Eduardo Diatahy B. de Menezes
O
parricídio malogrado ou
a doença infantil do
direitismo literário
(A propósito de Polígono das Secas, de Diogo Mainardi)
RESUMO: O propósito fundamental desta comunicação
reside no exame crítico e tanto quanto possível radical do livro
Polígono das Secas, de Diogo Mainardi, publicado pela Companhia das
Letras em 1995, e que se autodesigna como romance. O panfleto ou
opúsculo traz ilustrações do próprio autor: posto sejam razoáveis,
não passam de uma imitação menor das ilustrações das obras de
Guimarães Rosas editadas pela José Olympio. Mesmo assim se
distinguem do bestialógio geral da obrinha. Na sua estrutura
narrativa fragmentada e repetitiva, pretende o livro encerrar
definitivamente com a chamada tradição regionalista de nossa
literatura. O intento redunda num parricídio malogrado, pois o texto
esquálido sob todos os pontos de vista passa longe do alvo, embora
possa servir de campanha publicitária do autor.
Que razões, aí compreendidas as
inconscientes, levariam alguém a escrever livro tão inútil e
pacóvio, e ao mesmo tempo mostrar-se progressiva e arrogantemente
contente com ele, como se tivesse produzido obra de excepcional
lavor? Que motivações impulsionariam um jovem escritor à pretensão
de, num livro desvalioso, indigente e excessivamente monótono,
destruir toda a literatura regionalista e sertaneja, pela degradação
e a caricatura de gosto duvidoso?
Ora, o autor investiu nisso seu tempo
e energia, sua pulsão criativa, elaborou ele mesmo as ilustrações,
provavelmente antecipou conseqüências nefastas de suas tolas
estocadas, assim como deve ter padecido os dilaceramentos próprios
da feitura de toda obra que se defronta com contradições, ou pode
ter fruído secretamente os recônditos prazeres de pervertidas
razões. Embora tais reflexões sobre motivações ocultas possam ser
fecundas e legítimas, não pretendo caminhar por esse território
escorregadio do indizível ou inconfesso.
Por outro lado, que me moveu a
despender o meu tempo para enfrentar a crítica deste livro? Penso
que esse desejo nasceu de uma curiosidade interessada e de uma
decepção irritada. A curiosidade surgiu quando li a acolhida de um
Ivan Lessa que dizia ser o livro «a mais sutil subversão do sertão
em meio século», ou de um Paulo Francis que sustentava: «É
impossível ignorá-lo. O livro é um lampejo de aço contra os pudores
do regionalismo piedoso e empático. É esta palavra abusada:
revolucionário.» Tais encômios provocativos aguçaram o meu desejo de
lê-lo ao mesmo tempo que a realização de tal imprudência provocou em
mim o sentimento de ter sido fraudado, daí provindo irritada
decepção que me trouxe novo desejo sob a forma do compromisso
interior de escrever algo a seu respeito.
Mas valerá a pena esse esforço? Sou
tentado a dar resposta dubitativamente afirmativa a essa questão,
embora reconheça que pelo menos num ponto Paulo Francis tem razão
quando afirma ser possível recusar o que o autor escreve, mas não
ignorá-lo. Assim, conforme assinalei no resumo em epígrafe, é minha
intenção examiná-lo aqui para exprimir minha crítica contundente às
suas inconsistências, visto que isso proporcionará ocasião para uma
reflexão final a respeito de questões correlatas suscitadas pela
existência de obras do gênero. Como quer que seja, o livro está aí,
pertence doravante àquilo que Karl Popper chama de “terceiro mundo”
Todavia, penso que o tempo, melhor do que o meu trabalho,
encarregar-se-á de levar este livro para a lixeira da História
literária.
Para desempenhar o meu intento com
honestidade e maior rigor, eu me submeti a experiência de ler este
livro mais de uma vez. Isso não é tarefa fácil, pois a obra é
demasiadamente aborrecida e exige enorme espírito de sacrifício.
Nenhum leitor normal, a não ser por dever de ofício ou por espírito
missionário, suportaria tal aventura e desperdício. Ao concluí-la da
primeira vez não pude evitar o desejo de parodiar o verso final do
poema «Cidadezinha Qualquer» de Carlos Drummond de Andrade:
“Eta história besta, meu Deus!”
Não é fácil produzir um resumo desta
obra porque não há narrativa a resumir ou apresentar. Não existe
quase nenhuma articulação narrativa entre os capítulos e sequer
existe verdadeiramente narrativa ficcional. Não há propriamente um
tempo existencial e muito menos uma duração histórica. Mero processo
cumulativo de um painel fragmentário, o livro é constituído de
aborrecida litania em que as mesmas bobagens, os mesmos recursos, os
mesmos pretextos são irritantemente repetidos, ou seja, ele é uma
espécie de simulacro de ficção, sorte de monorrelato que se refaz a
cada capítulo, com pequenas variações de nomes, lugares e situações.
