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Dimas Macedo

 

A partitura literária de Jorge Tufic

 

Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará -
Domingo 20 de setembro de 1998

 

Não é a força do poder didático que constrói a reputação de um poeta. É antes a originalidade e a persuasão da sua escritura literária os elementos que o tornam contemporâneo do futuro e de todas as escolas estéticas e tendências.

É nos subterrâneos da alma humana que se guarda a verdade do artista. É do seu recolhimento involuntário que ressurge a luz que o projeta na eternidade, que o faz pregoeiro da beleza e visionário da fraternidade e da esperança. Os prêmios, as honrarias, o assédio dos leitores e as quilométricas filas de autógrafos nada valem, nada dizem, nada revelam da gradne solidão que o poeta carrega.

Não existe a apregoada inspiração do artista. O que conta na existência de um poeta é a sua maneira clandestina de sentir, é o seu extraordinário senso de equilíbrio em face da decomposição social que o cerca. O poeta sente com os olhos, lê o ritual secreto das palavras, ouve as ruminações humanas e as transforma em música, acolhe o sopro do espírito e anuncia a canção do vento em meio às vozes do silêncio.

A tortura da forma e o engenho da sua simetria com o conteúdo, em qualquer poeta que se preza, é o sinal primeiro da sua grandeza e da sua aflição pessoal e particularíssima. E o caminho que o leva à morfologia é o mesmo que o conduz ao universo dos símbolos e à essência das coisas e dos seres. As vestes talares da palavra são tecidas pela estesia dos seus próprios escombros, que nada mais são que a experiência do homem e a fragmentação do seu imaginário.

Sinfonias, solfejos, apreensões multifárias da dor, signos e metáforas trabalhadas até a exaustão, contenção verbal e utilização reiterada de recursos plurais e alegóricos, entre outros achados estilísticos, formam como que a partitura existencial e a parábola poemática de Jorge Tufic, que se anuncia em tempo de maturidade e de magia estética com a insônia dos grilos, Fortaleza, Editora Gráfica LCR, 1998.

O que chama a atenção no novo livro de Jorge Tufic é a leveza da linguagem e o sortilégio e o ritmo da palavra ofertada em forma de desejo e de revelação. É a consciência crítica da função metafórica do poema e a assimilação da sua pulsão libertadora aquilo que Jorge Tufic persegue no seu novo conjunto de poemas. Melhor dizendo: é aquilo que ele realiza, pois é assim que ele se deixa plasmar enquanto catarse e agonia cósmica, enquanto mistério e explosão de uma aliciante voz interior.

No conjunto de poemas de A insônia dos grilos predomina uma harmoniosa melodia em surdina, a costurar os diversos fragmentos poéticos que o autor vai arquitetando. Uma música recortada de espantos e alucinações criativas, na qual se contempla e se desvela a paixão silenciosa de um maestro invisível, iluminando por uma intuição universal e profunda, na qual se alojam o amor e a resignação, a liberdade de sentir o mundo e de compartir a sua alteridade.

A poesia de Jorge Tufic, por isto mesmo, aspira a um registro do transcendente e do eterno, abrindo uma proposta nova no seio da arte literária de hoje, que se quer assim tão racional e cerebrina. Não lhe importa o poema elaborado. O que lhe diz respeito, preponderantemente, é o poema sentido, é o poema achado e medido a partir da sua ótica de apreensão do mundo e da sua verdade.

Sendo uma poética da solidão e da maturidade, a sua arte comporta também o interlúdio do indizível e do inefável, onde campeiam soltos os versos amazônicos e os escritos lavrados nos corredores da memória e da experiência, tudo isto ao lado de poemas celebrando mitos, lugares e pessoas, tais a poética urbana e as saudades de São Luiz e o modo de sonhar do poeta Nauro Machado. É no contorno dessas relembranças que Tufic vai organizando odes a alguns poetas modernos e recriando o rio da infância e o seu curso, às vezes com um jeito meio Severino ou Cabral, fustigando Lorca e o seu alazão andaluz, Manoel de Barros e a sua solidão pantanal.

Amazônico como Tufic. A insônia dos grilos é a fusão de diversos instantes, de inúmeras ancestralidades e a explosão de muitos parentescos. Visões, revisões, viagens. Recordações de becos, agendas e botecos. É como se o carrossel do sonho estivesse a embalar uma grande dor e a poeira dos seus fragmentos. É como se o livro todo fosse um atestado mesmo da lírica literária mais alta e da melhor poesia brasileira deste final de século.


Dimas Macedo
Da Academia Cearense de Letras
 

 

Jorge Tufic

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