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Eleuda de Carvalho


 


Curtos e crus


O Povo, Fortaleza, Ceará, Brasil
12 de Maio de 2006

 


Quase 50 dos melhores contistas brasileiros, entre consagrados e novíssimos, estão juntos na antologia Contos Cruéis (Geração Editorial). O livro, organizado pelo escritor cearense Rinaldo de Fernandes, será lançado hoje à noite, na sede da Adufc. Na abertura, o recital sonoro "Cantos Cruéis", de David Duarte

 

Daqui, Moreira Campos, Pedro Salgueiro, Adriano Espínola, Tércia Montenegro - a seleção local, por si só, já diz algo sobre qualidade estética literária e diversidade de gerações. A antologia Contos Cruéis: as narrativas mais violentas da literatura brasileira, organizada por Rinaldo de Fernandes (também cearense e escritor), apresenta ao leitor um panorama abrangente que inclui os consagrados Dalton Trevisan, Lygia Fagundes Telles, Ignácio de Loyola Brandão, Silviano Santiago, Moacyr Scliar, Rubem Fonseca, Caio Fernando Abreu, Roberto Drummond, Nélida Piñon. E também contistas da novíssima geração, a exemplo de Marcelino Freire, Miguel Sanches Neto, Marçal Aquino, Fernando Bonassi, entre outros. Imortais, clássicos sem fardão, ilustres desconhecidos e exponenciais genialidades unidos pelo tipo de narrativa e o tema da crueldade. No total, 47 contos garimpados com esmero para deleite e espanto do leitor.

A seleta contém, por exemplo, o texto seco, sem firulas e econômico nos adjetivos do mestre Moreira Campos em "Os doze parafusos". De Rubem Fonseca, o conto que deu título ao livro Feliz Ano Novo, lançado no final da década de 70 e logo recolhido das livrarias pela censura dos generais de plantão. Do enigmático curitibano Dalton Trevisan, está presente a narrativa sintética e entorpecente "Capitu sou eu". A grande e fina dama Lygia Fagundes Telles cedeu o assustador (segundo Rinaldo de Fernandes) "Venha ver o pôr do sol". Do gaúcho Caio Fernando Abreu, o perturbador "Sargento Garcia". Outros autores, a exemplo de Loyola Brandão, comparecem com inéditos.

O organizador Rinaldo de Fernandes, doutor em Letras pela Unicamp (São Paulo), graduou-se na UFC, na década de 80, e é professor da Universidade Federal da Paraíba. Começou a escrever contos e poemas no tempo da faculdade e lançou o primeiro livro solo em 97, O Caçador. De Fernandes também é responsável pelas coletâneas O Clarim e a Oração: cem anos de Os sertões (Geração Editorial), Chico Buarque do Brasil (Garamond/Fundação Biblioteca Nacional), e prepara outra antologia, Quartas histórias: contos baseados em narrativas de Guimarães Rosa, previsto para sair em julho, dentro das comemorações do cinquentenário de Grande Sertão: Veredas. E escreve a coluna "Rodapé/Ponto de vista crítico" nos suplementos literários Rascunho, de Curitiba, e Correio das Artes, de João Pessoa, onde reside. Ele aproveita a vinda a Fortaleza e lança seu segundo livro de contos, O Perfume de Roberta (Garamond). A noite de autógrafos de Contos Cruéis começa por volta de 19 horas, na sede da Associação dos Docentes da UFC - Adufc, com um show musical de David Duarte especialmente preparado para a ocasião: "Cantos Cruéis".

O POVO - Na coletânea, você reuniu diversas gerações e mesclou nomes conhecidos e reconhecidos com outros que - sem questionar o talento - ainda não figuram nos cânones (acho isso ótimo). Como foi reunir estas distintas singularidades? O tema da crueldade amarrou as narrativas ou entraram outros critérios?

Rinaldo de Fernandes - De fato, tive interesse em fazer uma coletânea representativa do conto brasileiro contemporâneo. Não me parece - e a coletânea prova isso - que os principais contistas do país estão só no eixo Rio-São Paulo. Há muita gente produzindo boa literatura no Nordeste, no Sul, no Centro-Oeste... Portanto, o critério da representatividade regional foi o primeiro que adotei. O segundo foi misturar consagrados com emergentes ou menos conhecidos. Mas o principal critério foi o da qualidade do texto. Se pudesse usar expressões de Álvaro Lins, diria que foi o critério da “arte da ficção” unido com o da “arte do estilo” - o que, efetivamente, está na base da boa literatura.

