Caio Porfírio Carneiro
Ele
Ele sempre se
sentava na mesma cadeira de encosto alto e se balançava, olhando o
tempo através da janela. Ele não mudava de roupa, o mesmo terno
amarfanhado e sujo. Ele não calçava sapatos, meias furadas e
chinelos, embora engravatado. Ele nunca sorria quando contava os
cúmulos-nimbos que corriam no céu. Ele não cortava as unhas. Ele só
se levantava para fazer suas necessidades. Ele dormia na velha cama,
vestido corno estava, mãos cruzadas ao peito, como morto ou como se
rezasse. Ele só tomava a sopa chupando muito o caldo da colher, numa
sonoridade de doer nos ouvidos e nos ossos. Ele chamava a criadinha,
balançava-se na cadeira, e ordenava que ela se despisse. Ele a
mandava embora em seguida com um gesto de mão e tédio. Ele pedia o
jornal, qualquer jornal, para urna corrida ligeira pelos títulos com
os óculos na ponta do nariz e jogava-o depois para o lado. Ele não
se escanhoava quando fazia a barba, sentado na cadeira e a criadinha
com um espelho na mão. Ele ficava com o rosto pontilhado de espuma.
Ele não tomava o remédio que o médico receitara. Ele não cortava os
cabelos. Ele roncava, cabeça bambeada, a saliva pingando da boca,
quando o tempo ia mal e não se podia abrir a janela. Ele rezava e
dizia palavrões. Ele recitava versos e os repetia até ficar rouco.
Ele tossia e escarrava no chão. Ele soltava gazes, em seqüências
sonoras que alcançavam a vizinhança. Ele resmungava e não dizia
palavra. Ele cantarolava surdamente sempre a mesma canção. Ele me
olhava com olhar neutro. Ele tossia a noite toda, sujava-se nas
calças e não permitia que tocassem nele. Ele infernizava a minha
vida e a vida da criadinha. Ele era o nosso pesadelo.
Ele ficou assim
depois que ela se foi, entre círios e flores.
Ele então foi
despachado para a companhia dela, depois que trocamos, eu e a
criadinha, um olhar de cumplicidade.
Ele continuou
presente com a sua ausência.
Ele me assusta
quando olho para a criadinha. Ele a assusta quando ela olha para
mim.
Ele aumentou
enormemente a carga de nosso pesadelo.
Ele nos deixou
sem remissão.
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