O autor age como se fosse um jornalista pobre de espírito,
encarregado de realizar reportagens sobre episódios recorrentes que
se passam em inúmeras localidades do chamado Polígono das Secas.
Sumariamente: cada vez que um coronel, um cangaceiro, um lavrador,
um vaqueiro, um jagunço, uma retirante ou outra figura qualquer do
gênero, por alguma circunstância circula por esse território, surge
um ser enigmático cuja aparência evoca o Antônio das Mortes de Deus
e o Diabo na Terra do Sol – embora o autor não explicite essa
analogia – e que se aproxima das vítimas para contaminá-las com um
“unto amarelado” de efeito mortal. Essa aparição, que me recuso a
reconhecer como personagem ou protagonista, é chamada de “untor” por
Mainardi, termo incorreto para untador, que ele considera como «o
verdadeiro protagonista desta história» (p.15). Na verdade, ele é o
duplo do autor, assim como os tipos da cultura sertaneja são meros
representantes metonímicos da literatura regionalista que o autor
pretende destruir com esta obrinha anêmica. Aliás, como o livro é
esquálido em todos os sentidos, o autor emprega o estratagema de
dividi-lo em quatro partes separadas por páginas contendo apenas a
indicação de cada uma delas, seguidas de outras com ilustrações, no
evidente intuito de aumentar-lhe o volume.
O seu esquema redundante ocupa a
maior parte do livro. Além disso, o fio de suas “reportagens” é a
toda hora entrecortado por intervenções do autor, para introduzir
explicações que são muito mais a expressão de seus preconceitos do
que esclarecimentos e, quando estes ocorrem, é que supõem congênita
estupidez do leitor. Todas as situações que pretendem pretextar a
intriga soam artificiosas e inverossímeis. Tudo parece mal arranjado
nesse monstrengo de pseudoficção e o autor demonstra comprazer-se
compulsivamente em descrições escatológicas e perversas dos
sofrimentos terminais das vítimas do untador, que ele qualifica de
venéfico, numa como inversão diabólica de benéfico, que é atributo
natural dos ungüentos, cuja função primordial é a cura.
Não há, propriamente, personagens no
livro, mas antes tipos e alegorias mal urdidos. O leitor conclui
penosamente o percurso da obra sem ficar povoado por esses tipos
teratológicos que não possuem na verdade nem rosto, nem caráter, nem
perfil coerente, nem densidade existencial, e são designados pelos
nomes de cidades da região. São esses nomes que em geral intitulam
os capítulos, exceto naqueles em que o autor quebra o fluxo do
monorrelato para introduzir chaves que explicitem a significação dos
demais, conforme ocorre no último capítulo da segunda parte com
relação aos nomes, e no derradeiro capítulo da terceira parte no que
concerne à bibliografia de suas fontes. Portanto, é absolutamente
espantoso que, nas suas inúmeras intervenções no texto, o autor
qualifique de “romance” essa perversa e mal construída paródia
rapsódica.
Entremos um pouco mais na textura da
obra. No conjunto, o seu discurso supõe que o autor ocupa um locus
epistêmico que é ao mesmo tempo o padrão da racionalidade, da
eticidade, da cultura e da estética. Desse lugar privilegiado ele
constrói arrogante e presunçoso as vozes e situações com que
pretende julgar e destruir simbolicamente a literatura regionalista
brasileira e de toda parte. Como seria cansativo multiplicar os
abundantes exemplos de que está recheado o livro, procurarei
destacar apenas alguns poucos. Além disso, deixarei de lado os erros
de regência verbal e os deslizes factuais do seu conhecimento
precário da realidade que critica com sarcasmo e ironia. São erros
primários de que praticamente não escapa nenhum capítulo, assim como
são inverossímeis quase todas as situações. Que nos baste, nesse
sentido, os exemplos já do primeiro capítulo (pp. 11-13) em que ele,
parodiando João Cabral de Mello Neto, introduz o sertanejo Manoel
Vitorino, que está a caminho do cemitério, com o cadáver do filho
nos braços há mais de 36 horas, seguindo o “leito rachado (sic!) de
antigos rios”, e que ao escorregar agarra-se “a um ramo seco de
mandioca” (sic!) e leva um coice de bode , para enfim despencar numa
cratera de 8 metros de profundidade, sendo salvo do impacto pelo
corpo da criança (!): nesse isolamento, distrai-se a olhar “o
desenho das nuvens ou atirar pedregulhos dentro da boca entreaberta
do cadáver do filho” (sic!). É com tais perfis delirantes dos
sertanejos que o autor constrói sua indigente devastação da
literatura regionalista.
O capítulo seguinte é um autêntico
samba do crioulo doido. Ele começa pela frase solta: «A fonte é
Euclides da Cunha» (p. 14), para em seguida, comentando as relações
de parceria no criatório tradicional do gado, introduzir a figura do
vaqueiro Cristino Castro [bem mais adiante, à p. 89, o autor afirma
estar sua história em E. da Cunha], cujo patrão é o Senador Pompeu,
retratado como uma figura hedionda e sem compaixão, que perdoa os
adversários e pune gratuita e cruelmente seu fiel vaqueiro. Ora, é
óbvio que na sua ampla liberdade de criar na ordem do imaginário um
ficcionista pode seguir o rumo que quiser, mas no caso de uma
personagem que evoca alguém com existência histórica concreta
exige-se um mínimo de verossimilhança e de respeito pelo leitor
medianamente informado.
