A
expressão da crítica literária cearense e a sua inserção na cultura
brasileira é uma das nossas tradições mais afortunadas. O
pioneirismo de Rocha Lima (1855-1878) e do seu clássico Crítica e
Literatura (São Luiz/MA, Typografia do Paiz, 1878) me
parecem exemplos que se bastam a remarcar essa tradição e essa
tenacidade, próprias da nossa inteligência criadora.
E
como se isso não bastasse, Araripe Júnior, ainda no século dezenove,
se encarregaria de dar à literatura brasileira o seu definitivo
estatuto no terreno da crítica. E bem assim os rumos que esse gênero
literário tomaria entre nós.
Depois, eu colocaria o papel relevante das Cartas Literárias
(Rio, 1895) de Adolfo Caminha, o engenho crítico e a argúcia
intelectiva de Frota Pessoa (Crítica e Polêmica, 1902), a
essencialidade do exercício crítico de Braga Montenegro, as
intuições estruturalistas de F. S. Nascimento e o recorte estético
de acento indiscutivelmente teórico que permeia a produção de Pedro
Paulo Montenegro.
A
chamada crítica literária de formação acadêmica tem no Ceará se
desenvolvido com algum desassombro. Lembro, aqui, os nomes de
Linhares Filho, Batista de Lima, Lemos Monteiro e Sânzio de Azevedo,
e ponho em destaque mais especificamente o nome deste último, que é,
como sabemos, o maior historiador da nossa literatura. E trago à
discussão também os nomes de alguns poetas que exerceram ou exercem,
entre nós, a crítica literária de uma forma mais acentuada. Aluisio
Medeiros, Francisco Carvalho e José Alcides Pinto entre esses nomes
a que me refiro.
Agora, quem aspira a inscrever-se nessa tradição afortunada, é a
escritora Giselda Medeiros, uma das mais argutas expressões da nossa
intelectualidade e do nosso tirocínio cultural e acadêmico. E aspira
a inscrever-se nessa tradição com a reunião, em livro, dos seus
artigos de crítica, escritos nos últimos seis anos (2005/1999) e
pulverizados em diversos veículos da imprensa e em espaços outros
onde se fez presente com a sua inteligência iluminada e a sua
sensibilidade indiscutivelmente criativa.
Giselda já firmou definitivamente o seu nome como poetisa e já se
revelou, de permeio, como uma das nossas contistas mais imaginosas.
Contista da condição humana e do imponderável, onde Eros e Tanatos
se abraçam. Poetisa também de escol, que paga tributo à lírica e à
arte literária de qualidade estética relevante. Crítica Reunida –
2005/1999 é o livro da sua diversidade e do seu engenho
sofisticado e mais ambicioso. Sei que falar em ambição, no caso de
Giselda, é agredir um pouco a sua sensibilidade e a sua leveza. Mas
a sua ambição literária se fez exatamente contra a sua vontade, e se
fez exatamente a partir da sua discussão e da sutilidade com que
dissemina no texto que elabora as marcas inconfundíveis do seu
tirocínio teórico.
Não
raro, nos seus textos, faz-se presente o sistema literário e o
contexto teórico em que insere o postulado das suas recensões, as
quais saltam aos olhos do leitor como testemunho da erudição da
autora. Não faz Giselda política de jornalismo literário
tão-somente. Mais do que isso, ela nos mostra o seu viés estético e
as suas linhas maiores de pesquisa em busca das formas supremas da
arte literária.
A
leitura para Giselda é um pretexto e não uma contingência aleatória.
E o texto de crítica que a autora elabora é mais que uma instância
comunicativa de acento verbal, pois nele se agrega igualmente um
valor e, não raro, um sentido filosófico e uma perspectiva
ontológica muito proveitosa. E esses traços, me parece, é tudo o que
remarca o seu estilo e a sua discussão, a sua engenharia lingüística
e a sua busca incessante de conhecimento.
Para Giselda Medeiros, a crítica literária é metacriação e não
apenas desvelamento e argúcia para com a intelecção do texto
literário. E dessa forma a autora nos vai revelando a poética da
crítica literária que empreende, isto é, faz da estética do seu
texto o pano de fundo das suas intenções e dos seus grandes acertos
no campo literário.
O
que destacar no seu novo livro? Creio que tudo em Crítica Reunida
– 2005/1999 está sincrônico com o pensamento literário de
Giselda e com a expectativa do leitor que dele se acerca. O livro
condensa um conjunto de recensões e ensaios de diversas épocas e
oportunidades. Mas em todos os textos reunidos, é possível
vislumbrar a maturidade de Giselda Medeiros, a sua argúcia
literária, a sua austeridade acadêmica, o seu vigor criativo e,
acima de tudo, a sua possessão estilística e as marcas
inconfundíveis do seu talento e da sua indiscutível leveza, em busca
das formas puras da comunicação.
O
rigor metodológico está presente em Crítica Reunida – 2005/1999
como em nenhum outro livro de crítica publicado no Ceará nos últimos
anos. Existem no livro referências bibliográficas de monta,
alinhamento de uma bibliografia no final do volume e um índice
onomástico que facilita em muito a consulta de cada um dos textos ou
a localização do discurso teórico no qual Giselda apoiou as suas
conclusões e ou seus pontos-de-vista.
Louvo, por fim, a decisão da autora de assumir, de público, a
maternidade desse novo gênero literário, e a decisão também de
incorporá-lo, definitivamente, ao estuário da sua multifacetada
visão. Giselda não é escritora de poucos recursos literários. É
proprietária de sonhos e de um patrimônio literário que todo o Ceará
já aprendeu a cultuar. Que seja assim também o destino e a recepção
deste indispensável Crítica Reunida – 2005/1999.