos não vejo, perigo.
Quero acabar comigo
que ninguém me veja ver-vos,
Senhora, por não perder-vos.
MOTE SEU
De que me serve fugir
de morte, dor e perigo,
se me eu levo comigo?
VOLTAS
Tenho-me persuadido,
por razão conveniente,
que não posso ser contente,
pois que pude ser nacido.
Anda sempre tão unido
o meu tormento comigo
que eu mesmo sou meu perigo.
E se de mi me livrasse,
nenhum gosto me seria;
que, não sendo eu, não teria
mal que esse bem me tirasse.
Força é logo que assi passe:
ou com desgosto comigo,
ou sem gosto e sem perigo.
A üa dama que lhe jurava sempre pelos seus olhos
Quando me quer enganar
a minha bela perjura,
para mais me confirmar
o que quer certificar,
pelos seus olhos mo jura.
Como meu contentamento
todo se rege por eles,
imagina o pensamento
que se faz agravo a eles
não crer tão grão juramento.
Porém, como em casos tais
ando já visto e corrente,
sem outros certos sinais,
quanto m' ela jura mais
tanto mais cuido que mente.
Então, vendo-lhe ofender
uns tais olhos como aqueles,
deixo-me antes tudo crer,
só pela não constranger
a jurar falso por eles.
A um seu amigo a quem não podia encontrar
MOTE
Qual terá culpa de nós
neste mal, que todo é meu?
Quando vindes, não vou eu;
quando vou, não vindes vós.
VOLTA
Reinando Amor em dous peitos,
tece tantas falsidades
que, de conformes vontades,
faz desconformes efeitos.
Igualmente vive em nós;
mas, por desconcerto seu,
vos leva, se venho eu,
me leva, se vindes vós.
A üa dama que lhe virou o rosto
MOTE
Olhos, não vos mereci
que tenhais tal condição:
tão liberais pera o chão,
tão irosos pera mi.
VOLTAS PRÓPRIAS
Baixos e honestos andais,
por vos negardes a quem
não quer mais que aquele bem
que vós no chão espalhais.
Se pouco vos mereci,
não me estimais mais que o chão,
a quem vós o galardão
dais, e mo negais a mi.
A uma dama que lhe chamou diabo, por nome Fuã dos Anjos.
MOTE
Senhora, pois me chamais
tão sem razão tão mau nome,
inda o diabo vos tome.
VOLTAS
Quem quer que viu ou que leu,
terá por novo e moderno
ter quem vive no inferno
o pensamento no céu.
Mas se a vós vos pareceu
que me estava bem tal nome,
esse diabo vos tome.
Perdido mais que ninguém
confesso, senhora, ser;
mas o diabo não quer
aos anjos tamanho bem.
Pois logo não me convêm,
ou se me convêm tal nome
será para que vos tome.
Se vós benzeis com cautela,
como d' anjo e não de luz,
mal pode fugir da Cruz
quem vós tendes posto nela.
Mas já que foi minha estrela
ser diabo, e ter tal nome,
guardai-vos que vos não tome.
Já que chegais tanto ao cabo,
co as mãos postas aos céus,
vou sempre pedindo a Deus
que vos leve este diabo.
Eu, Senhora, não me gabo;
mas, pois que me dais tal nome,
tomo-o, para que vos tome.
A üa senhora que estava rezando por üas contas.
Peço-vos que me digais
as orações, que rezastes,
se são pelos que matastes,
se por vós, que assi matais.
Se são por vós, são perdidas;
que qual será a oração
que seja satisfação,
Senhora, de tantas vidas?
Que se vedes quantos vêm
a só vida vos pedir,
como vos há Deus de ouvir,
se vós não ouvis ninguém?
Não podeis ser perdoada
com mãos a matar tão prontas;
que, se nüa trazeis contas,
na outra trazeis espada.
Se dizeis que encomendando
os que matastes andais,
se rezais por quem matais,
para que matais, rezando?
Que, se na força do orar,
levantais as mãos aos céus,
não as ergueis para Deus,
erguei-las para matar.
E quando os olhos cerrais
toda enlevada na fé,
cerram-se os de quem vos vê
para nunca verem mais.
Pois se assi forem tratados
os que vos vêem quando orais,
essas horas que rezais
são as horas dos finados.
Pois logo, se sois servida
que tantos mortos não sejam,
não rezeis onde vos vejam,
ou vede para dar vida.
Ou, se quereis escusar
estes males que causastes,
ressucitai quem matastes:
não tereis por quem rezar.
A üa dama que estava vestida de dó.
MOTE
De atormentado e perdido,
já vos não peço senão
que tenhais no coração
o que tendo no vestida
VOLTAS
Se de dó vestida andais
por quem já vida não tem,
porque não no haveis de quem
vós tantas vezes matais?
Que brado sem ser ouvido,
e nunca vejo senão
cruezas no coração,
e grande dó do vestido.