O autor explica no terceiro capítulo
que o untador dissemina seu ungüento pelo sertão, vagando com seu
jerico de cidade em cidade por todo o Polígono das Secas,
alastrando-se os cemitérios por onde ele passa. O efeito da
contaminação é retardado. Os habitantes das povoações nunca sabem a
quem atribuir o contágio e assim o ódio popular recai sobre os
doentes, que sofrem retaliações severas, e não é raro que sejam
violentados, queimados vivos ou roubados de todos os seus bens. O
objetivo do untador é infectar todas as sertanejas chamadas Catarina
Rosa, mas vai contaminando aqueles que encontra entre uma Catarina
Rosa e outra. Os infectados não correspondem a determinado perfil e,
como o untador sabe que é inútil orientar a ação de seu ungüento que
se difunde em cadeia, ele só pensa em disseminá-lo sobre os
sertanejos sem levar em conta qualquer outro fator (pp. 18-19).
Quando o leitor chega a esse ponto do livro e já começa a não
suportar os repetidos gestos do untador, as torturas que realiza
para obter confissões ou seus atos venéficos, bem como as descrições
escatológicas dos padecimentos de suas vítimas, não é difícil
perceber que esse ente patológico é metáfora e alegoria do
inconsciente nazista de certas camadas dominantes do país, que
gostariam de ver eliminada essa “raça inferior” de sertanejos
nordestinos.
Depois de mais alguns capítulos em
que situações falsamente urdidas vão repetindo incessantemente os
mesmos recursos dessa escritura monótona, o autor encerra a primeira
parte com um texto intitulado «1630», cuja intriga se passa em
Milão. Na verdade, em sua maldosa paródia rapsódica, ele insinua a
origem erudita de seu monorrelato narrando episódio que retira de
Alessandro Manzoni (1785-187), autor do célebre I Promessi Sposi,
seu mais famoso romance, que se refere aos anos 1628-1630, durante a
dominação espanhola da região milanesa, quando eclode um surto de
peste no decorrer do qual uma Caterina Rosa denuncia perante o
tribunal os agentes diabólicos que seriam os causadores da epidemia,
disseminando um tal unto amarelado feito a partir da saliva dos
empestados, etc. Mainardi descreve em minúcia os suplícios dos
condenados à morte: «...um carro de bois os conduz até o patíbulo.
Depois de serem pinçados com ferro fervente no local do delito...»
(p. 33). Por certo o leitor atento há de indagar-se como pode alguém
ser pinçado com ferro fervente, embora seja possível imaginar tal
operação com pinças em brasa. Como quer que seja, neste capítulo
intercalado ele de fato constrói o modelo que seguirá nos demais
capítulos, e o conclui com um didatismo ingênuo: «No que se refere à
presente história, revela-se a origem do untor que dissemina
epidemias pelo sertão – ele vinga seus predecessores milaneses...
Trata-se de uma metáfora sobre a literatura. Caterina Rosa está para
a justiça milanesa assim como os sertanejos estão para a literatura
regionalista.»(p. 34).
No primeiro capítulo da segunda
parte, em sua errância pelos sertões e já desprovido do unto
venéfico, o untador chega à cratera em que tombara Manoel Vitorino.
Com uma corda amarrada à cintura, eleva-o até a superfície, com o
cadáver do filho nos braços. E pergunta: - Peste? (p. 39). Manoel
Vitorino descreve então a dolorosa agonia do filho até seus
instantes finais, quando defeca os intestinos liqüefeitos. O untador
convencido das propriedades venéficas de sua saliva, indaga ao pai
se quer vender o seu cadáver. Aos soluços, este reluta em aceitar a
oferta, porém após contar e recontar o dinheiro, seca as lágrimas na
manga da camisa, descalça uma das botas e esconde a quantia inteira
lá dentro. Segue-se ainda a nefanda descrição do modo brutal como o
untador extrai a saliva infectada do cadáver, à qual mistura barrela
e esterco humano para fabricar novo provimento de unto amarelado.
Esse episódio inverossímil merece um reparo crítico, pois
dificilmente com sua religiosidade um sertanejo, que passou por
tantas agruras durante vários dias de caminhada à busca de sepultura
condigna para seu filho, deixaria de sentir-se gravemente ofendido
em seu orgulho e sua honra face a essa proposta imoral. Demais, um
pobre lavrador em tal situação de miséria jamais possuiria botas,
que além disso não faz parte de seus costumes.
