Donizete Galvão
O poeta em
pânico
"Quem me ouvirá?
Quem me verá?
Quem me há de tocar?"
(Murilo Mendes, A poesia em pânico)
Escrever poesia
no Brasil é viver em claustrofobia. O poeta respira um ar rarefeito.
Tudo se fecha a sua volta: ele está em pânico. Habita uma espécie de
limbo, zona fantasma, onde nada do que produz encontra eco ou
ressonância. Como no poema de Murilo Mendes, pode dizer "vivi entre
os homens/ que não me viram, não me ouviram / Nem me consolaram".
Convertido numa
espécie de alquimista, cumprindo a profecia de Giulio Argan, investe
em uma busca que, todos sabem, resultará em fracasso.
O poeta
insiste: quer ganhar visibilidade. Quer chegar até as estantes das
livrarias e das bibliotecas. Quer ser lido, comentado pelos seus
pares e pela crítica. Extenuado pela tensão quase insuportável de
construir uma obra, deve converter-se também em seu próprio agente
literário, assessor de imprensa, e distribuidor, sem ter o menor
jeito para estas tarefas. A que situações ridículas tem de
submeter-se, para ver seu livro editado, aquele que não é
multimídia, ídolo pop ou instant celebrity.
Deve criar uma
carapaça anti-rejeição e fazer como Sylvia Plath, que enviou 45
contos à revista Seventeen antes de ter um deles aceito? Os
editores, com as raras exceções dos apaixonados pela poesia, fogem
dos autores como se estes tivessem sarna. Devolvem originais em
cartas padronizadas com a indefectível "nossa programação já está
completa". E deve estar mesmo, para os próximos 10 anos. Claro que
para o livro do cantor de rock, para os poemas eróticos de uma
estrela de TV ou para crônicas requentadas de colunistas dos grandes
jornais há sempre uma grande flexibilidade nesta rígida programação
editorial.
A pergunta
básica é: tem espaço garantido na mídia? Então, é só publicar.
Ou até mesmo
pode-se fabricar um escritor. Unanimemente, vai merecer páginas dos
cadernos de cultura, resenhas e até entrevista em talk show. Para os
demais, brande-se o espectro da falta de mercado. Como fica aquele
que trabalha apenas com literatura, não tem padrinhos nem cultiva
amigos nas editorias? Escreve um livro e cria um escândalo para que
a coisa ganhe o tão falado "gancho jornalístico"?
Quem escreve
poesia não está aspirando chegar à lista dos mais vendidos.
Viu,
entretanto, serem dissolvidos os raros espaços de que podia dispor.
Estes espaços
foram engolidos pela máquina promocional e pelo jornalismo de
release. Clips, comics, escândalos, moda e TV ocupam todas as
páginas.
O escritor sabe
que a discórdia entre poesia e mercado é profunda. Mas quer ser
tratado com um mínimo de dignidade.
Em uma época em
que todo mundo precisa ser bonito, rico, saudável e feliz e tudo
deve ser leve e divertido, que interesse pode despertar o espelho
perverso do poeta? Quem quer se ver como uma retorcida figura saída
de um quadro de Francis Bacon? Com a linguagem contaminada pela
publicidade, pelo entretenimento barato e pela psicologia de
auto-ajuda, a tentativa de devolver vigor, intensidade e frescor à
língua soa hermética e gera mal-estar.
A poesia, além
de inútil, é também indesejada.
O poeta,
entretanto, insiste em escrever seus poemas. Não lhe resta outra
alternativa. Poderia buscar o suicídio, a santidade, o vício: estas
"outras tantas formas da falta de talento" de que falou Cioran. Está
preso a uma obsessão nunca sublimada. Quer, através da língua,
assegurar a permanência enquanto tudo se desfaz. Pouco importam os
mecanismos que o movem: exibicionismo, narcisismo, paranóia,
depressão. Usa de artifícios, filtra e depura para transformar o
desprezo, a humilhação e a decomposição do corpo e da mente em
matéria poética. Pois, como disse Borges,"meus instrumentos de
trabalho são a humilhação e a angústia". Entre tantos indiferentes
deve haver uns poucos que, como na brilhante defesa da poesia feita
por Octavio Paz, terão ouvidos para essa outra voz.
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