Caio Porfírio Carneiro
O orador
Sempre que eu
passava por aquela praça lá estava ele, sozinho no palanque, gestos
teatrais, falando e falando para a multidão silenciosa. Semelhante
aos tantos outros que na cidade, no Estado, no País, em palanques,
rádios e televisões, faziam promessas há tantos anos. E anos a fora
quantos e quantos continuavam a ouvi-los.
Aquele, porém,
persistia, diariamente, sob o sol ou sob a chuva, no surrado terno
preto, erguendo os braços para a amplidão, gesticulando, mãos
trêmulas, aos que o ouviam à frente, à direita e à esquerda. Uma
ampla saia de cabeças. E ampliava a voz, quase aos gritos, aos que
passavam ao largo metidos nas suas vidas.
Pelo tipo, pelos
gestos, só lhe faltava uma bíblia na mão. E ele não tinha bíblia.
Aquela persistência, aquele mesmo público quieto e silencioso,
intrigaram-me e me despertaram a curiosidade.
Saí rompendo a
multidão para aproximar-me o mais possível:
– Com licença.
Com licença.
Vi-me bem
próximo daquela figura hipnótica, palavras vibrantes que diferiam
dos tantos outros da cidade, do Estado, do País. Fui descobrindo, em
meio à chuva de perdigotos, que tudo que lhe saía da boca nada
prometia desta vida e da outra. Não falava de Deus nem dos homens.
Não se referia à cidade, ao Estado e ao País. Ou ao mundo. Seu olhar
fuzilava, inquietava, martirizava, e suas acusações, dedo em riste,
queimavam, humilhavam, feriam.
Feriram-me.
Integrei-me à
multidão e, guardando o mesmo silêncio de todos, contrito, fiquei a
escutá-lo, esquecido do tempo.
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