O segundo capítulo traz outro
episódio do mesmo teor, quando Januário Cicco, jagunço do Senador
Pompeu, deve amputar ambas as pernas e um dos braços do vaqueiro
Cristino Castro, a mando do patrão. O autor mais uma vez compraz-se
na descrição pormenorizada da cena tétrica, quando Januário Cicco
amarra Cristino Castro de bruços sobre a via férrea para que o trem
execute a tarefa macabra. Acontece que, em virtude da seca, o
serviço ferroviário fora cancelado. Ambos permanecem imóveis em seus
lugares durante meses. À medida que a espera se prolonga, a relação
entre eles se estreita: o jagunço narra a história de seus crimes e
o vaqueiro escuta-o atentamente. Em fins de maio do ano seguinte,
uma locomotiva desponta ao longe. Nesse momento, o autor acrescenta
o comentário: «Aqui entram em conflito dois importantes elementos da
tradição sertaneja: a) a força regeneradora dos sentimentos
fraternos; e b) o mito do jagunço obstinado que jamais desiste de
uma missão. No caso..., prevalece o segundo elemento.» (p.44)
Cristino faz apelos desesperados, mas Januário com lágrimas nos
olhos assiste à amputação de seus membros. Antes de partir, promete
a Cristino que o responsável por seu sofrimento não ficará impune,
pois daquele momento em diante a sua única missão será vingar-se do
untador que infectara a perna do Senador Pompeu. Ora, eis aí um caso
típico de inversão diabólica. Há aqui também uma metáfora da pulsão
inconsciente do próprio autor que, ao invés de condenar os
verdadeiros responsáveis pela miséria física e moral dos sertanejos,
inventa um exterminador para eliminá-los e para destruir suas
tradições. Demais, quem possuir um mínimo de conhecimento da imensa
riqueza humana e da vasta sabedoria do universo sertanejo não pode
deixar de registrar a leviana presunção corrosiva de Mainardi.
Nos capítulos seguintes, perdura o
recorrente estilo do autor que, para justificar seu indigente
horizonte ideológico, vai produzindo pequenas narrativas
absolutamente monótonas e sem imaginação, com episódios insólitos,
caricaturais e pouco plausíveis; paródias ironicamente sarcásticas
do romanceiro do Boi dos folhetos populares, etc. Face a isso, o
autor ajunta este esclarecimento perfeitamente inútil a esta altura:
«O objetivo do untor é contaminar as tradições sertanejas, quaisquer
que sejam.» (p. 52).
Numa alusão não explícita à Medéia,
de Eurípedes, o penúltimo capítulo da segunda parte mostra Catarina
Rosa abandonada pelo marido que fugiu pelo sertão com outra mulher
(pp. 57-59): para eliminar recordações do marido, ela enche uma
bacia de água a fim de afogar os 4 filhos pequenos. Escapa a última
criança porque ela desmaia durante o ato de mergulhar sua cabeça na
bacia de água. Mais uma vez o autor propõe situação insólita como
pretexto para suas intervenções preconceituosas. Assim, aquele único
filho que resta a Catarina Rosa, portador de seqüelas mentais, será
mais tarde sua esperança de proteção quando, ao retornar, o marido
fracassa no intento de reconciliação, passando a surrá-la e
violentá-la continuamente. Até que um dia o filho, «despertando de
sua idiotia sonolenta, ergue-se sobre as pernas tortas e atrofiadas
e, com uma faca na mão, ensaia os primeiros passos na vida» (p. 58)
como uma espécie de Augusto Matraga debilóide que desafia o pai para
um duelo. Aqui o autor ajunta o seu comentário: «Não são raras as
histórias sertanejas em que um indivíduo humilhado e combalido
redime-se demonstrando uma força até então desconhecida. [Aquele
filho] nobilita uma existência inútil e parasitária com um
improvisado ato de heroísmo.» O autor assinala que nisso ele
representa duas crenças do sertão (que ele designa equivocadamente
como “dois dos [seus] principais mitos”): a) o homem traz em si o
poder de superar qualquer dificuldade; e b) não há um só evento que
não seja ditado pelo destino. Para enfim acrescentar: «Acontece que
as esperanças de Catarina Rosa [a saber: o menino sobrevivera por
milagre porque seu destino era salvá-la] não duram mais do que
alguns segundos. O duelo termina com a morte imediata do filho,
esfaqueado pelo pai, cancelando a reconfortante idéia de que o
destino reservara-lhe, afinal, uma função. O seu sacrifício parece
ainda mais supérfluo devido ao fato de que, no dia seguinte, o
casebre de Catarina Rosa amanhece todo besuntado pelo untor» (p. 59
– o grifo é meu). Sempre o mesmo esquema recorrente: para realizar a
impiedosa “destruição” das tradições sertanejas, ele as retrata em
situações tolas e sem imaginação.
Em capítulo da terceira parte,
contendo referência explícita a Graciliano Ramos, o autor faz
comentários absolutamente banais. Aliás, nos textos intercalados,
ele formula apreciações que demonstram com expressividade a
presunção e certa indigência de quem suspeita que o leitor não
alcança a significação simbólica de suas metáforas e alegorias, por
isso vem em seu socorro com achegas tolas e banais: «A injustiça dos
governos locais é um dos temas recorrentes da literatura
regionalista, diz ele. Desde o início deste romance, o untor destrói
os temas recorrentes do universo sertanejo. Não há por que poupar
este último [em que entra Graciliano].» (p. 73).
