Dimas Macedo
Os contos de Airton Monte
O contista
cearense Airton Monte, já não se pode ocultar a verdade, é um nome
que está a merecer um reparo por parte da crítica que presentemente
se pratica nos grandes centros culturais do país.
Apesar de a sua
estréia ter sido feita através de uma editora como a Moderna, de São
Paulo, e de seu primeiro livro ter tido distribuição nacional,
Airton Monte é um escritor que, enclausurado na Província, ainda não
teve a oportunidade de revelar-se por inteiro para um número mais
significativo de leitores. E, se o contrário de tudo ocorrer, com
isso muito lucrará a história da novíssima literatura brasileira,
que incorporará às suas páginas um contista que nada deixa a dever
aos melhores contistas brasileiros de sua geração.
Seus contos
revelam um engajamento humano quase que sem precedentes na nova
safra de contistas seus contemporâneos, são textos graves que
dissecam o cotidiano de marginalidade e penetram nos recônditos do
desespero e da tragédia dos perseguidos pelos fantasmas de uma
sociedade opressora.
Relatos
pungentes da odisséia dos drogados da vida, dos enlouquecidos e
abandonados, dos embriagados pelo absurdo existencial, os seus
contos refletem igualmente, por assim dizer, o sórdido e o patético
do estrangulado universo social que paulatinamente nos vem
resgatando.
Utilizando as
suas estórias como instrumento de denúncia, Airton Monte às vezes
transfigura o seu discurso para uma linguagem quase que
jornalística, desestabilizando a estrutura de alguns dos seu contos,
o que faz na maioria das vezes buscando alcançar estágios de
plenitude artesanal pelos quais tanto e tanto se debate.
Porém essa
mudança de técnica da construção textual em nada prejudica a
densidade dos seus relatos ficcionais, muito pelo contrário, ela
plastifica a ação dando-lhe a dimensão conteudística impossível às
vezes de ser arrumada dentro da forma fixa que permeia a técnica do
conto.
O que importa de
tudo, porém, é que Airton Monte demonstra conhecer os segredos da
problemática dos modernos métodos exigidos pela ficção que
contemporaneamente se pratica. Assim, naquilo que os seus contos
exibem de apreensão do real, de aprisionamento dos cortes do
cotidiano, é que Airton Monte demonstra possuir a consciência de que
o que realmente interessa ao ficcionista é produzir a sua ficção
independentemente do gênero em que a mesma possa vir a ser
enquadrada.
Estas anotações
ocorrem-me a propósito da leitura de Alba Sangüínea (1983),
exatamente o terceiro livro de contos que Airton Monte publica.
Anteriormente havia ele editado O Grande Pânico (São Paulo,
Editora Moderna, 1979), e Homem Não Chora (Fortaleza,
Secretaria de Cultura e Desporto, 1981), isto afora trabalhos seus
em outros gêneros literários, terrenos, aliás, onde não se realiza
com tanto desempenho como o experimentado pelo contista. Seus
poemas, por exemplo, são apelos para que o poeta transite de uma vez
por todas das lucubrações poéticas para a prosa de ficção ou, pelo
menos, provocações a uma opção conciliadora, no caso a experiência
teatral. E diga-se de passagem que Airton Monte já anda a anunciar
que o teatrólogo em breve entrará em cena, exibindo os estandartes
do seu Ritual.
Alba
Sanguínea é um livro que nos oferece uma leitura agradável, é
uma coletânea de contos que parece fazer transitar entre os seus
textos considerável equilíbrio, a par de uma unidade temática e
estilística já denunciada, porém não encontrada facilmente nos seus
livros anteriores.
Um livro que
segue as pegadas do que Airton Monte publicou anteriormente em
termos de contos. Antes, porém, é a confirmação da existência de um
contista plural, de um escritor consciente da importância da sua
militância cultural.
____________________
DN Cultura, Fortaleza, 02/10/1983.
DE LEITURA E
CONJUNTURA/1984
|