Dimitri Ganzelevitch
Entrevista com Luís Antônio
Cajazeira Ramos
Dimitri Ganzelevitch — Luís Antonio,
você era praticamente desconhecido até novembro de 1996, quando
lançou seu livro “Fiat breu”. Conte como foi “parir” esse livro.
Luís Antônio — Éramos mutuamente
desconhecidos, o meio literário baiano e eu. A formação elitista em
escolas militares e a personalidade auto-suficiente ao extremo
dirigiram meu interesse literário a poucos autores consagrados; e
não chego a lembrar de experiências culturais participativas ou
compartilhadas na infância e na juventude. Aliás, fazer poesia
começou na primeira metade dos anos 80 e quase acabou abruptamente
em 84, quando queimei tudo numa manhã nublada. Depois disso, um ou
outro poema episódico ou casual, dez anos de versos bissextos.
Jacto-me poeta so-mente a partir de junho de 95, desde que danei a
fazer poemas entre uma respiração e outra. “Fiat breu” surgiu entre
junho e setembro daquele ano, quatro meses de produção compulsiva.
Foi um parto tardio e célere, com todas as dores e inesquecivelmente
indolor.
DG — O lançamento do “Fiat breu”
aconteceu no Museu de Arte Sacra. Obteve um êxito poucas vezes visto
no difícil mundo da poesia baiana. Por quê?
LA — Para um maníaco que sabe ser
persistente quando quer, é fácil e prazeroso reunir uma pequena
parte das grandes famílias paterna e materna, colegas do Colégio, da
Engenharia Elétrica, da Agronomia, da Educação Física, do Direito,
da Receita Federal e do Banco Central, amigos de várias épocas e
matizes, uma boa quantidade de novas relações no meio cultural
travadas ao longo do ano de 96, tudo temperado com uma meticulosa
divulgação nos jornais, com resenhas, fotos, entrevistas. Sou um
excelente organizador de festas, quando estou empolgado. Passo da
reserva para as escâncaras, da atitude distante para a intimidade,
num átimo. Nessas horas, tenho o otimismo dos santos e a paciência
dos chatos.
DG — Quais foram as conseqüências, nos
meios literários locais?
LA — As melhores, tanto a nível local
quanto nacional. Por ter sido uma edição de autor, eu dispunha do
livro para ampla divulgação. Mandei exemplares para todo o País. A
intelectualidade brasileira tomou conhecimento do livro, e boa parte
dela expressou admiração. Fui elogiado até na imprensa de Portugal.
Recebi mais de uma centena de cartas. Ganhei dezenas de livros. De
1996 para cá, passei a conhecer melhor a produção poética atual e
fiz amigos na literatura.
DG — É sempre ingrato para um autor
descrever seu trabalho. Tente.
LA — Minha poesia é formalmente
comportada. Deixo a inovação formal para os formalistas. Meu
desprendimento formal é tanto que me satisfaço em fazer muito mais
sonetos do que outra forma poemática qualquer. Amo o soneto. Por
outro lado, não tenho um tema especial. Não tenho pudores temáticos.
Meu universo temático é muito amplo. A linguagem que uso, no
entanto, é pura contemporaneidade. Talvez seja essa a marca de minha
poesia: não é preocupada com a forma, nem com a temática, mas com a
linguagem. É uma poesia com uma linguagem própria. Busco a linguagem
exata das sensações inexatas, a linguagem direta nas sugestões
indiretas, a linguagem precisa para os sentimentos imprecisos, a
linguagem em que cada um se entenda onde todos não se entendem.
Busco a linguagem atual de todos os tempos. Dessa forma, com rigor e
autenticidade, faço uma poesia personalíssima, como sempre deve ser
a verdadeira poesia.
DG — Quais são suas características
positivas? E as negativas?
LA — Ah, características negativas sei
que as tenho, e muitas, e graves. Uma multidão delas se esparrama a
olhos vistos em meus textos. Mas, ai de mim, confesso-lhe a grande
culpa que me envergonha: por mais que me esforce, não consigo
identificá-las. E minha característica positiva é exatamente esta: a
permanente e incansável tentativa de flagrar-me. Onde erro?
DG — Você está começando a edição de um
segundo livro. Não acha prematuro? Não receia tropeçar em possíveis
redundâncias?