Para não mais alongar a exposição desses exemplos excessivamente
redundantes, concluo comentando os dois textos finais da 2ª e da 3ª
parte, respectivamente, a que já fiz menção no início deste
trabalho, porque eles são significativos como expressão do
pensamento de Mainardi com relação ao Nordeste e não só à sua
literatura regionalista. Assim, face à sua importância negativa,
eles merecem consideração mais demorada. Sublinhe-se ainda o fato de
em todo o livro - conforme já assinalei em nota de pé de página -
ele jamais referir-se à literatura regionalista de outras regiões, o
que significa dizer que o móvel dissimulado de seu vesgo combate é
atacar a área do sertão nordestino e a literatura que sobre ela se
produziu.
No primeiro desses dois capítulos, que aparece no meio do livro, ao
explicar a origem dos nomes que escolheu para designar os tipos da
sua insossa narrativa, ele começa com este primor de declaração:
«Os nomes dos diversos
personagens deste romance não são fruto da imaginação do autor.
Manoel Vitorino é o nome de uma cidade no sul da Bahia, nos
arredores de Jequié. Cristino Castro, uma cidade no Piauí, assim
como Demerval Lobão. A cidade de Januário Cicco fica no Rio Grande
do Norte. Piquet Carneiro encontra-se no Estado do Ceará.
Os demais personagens
do romance obedecem à mesma regra onomástica – seus nomes
inspiram-se em diferentes cidades do sertão, situadas rigorosamente
dentro do perímetro do Polígono das Secas. É o caso de Senador
Pompeu, Elesbão Veloso,..., Delmiro Gouveia,...
Personagens da história sertaneja
transformam-se em nomes de cidades. Agora os nomes de cidades são
atribuídos a personagens de ficção. A certa altura, o autor deste
romance pensou em indagar sobre a real identidade de cada um desses
personagens históricos. Durante a pesquisa, não conseguiu encontrar
praticamente nenhuma informação que lhes dissesse respeito. ... eles
não são mencionados em livros de história ou de genealogia,
enciclopédias ou dicionários biográficos.» (pp. 60-61 – o grifo é
meu).
Estranhíssima afirmação! Ao
invés de confessar o seu desprezo e a sua ignorância, ele prefere
acusar a realidade que pretende destruir de possuir cidades
designadas com o nome de “obscuras celebridades locais”. E, ao
referir-se a tal Caterina Rosa, ainda acrescenta com certa candura
cínica: «A intenção do autor ao associar esse infausto personagem
histórico italiano à tradição sertaneja é criar um paralelo entre os
efeitos desastrosos de suas crendices... Do mesmo modo que a justiça
milanesa deturpou-se ao conferir poder de palavra a Caterina Rosa,
homologando seu furor persecutório, a literatura regionalista
deturpou-se conferindo esse poder ao sertanejo..., apropriando-se de
sua linguagem e de suas idéias, acolhendo no universo intelectual o
cretinismo endêmico de sua cultura. (...) Ao incorporar a cultura
sertaneja, a literatura regionalista acaba sendo contaminada por seu
obscurantismo.» (pp. 61-62, grifado por mim). Seguindo-se mais uma
página inteira de declarações do mesmo quilate, para concluir num
delírio megalômano: «A esta altura, o autor do romance alarga
desmesuradamente a metáfora. A sua missão já não é destruir a
literatura regionalista, mas toda a literatura deste século.»
(idem).
O segundo dos capítulos explicativos,
Mainardi o inicia com esta justificativa boba: «O autor deste
romance intervém novamente; no caso, com a bibliografia. A
intervenção pode desagradar o leitor, mas o autor não se incomoda. O
romance é dele – tem o direito de intervir como bem entende.» (p.
88). Em seguida, afirma considerar que «toda a literatura sertaneja
pode ser resumida a seis ou sete títulos. Os outros não acrescentam
nada... Na verdade, o autor consultou muito mais livros do que seria
necessário. Livros que pretende eliminar de sua biblioteca..., que
pretende queimar.» (idem). Por certo, o leitor prudente pode tomar
essa opinião como conselho e proceder igualmente com relação a este
“romance” indigesto com que foi ludibriado. Não obstante, Mainardi
ainda acrescenta: «O fato é que a literatura regionalista não tem
mais do que um punhado de temas, repetidos incessantemente por seus
autores.»(idem, o grifo é meu). Ora, o autor não faz outra coisa
aqui e monotonamente!
