Dimas Macedo
Gerardo Mello
Mourão
Gerardo Mello Mourão, um dos
raríssimos escritores do Brasil indicados para o Nobel de
Literatura, nasceu em Ipueiras, interior do Ceará. Descende de uma
estirpe de vaqueiros, donos de alambiques e tangedores de gado, que
se distinguiram pelo poder de fogo dos bacamartes que ostentavam.
As aventuras e façanhas de sua família
renderam no Ceará uma das mais ricas crônicas de costumes por parte
de romancistas, sociólogos e historiadores. E o próprio escritor
escreveu sobre os seus ancestrais e as suas aventuras humanas um dos
melhores épicos da nossa cultura literária – Os Peãs (São Paulo,
Edições GRD/INL, 1980), composto por fragmentos dos livros O País
dos Mourões (1964), Peripécia de Gerardo (1972) e Rastro de Apolo
(1977).
É considerado pela crítica um poeta
grego reencarnado na literatura de língua portuguesa. E dessa
circunstância o autor não faz nenhuma cerimônia. Morou algum tempo
na Grécia e passou, semanas a fio, em estado de êxtase, contemplando
os velhos monumentos gregos e escrevendo em grego inúmeras de suas
baladas e poemas heróicos.
Internou-se, na juventude, em Mariana, interior de Minas Gerais, e
quase se ordenou sacerdote da ordem salvatoriana. Rendeu-se, depois,
aos encantos de Lya de Barros Carvalho Mello Mourão, pernambucana,
diplomata de carreia, filha do Senador e Ministro de Estado da
Agricultura Barros de Carvalho, a quem devotou amor incondicional
durante toda a existência.
Místico, poeta, filósofo, romancista e
ideólogo político fervoroso, amargou revezes os mais violentos por
conta dos vulcões interiores que nunca pode deter. Acusado de espião
nazista, foi preso por quase seis anos durante a ditadura do Estado
Novo e condenado à morte por Getúlio Vargas a partir de decreto
publicado no Diário Oficial da União. Mas em boa hora foi retirado
da cadeia por força de um apelo internacional de escritores
franceses, capitaneados por Sartre, Simone de Beauvoir e Albert
Camus, cuja peça de teatro, intitulada Calígula, traduziu em língua
portuguesa.
Do fundo das prisões do Estado Novo,
foram resgatados os originais do seu romance O Valete de Espadas,
hoje traduzido em vários idiomas. E em vários idiomas, a partir do
exílio que lhe foi imposto pela ditadura militar na década de
sessenta, comunicou-se com poetas, intelectuais, líderes políticos e
chefes de Estado com os quais conviveu.
Amargou a cassação do mandato de
Deputado Federal, primeiramente no Chile, onde foi professor de
Escolas Superiores e Universidades; em seguida, esteve na Europa e
em países da Ásia, estabelecendo-se depois em Pequim, onde, nas
décadas de setenta e oitenta, aproximadamente, foi correspondente do
Jornal O Estado de S. Paulo e de outros órgãos de cultura do Brasil.
Escreveu uma obra literária infinita
e, por ocasião dos quinhentos anos de descobrimento do Brasil,
publicou o poema épico Invenção do Mar, com edições simultâneas no
Brasil e em Portugal. Perto dos noventa anos e com uma energia de
menino que a todos encanta e contagia, costuma visitar sua terra
sempre que possível, onde toma a sua cachacinha, fala mal dos
políticos de plantão, sem nunca ser contestado, e é louvado pelos
seus amigos e pelo povo de Ipueiras e do Ceará como um todo.
É um prazer desfrutar das conversas,
que varam as madrugadas, com Gerardo Mello Mourão. É um privilégio
ouvir as suas lendas e bravatas fabulosas e cultuar com fervor e
filiação desmedida a sua personalidade fascinante. Gerardo fala como
se fosse um príncipe, como se fosse um grego e arauto da cultura do
Mediterrâneo.
Seu livro Invenção do Mar é um dos
épicos que a civilização e a cultura luso-brasileira legaram à
história da humanidade. É rico, provocante, afetivo e catalisador –
escrito em metro e ritmo nos quais a escansão e os códigos da língua
e do vocabulário dão a dimensão e o valor desse poema, que é ao
mesmo tempo romance e paródia da civilização marítima que se forjou,
com engenho e surto de grandeza, para além das construções culturais
da Europa e para aquém da civilização dos Pirineus.
Invenção do Mar – Leitura de um
Clássico (São Paulo/SP, 2005) é, ao que penso, a melhor
interpretação e a melhor hermenêutica do grande poema épico de
Mourão. Foi escrito por um outro intelectual erudito e amante da
cultura lusa, cujo nome declino com o máximo respeito que lhe é
devido – Vasco dos Santos, um dos grandes escritores do Brasil na
atualidade.
O livro de Vasco compreende o
testemunho de uma paixão vigorosa: a paixão de ver e de sentir, a
paixão de ver e de louvar os sinais e os signos da cultura e da
civilização. Com o poema épico de Gerardo e com a interpretação de
Vasco dos Santos, dilata-se a compreensão da língua de Camões, e a
cultura portuguesa, por certo, torna-se a cultura dos heróis e da
simbologia armilar da arte universal.
Prefácio do Livro
Invenção do Mar
– Leitura de um Clássico.
Fortaleza, 04/10/2005.
Leia Gerardo
Mello Mourão
|