A üas senhoras que haviam de ser terceiras para com üa
dama sua.
Pois a tantas perdições,
Senhoras, quereis dar vida,
ditosa seja a ferida
que tem tais cerurgiões !
Pois ventura
me subiu a tanta altura
que me sejais valedoras,
ditosa seja a tristura
que se cura
por vossos rogos, Senhoras!
Ser minha pena mortal,
já qu' entendeis que é assim,
não quero falar por mim,
que por mim fala meu mal.
Sois fermosas:
haveis de ser piadosas,
por ser tudo düa cor;
que pois Amor vos fez rosas
milagrosas,
fazei milagres d' amor.
Pedi a quem vós sabeis
que saiba de meu trabalho,
não pelo que eu nisso valho,
mas pelo que vós valeis.
que o valer
de vosso alto merecer,
com lho pedir de giolhos,
fará que em meu padecer
possa ver
o poder que têm seus olhos.
Vossa muita fermosura
co a sua tanto val
que me rio de meu mal
quando cuido em quem mo cura.
A meus ais
peço-vos que lhe valhais,
Damas de Amor tão validas,
que nunca tal dor sintais
que queirais
onde não sejais queridas.
A üa dama que estava doente
MOTE
Da doença em que ardeis
eu fora vossa mezinha
só com vós serdes a minha.
VOLTAS
É muito para notar
cura tão bem acertada,
que podereis ser curada
somente com me curar.
Se quereis, Dama, trocar,
ambos temos a mezinha:
eu a vossa, e vós a minha.
Olhai que não quer Amor
(por que fiquemos iguais),
pois meu ardor não curais,
que se cure vosso ardor.
Eu cá sinto a vossa dor
e, se vós sintis a minha,
dai e tomai a mezinha.
Estâncias a outra dama doente
Olhai que dura sentença
foi Amor dar contra mi:
que, porque em vós me perdi,
em vós me busca a doença.
Claro está
que em vós só me achará;
que em mim, se me vem buscar,
não poderá mais achar
que a forma do que fui já.
Que se em vós Amor se pôs,
Senhora, é forçado assi
que o mal, que me busca a mi,
que vos faça mal a vós.
Sem mentir,
Amor me quis destruir
por modo nunca cuidado,
pois vos há-de ser forçado
pesar-vos de vos servir.
Mas sois tão desconhecida
e são meus males de sorte
que vos ameaça a morte,
porque me negais a vida.
Se por boa
tal justiça se pregoa,
quando desta sorte for,
havei vós perdão d' Amor,
que a parte já vos perdoa.
Mas o que mais temo, enfim,
é que nesta diferença
que se não torne a doença,
se me não tornais a mim.
De verdade
que já vossa humanidade
de que se queixe não tem:
pois para as almas também
fez Amor enfirmidade.
A outra dama, que estava também doente
MOTE
Deu, Senhora, por sentença
Amor que fôsseis doente
para fazerdes à gente
doce e fermosa a doença.
VOLTAS
Não sabendo Amor curar,
foi a doença fazer
fermosa para se ver,
doce para se passar.
Então, vendo a diferença
que há de vós a toda a gente,
mandou que fôsseis doente
para glória da doença.
E digo-vos, de verdade,
que a saúde anda envejosa,
por ver estar tão fermosa
em vós essa enfirmidade.
Não façais logo detença,
Senhora, em estar doente,
porque adoecerá a gente
com desejos da doença.
Que eu, por ter, fermosa Dama,
a doença que em vós vejo,
vos confesso, que desejo
de cair convosco em cama.
Se consentis que me vença
este mal, não houve gente
de saúde tão contente
como eu serei da doença.
A dona Guiomar de Blasfé, queimando-se com üa vela no rosto.
Amor que todos ofende
teve, Senhora, por gosto
que sentisse o vosso rosto
o que nas almas acende.
Aquele rosto que traz
o mundo todo abrasado,
se foi da flama tocado,
foi por que sinta o que faz.
Bem sei que Amor se lhe rende;
porém, o seu pressuposto
foi sentir o vosso rosto
o que nas almas acende.
Trovas a üa dama que lhe mandou pedir algüas obras suas.
Senhora, se eu alcançasse,
no tempo que ler quereis,
que a dita dos meus papéis
pola minha se trocasse;
e por ver
tudo o que posso escrever
em mais breve relação,
indo eu onde eles vão,
por mim só quisésseis ler;
despois de ver um cuidado
tão contente de seu mal,
veríeis o natural
do que aqui vedes pintado.
que o perfeito
Amor, de que sou sujeito,
vereis áspero e cruel,
aqui com tinta e papel,
em mim co sangue no peito.
Que um contino imaginar
naquilo que Amor ordena,
é pena que, enfim, por pena
se não pode declarar;
que se eu levo
dentro n' alma quanto devo
de trasladar em papéis,
vede qual milhor lereis:
se a mim, se aquilo que escrevo.
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