Num parágrafo seguinte, ele exprime
toda a extensão de seu preconceito e de sua ignorância em relação ao
imaginário popular do sertão: «Ao incorporar os elementos da cultura
sertaneja, a literatura regionalista atribui ao homem comum o poder
de interpretar a realidade, conferindo uma dimensão alegórica às
suas atividades cotidianas, mitificando-lhe a mentalidade vulgar, de
sua linguagem às suas crendices, como se séculos de obscurantismo
tivessem gerado um maior grau de compreensão do mundo.» (idem –
grifado por mim). Espanta-me constatar que há muito tempo não via um
representante da tradição letrada brasileira exprimir de modo tão
nítido seu grau de incompreensão em relação à diferença de
mentalidade. Nesse sentido, não seria demasiado aconselhar o autor a
iniciar o seu catecumenato lendo O Pensamento Selvagem de
Lévi-Strauss e depois o belo livro de Clifford Geertz: Local
Knowledge – Further Essays in Interpretative Anthropology, sobretudo
no seu capítulo «O senso comum como sistema cultural», ou enfim o
livro de Jack Goody: The Domestication of the Savage Mind. Se de
todo essa dose lhe parecer mais indigesta que seu raquítico
“romance”, o autor poderá desasnar sua mentalidade iniciando pela
leitura de Viva o Povo Brasileiro de João Ubaldo Ribeiro.
Seguem-se vários comentários
dogmáticos do mesmo nível e à volta do seu monotema. São jóias
literárias do florilégio que compõe o seu bestialógio: «... as
crendices do homem comum... [como] a crendice consolatória de que a
vida tem um valor absoluto, de que a mais mísera das vidas vale
tanto quanto qualquer outra. A idéia é socialmente sensata, mas não
tem validade literária. Na literatura, a vida insignificante precisa
morrer... O obstinado jagunço Januário Cicco é tirado de João
Guimarães Rosa. Destrói a crendice de que os sertanejos podem
encontrar uma missão que preencha suas vidas. Não é o que acontece.
Os sertanejos são condenados a viver sem um motivo. É esta a
mensagem que a verdadeira literatura precisa dar... Os sertanejos
não podem ser levados a acreditar que a noção de certo ou errado,
justo ou injusto, está[sic!] a seu alcance... De acordo com a
audaciosa tese do autor, não se trata de verdadeira literatura [os
títulos e autores que arrola]. A verdadeira literatura demonstra que
o sertanejo não sabe nada, não muda nada, não aprende nada, não
entende nada, não vale nada.» (pp. 89-90 – grifado por mim).
Prolonguei a citação até esta última sentença porque ela se ajusta à
maravilha ao próprio autor e para que fique manifesta a sua
recorrente indigência de espírito.
Ele encerra o livro com mais um
capítulo explicativo intitulado «Conclusão», onde repete
incansavelmente as mesmices dos demais. E chega a confessar que não
se entregou ao esforço de conhecer diretamente o Nordeste além dos
materiais utilizados: «Na realidade, o autor deste romance é tão
categórico em suas convicções que nem mesmo se deu ao trabalho de
visitar o sertão. O sertão literário é mais importante que o sertão
real. Assim sendo, suas únicas fontes de referência são livros e
mapas.» (p. 116). O mais estranho nisso tudo é que sua obrinha é
pretensa e insistentemente categorizada como romance, e com ela ousa
destruir toda a literatura que chama pejorativamente de sertaneja.
Eis que ele ainda acrescenta: «No grandioso projeto do autor,
destruir a literatura regionalista corresponde a destruir a
literatura universal.» (p. 117). No seu delírio, o autor não percebe
que tal projeto é grande demais para a sua minúscula mediocridade!
Efetivamente, trata-se do caso mais
típico de um adolescente que, para afirmar-se como vanguardeiro,
malogra, por falta de talento, na passagem ao ato de sua pulsão
parricida.
Antes de concluir, para ser coerente
comigo mesmo na medida em que busquei demonstrar a pouca ou nenhuma
validade desse opúsculo que se pretende inovador por sua “escritura
pós-moderna” [sic!], deveria indagar-me por que decidi perder meu
tempo nesse esforço. A primeira razão disso reside no sentimento de
frustração e fraude que me deixou sua leitura. Mas sobretudo penso
que inquietou-me não o texto em si, mas o que ele representa no jogo
de forças que estruturam o campo intelectual no Brasil e em suas
clivagens regionais. Isso sim é nocivo e infecundo. E exige uma
reflexão adicional.
Para encerrar, gostaria de sugerir
alguns reparos paralelos sobre as relações entre literatura e
sociedade, a partir do questionamento suscitado por esse livro que
acabo de comentar sumariamente.
Na verdade, não quero me referir
agora às tradicionais discussões a respeito da função social do
fazer literário, de seu papel como documento ou reflexo da
sociedade, do nível de consciência social do autor, do caráter
ideológico dessa produção simbólica, do seu compromisso com o
momento histórico ou político, e demais questões do gênero. Não é
por esse ângulo que pretendo suscitar estas questões finais. Sobre
isso já existe vasto material acumulado e de bom nível. Mesmo se
invertermos o sentido da relação entre literatura e sociedade, de
modo a dar o primado àquela sobre esta, a saber, o fato de ser em
grande parte mediante o processo de construção e transfiguração
literária, o fato de ser pelo exercício da palavra ficcional ou
poética que a realidade se constrói para nós e se torna socialmente
relevante. Em suma, não desejo entrar nessa discussão e muito menos
com relação a essa obra menor e até insignificante.
