Cassiano Ricardo
Texto sobre Álvaro Pacheco
Em minhas mãos "A
Matéria do Sonho". Li-o ainda sob a impressão do nosso encontro
pessoal, ( com o autor) em que consentiu mudar o primeiro título do
seu livro em benévola atenção à prioridade de "Os Sobreviventes" de
minha autoria e que também aparecerá no próximo mês.
Creio que "A Matéria
do Sonho" substituiu com vantagem a epígrafe inicialmente anunciada.
Corresponde melhor, a meu ver, às intenções que caracterizam a sua
nova concepção poética.
O poema que abre o
volume contém um verso, entre tantos, digno de especial referencial:
"E eu e
eu-você você em nós desenvolvido"
Também me agradaram
bastante, duas pequenas mas belas composições: "Embriaguez" e "Como
uma Rosa Aberta". No primeiro, aquela cabeça que explode, aquela
magia que poreja em escala de bemóis, e mais as horas de mistério e
os compassos da transformação, sintetizam admiravelmente o estranho
mundo do "embriagado" que não se comunica, na sua solidão, senão
consigo mesmo, pela auto-exaltação que Manuel Bandeira chamou "o
lirismo pungente dos bêbados".
E como a embriaguez
tem um "período róseo" associei essa sua composição a uma outra
intitulada "Como uma Rosa Aberta":
"Uma flor
na boca
de sangue puro
como uma rosa aberta
Um hematoma
de corpo (puro)
como uma rosa aberta
Um sofrimento (e gozo)
de amor cristal
uma rosa aberta".
… um poema
intencionalmente minúsculo, abrangendo uma larga faixa semântica e
simbólica. Toda rosa não É apenas sua nem minha; É de todos. Esta
universalidade da rosa É que talvez a faz rainha com a coroa da sua
corola quando aberta. Tanta coisa se tem dito sobre a rosa,
inclusive no epitáfio de Rilke ("volúpia de não dormir com as suas
pálpebras inumeráveis"), mas o seu "Como uma Rosa Aberta", mais ao
alcance de todos, desperta comparações e imagens inéditas no seu
"florir demais" de rosa já aberta. Seja um "hematoma de corpo" ou
"um sofrimento de amor".
O caso É que você
faz das imagens que suscita uma rosa diferente daquela que outros
poetas têm inventado; e merece, já por esse motivo, menção
particular.
Das composições
maiores encantou-me "O Amor Antropófago" que começa assim:
"Comerei teu coração/ mas não sei o que
fará em mim o teu desejo/ se me deixará as marcas habituais do amor/
ou me levará para muito longe".
Você não precisará,
estou certo disso, do meu modesto juízo crítico. Antonio Olinto, que
muito entende de poesia, já disse tudo o que, sob esse aspecto, eu
poderia ressaltar.
Para concluir quero
felicitá-lo pela "A Matéria do Sonho" e reafirmar-lhe a minha
amizade e admiração.
Leia obra poética de Álvaro Pacheco
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