LA — Não há redundância em poesia, a
não ser a redundância dos epígonos. Não depende de o autor denominar
seu texto de poema para que se o transforme em poesia. Ou é poesia
ou não é, não há meio-termo. E a poesia é no seu todo uma
redundância do que vem a ser poético. Aquele que pode ser chamado de
poeta é uma redundância ambulante. Redundei um poema após outro em
quatro meses e fiz o “Fiat breu”. Mais cinco meses, até fevereiro de
96, eis um segundo livro, pronto antes de editado o primeiro. De
março de 96 para cá, diminuí o ritmo e venho trabalhando um terceiro
livro. Todos os três muito diferentes e tão redundantes. O tema da
redundância é muito interessante para agrupar poetas em escolas
temporais ou de estilo. O importante para o autor é construir um
estilo próprio. Pois saiba que, mergulhado na redundância, meu
segundo trabalho surpreende a quem o lê. Talvez seja a mágica da
redundância criativa . . .
DG — Você recebeu uma menção honrosa no
Prêmio Cruz e Sousa. Em que você acha que esse prêmio vai lhe
ajudar, além da satisfação do trabalho recompensado?
LA — Complementando a resposta
anterior, fui finalista do Cruz e Sousa justamente com o segundo
livro, ainda inédito. Não ganhei nenhum dinheiro, que ficou tão-só
para o primeiro colocado, mas os ganhos já se fazem notar. O público
que lê poesia contemporânea é muitíssimo pequeno, e esse público
tomou conhecimento da premiação. A notícia do prêmio e a entrevista
com Kátia Borges no Caderno 2 do jornal A Tarde alcançaram parentes,
vizinhos, amigos, colegas. Fui parabenizado pelo dono da padaria,
pelo rapaz da locadora de vídeo, pelo segurança da repartição, pelo
amigo que não via há muito. Pediram-me um livro da edição já
esgotada. Que-rem poemas para recitar num evento. Querem poemas para
publicar no suplemento cultural. Você quis me entrevistar. E por aí
vai.
DG — Para não levantar
susceptibilidades locais, quais são, fora da Bahia, os poetas que
você destacaria atualmente?
LA — As susceptibilidades dos poetas
estão todas levantadas todo o tempo, não tenho como levantá-las. Não
tenho força para tamanha empreitada. Minhas referências não são
importantes a ponto de causar transtornos. Em todo caso, creio que
devo, e que todos devem, citar poucos nomes, para soar como
exemplos. As listas longas têm aparência de enumerações exaustivas,
correndo-se o risco de graves omissões. O cearense Soares Feitosa e
o carioca Alexei Bueno são poetas. Susceptivelmente insusceptível,
digo que Ruy Espinheira Filho, Florisvaldo Mattos e João Carlos
Teixeira Gomes, dentre outros baianos, são poetas. Recentemente,
montei um terceto utilizando o verso que talvez mais gosto da obra
de Ruy, de Flori e de Joca. Veja-ouça e me diga se não ficou
belíssimo:
Então, em maio, um Anjo incendiou-me,
como ovelha de luz ou como fonte,
porque é aquém do céu que esplende o sonho.
DG — Como você concilia a imagem
tradicional do poeta iluminado com seu emprego no Banco Central, seu
passado de atleta e sua dependência ao ar-condicionado e ao celular?
LA — O Banco é apenas ganha-pão. Passei
muito tempo na Universidade, comecei a trabalhar tarde, não quero
ser empresário ou profissional liberal, fiz concurso público, talvez
faça concurso na área jurídica, não dá pra viver de poesia, vou
levando. Atleta nunca fui, mas professor de educação física,
exclusivamente em curso universitário. O poeta é um iluminado mesmo,
pois é muito difícil escrever no escuro. Se não é a luz natural, é a
lâmpada elétrica. No calor, de que não gosto, ligo o ar-condicionado
do quarto, do carro, da sala de trabalho. Por maior que seja o frio,
minhas mãos permanecem quentes. Sempre com o celular em stand by,
louco que alguém ligue para mim. Adoro isso. Antena do mundo, o
poeta? Só se for com um celular do lado. Mas, a bem da verdade, sou
um desantenado, um desligado, na minha, bem, bem, bem na minha.
Leia a obra de Luís Antonio Cajazeira Ramos
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