O ângulo da questão que me interessa
aqui é outro. Posto que não se confunda também com a fecunda
discussão que se tornou conhecida pelo nome de «estética da
recepção», mantém alguma relação com essa corrente. Não obstante, no
caso específico de um livro como esse de Mainardi, o que me provoca
a reflexão é sobretudo indagar acerca das razões que explicariam a
possibilidade de sua publicação, questionar a respeito dos
mecanismos subjacentes às condições sociais e políticas de sua
produção.
Como é possível que uma obra tão
inexpressiva consiga a atenção e o espaço de uma editora de
prestígio que conquistou respeito e admiração de faixas
significativas de público qualificado pelo alto critério de sua
programação editorial? Como justificar que críticos especializados e
bem conceituados formulem elogios que são evidentes hipérboles
imerecidas? Que alianças de grupos com acesso facilitado a recursos
que influenciam decisões, que relações de prestígio ou meras
amizades de outras esferas explicariam esse fato espantoso? Que
dispositivos de poder entrariam em jogo para levar a esse resultado?
Que distorções nas instâncias dominantes de consagração conduziriam
ao apoio que premia mediocridades desse teor? Até que ponto um livro
do gênero reforçaria outros propósitos inconfessáveis que não o seu
mais que duvidoso valor estético? E, no caso, operaria um
involuntário retorno do recalcado?
Evidentemente, esse questionamento
exigiria longos desdobramentos. Sem visar propriamente a isso que
excederia os limites do meu propósito inicial, reproduzo aqui, para
concluir, reflexões que fiz alhures.
Com efeito, o caso examinado e outros
muitos exemplos que ainda poderia mencionar suscitam a questão mais
geral das graves discriminações, do desdém ou do desconhecimento que
atuam no processo de avaliação e consagração a que estão sujeitos
produtos e produtores no campo dos bens simbólicos. Segundo que
critérios funcionam tais processos que pretendem estimar o valor das
obras, de períodos ou correntes estéticas?
Tudo leva a crer que aí também, no
universo da cultura, opera estranha e perversa Lei de Newton,
segundo a qual o reconhecimento e o mérito ou louvor se dão na razão
direta da semelhança entre os pares e na razão inversa do quadrado
das distâncias em relação aos tradicionais centros de consagração.
Estes, no nosso caso, encontram-se no polo situado entre Rio e São
Paulo, desde que para aí se deslocou a região motora que concentra
poder e forças econômicas dominantes de nosso sistema produtivo.
Historicamente, isso se deu grosso modo a partir de 1870, ponto de
inflexão de grandes transformações na paisagem socioeconômica do
país. É óbvio que já vinha de antes a função da Corte, no Império,
como centro polarizador de nosso universo cultural. Mas, é sobretudo
desde então que esse eixo se tornou a nossa principal instância de
consagração. E quem habitar distante daí, por mais talento que
possua, por melhores obras que produza, terá poucas chances de ver
seu mérito reconhecido, salvo se submeter-se aos rituais de
iniciação das confrarias que constituem a república dos sapientes:
reciprocar favores com os que detêm o poder no campo intelectual,
permutar elogios na liturgia das citações, celebrar alianças com
eventuais mandarins da área, mesmo em detrimento de antigas
lealdades; enfim, lograr publicar em editoras ou periódicos que eles
controlam e obter acesso aos meios de divulgação e publicidade, etc.
Sem isso, morre inédito ou esquecido, mesmo que sejam geniais os
seus manuscritos ou obras de outro gênero. Ou deverá consolar-se com
a pálida glória de obscuras edições de sua província; e morrer na,
quase sempre, vã esperança que um dia, por acaso, será redescoberto
como um Sousândrade ou um Oliveira Paiva.
Assim, por distorcida semântica é
“nacional” tudo aquilo que ocorra naqueles centros consagradores e é
“provinciano”, em sentido pejorativo, tudo quanto se produza fora
desse círculo privilegiado. Mas esse fato que estou procurando
caracterizar aqui não é privativo nem exclusivo do Brasil. Em geral,
países de alta centralização política e cultural, como a França, por
exemplo, padecem da mesma enfermidade, visto que Paris igualmente
fagocita e discrimina as demais províncias. E, em escala mais ampla,
o nosso mandarinato cultural também sofre amargamente por estar
distante e não ser reconhecido em Oxford, Berlim, New York, Paris ou
Londres.
Fortaleza, 12 de Junho de 1997
Notas:
1 São Paulo: Companhia das Letras, 1995, (118 p.), ilustrações do
autor.
2 Cf.: POPPER, Karl R.: Conocimiento Objetivo. Madrid: Editorial
Tecnos, 1974.
3 Assinalo que não tomo o termo aqui no sentido apocalíptico, mas em
sua outra acepção, isto é, no sentido de relativo a excrementos.
4 Mais uma vez assinalo: uso também esse termo na sua acepção
patológica.
5 Posto que sua desmesurada pretensão, explicitamente declarada,
seja atingir toda a literatura regionalista do mundo inteiro, o alvo
preconceituoso do autor centra-se na literatura do Nordeste
brasileiro ou que a ele se refere, visto que nada vem mencionado (ou
sequer se faz alusão) com respeito à rica literatura regionalista
gauchesca, à do Norte, à do Centro-Oeste, ou mesmo à de seu estado,
São Paulo.
6 Qualquer um sabe que leito de rio seco é arenoso e pedregoso;
leito lamacento de águas paradas, de lagoas, é que costuma rachar
com a seca. Por outro lado, é difícil imaginar um sertanejo numa
queda apoiar-se num ramo seco de um arbusto como a mandioca, e muito
menos ser atingido por um coice de bode!!! Mas enfim, para
arvorar-se em destruidor do imaginário literário do Sertão não
carece o autor de conhecimento da realidade, basta-lhe a sua mente
poderosa...
7 Cf.: SANSONE, Mario: Storia della Letteratura Italiana. Milano:
Giuseppe Principato, 1951, pp. 457-476.
8 Para não alongar os meus comentários, lembraria que, ao contrário
do que afirma o autor, qualquer enciclopédia razoável ou qualquer
dicionário biográfico traz informações sobre nomes como Manoel
Vitorino, Senador Pompeu, Delmiro Gouveia, etc. Só por má fé o autor
pode ignorar quem foi Manoel Vitorino (Bahia, 1853 – Rio, 1902):
proclamada a República, foi o primeiro presidente de seu Estado, por
solicitação do conselheiro Rui Barbosa; em 1892 foi feito senador na
vaga do conselheiro Saraiva e em 1º de março de 1894 foi elevado a
vice-presidente da República, no governo de Prudente de Morais,
passando a presidir o Senado Federal; assumiu a presidência em
novembro de 1896, por enfermidade de Prudente de Morais, nela
permanecendo até março de 1897; com o término do mandato, voltou à
medicina e ao jornalismo, colaborando em vários jornais do Rio de
Janeiro. Já o Senador Pompeu (Tomás Pompeu de Sousa Brasil – Ceará,
1818-1877), bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas pela Academia
do Recife e ordenado presbítero pelo Seminário de Olinda, foi
Deputado Geral pelo Ceará mais de uma vez, foi o primeiro diretor do
Liceu e da Instrução Pública do Ceará, a 9 de Janeiro de 1864 foi
escolhido Senador na vaga aberta pela morte de Miguel Fernandes
Vieira; patrono da cadeira n.º 36 da Academia Cearense de Letras,
atuou ativamente na imprensa e foi sócio – dentre outras
instituições – do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
[leia-se por exemplo o discurso sobre ele pronunciado por Joaquim
Manoel de Macedo na sessão magna dessa instituição em 15 de Dezembro
de 1877 e publicado no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro], do
Instituto Histórico da Bahia, do Instituto Arqueológico e Geográfico
Pernambucano, da Sociedade de Geografia de Paris, etc. deixando
dentre inúmeras obras o importante Ensaio Estatístico da Província
do Ceará (tomo I, 1863, 839 p., e tomo II, 1864, 330 p.). Enfim,
Delmiro Gouveia (Ipu, CE, 1863 – Pedra, AL., 1917), pioneiro da
industrialização nacional e da construção da hidrelétrica de Paulo
Afonso, de origem modesta, enriqueceu no comércio de peles,
dedicou-se a empreendimentos de vulto, tornando-se proprietário da
maior refinaria de açúcar da América do Sul; em 1903, transferiu-se
para Pedra (AL), povoado próximo ao rio São Francisco, utilizou
geradores elétricos para aproveitamento das águas do rio, construiu
uma fábrica de linha de coser, ao mesmo tempo que abria estradas e
construía alojamentos para os operários; apesar das pressões,
recusou-se a vender a fábrica a grupos econômicos estrangeiros, mas
morreu assassinado misteriosamente, sendo então vendida a empresa
àqueles grupos, que destruíram as máquinas. Mário de ANDRADE, numa
saborosa crônica de 1928, intitulada «O Grande Cearense», refere-se
a Delmiro com muita simpatia [Cf.: Os Filhos da Candinha. 3ª ed. São
Paulo: Martins / Brasília: INL, 1976, pp. 39-43].
Mainardi poderia percorrer a Enciclopédia Mirador Internacional, ou
consultar o dicionário do velho INOCÊNCIO, ou o Sacramento BLAKE:
Diccionario Bibliographico Brazileiro, Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1895; mas sobretudo talvez lhe servisse de abertura à sua
mente circular um passeio por O Turista Aprendiz de Mário de
ANDRADE, (São Paulo: Duas Cidades, 1983).
[Diatahy B. de Menezes, Prof. Titular do Dep. de
Ciências Sociais e Filosofia – UFC]
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