O POVO - Queria que você comentasse, em particular, a inclusão do conto Os doze parafusos, do mestre Moreira Campos, que foi seu professor no curso de Letras da UFC. Você sabia que a casa que foi dele durante tantos anos, aqui no Benfica, foi posta abaixo?

Rinaldo - Moreira Campos deixa saudade em todos nós, ex-alunos e companheiros de ofício. Foi uma das pessoas mais generosas, inteligentes e éticas que conheci. Um notável contista! Fiz uma vez uma entrevista com ele, que foi estampada no O POVO. Eu o entrevistei na casa em que ele residia no Benfica. De fato, a demolição dessa casa não deveria ter ocorrido. Os escritores cearenses deveriam ter se mobilizado - é uma pena. Eu incluí Os doze parafusos na coletânea como homenagem não só ao meu ex-professor, mas a um dos principais contistas brasileiros do século XX. Muito do que sou hoje aprendi com ele.

OP - Qual foi o conto mais difícil de incluir e por quê? Qual o que você pensou em incluir mas ficou de fora?

Rinaldo - Todos os contos que pensei em incluir terminei conseguindo. Dos contemporâneos acho que deveria ter incluído um conto do cearense radicado em Pernambuco Ronaldo Correia de Brito e do sergipano Antonio Carlos Viana. Mas já reparei a lacuna: os dois estão na próxima antologia que publicarei, em julho próximo, pela Garamond do Rio de Janeiro, com contos que recriam narrativas de Guimarães Rosa.

OP - Além de Contos Cruéis , você lança nesta noite seu segundo livro solo, O perfume de Roberta, publicado quase dez anos depois do primeiro, O Caçador. Como é seu processo de escritura?

Rinaldo - O livro, com prefácio de Moacyr Scliar, tem 18 contos e foi preparado nos últimos oito anos. Meu processo é lento, rigoroso - de luta com cada palavra, cada frase, cada parágrafo. Sou um perfeccionista incorrigível. O perfume de Roberta traz contos essencialmente urbanos, com exceção de “Sariema”, uma recriação do clássico “A hora e vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa (“Sariema” sairá também na antologia que publicarei em julho, de contos de 40 autores brasileiros baseados em narrativas do autor mineiro). “Negro”, um dos contos de O perfume de Roberta, virou um curta-metragem, que está em fase de acabamento, do cineasta Renato Alves. Encerrando o livro, há uma seção com apreciações críticas dos contos feitas por vários autores: Mário Chamie, Nelson de Oliveira, José Castello, Tereza Andrade, Adriano Espínola, Tércia Montenegro, Carlos Ribeiro, Ataíde Tartari, Carlos Gildemar Pontes e Luiz Antonio Mousinho. Dessa mesma seção consta um ensaio em que a professora-doutora (pela PUC/Rio) Sônia Lúcia Ramalho de Farias analisa três contos meus. O perfume de Roberta, publicado pela Garamond, e que foi para as livrarias em dezembro passado, já recebeu várias resenhas pelo país afora. Isto me deixa muito contente.

OP - E quanto ao livro sobre Chico Buarque?

Rinaldo - Chico Buarque do Brasil foi uma coletânea que lancei em 2004, numa edição conjunta da Garamond com a Biblioteca Nacional. Teve - e, pelo que vejo, ainda tem - grande sucesso de público e de crítica. Praticamente toda a mídia brasileira a noticiou. São depoimentos, artigos e ensaios de grandes intelectuais, escritores e jornalistas contemporâneos acerca desse artista ímpar que é Chico Buarque. Na coletânea, a obra de Chico é analisada de três ângulos. Ou seja, são abordados o cancionista, o dramaturgo e o ficcionista. Chico Buarque do Brasil está nas livrarias e continua saindo bem.

OP - Como foi o lançamento de Contos Cruéis na última Bienal de São Paulo?

Rinaldo - Foi muito bom, uma experiência interessante com um público diferente. Estou habituado a circular mais no meio acadêmico. A platéia era variada, de pessoas de várias áreas. Algumas mais preparadas, outras menos. Eu coordenei a mesa. Debatemos com a platéia eu, Ivan Ângelo, Nelson de Oliveira, Luís Fernando Emediato, Márcia Denser e Joça Reiners Terron. Lygia Fagundes Telles foi convidada pela editora (ela está no Contos Cruéis com o assustador Venha ver o pôr-do-sol), mas não pôde comparecer porque já tinha um outro compromisso.


SERVIÇO

Contos Cruéis - Lançamento da coletânea organizada por Rinaldo de Fernandes, com a participação de alguns dos autores cearenses da antologia. Na abertura, a partir das 19h, show musical com David Duarte ("Cantos Cruéis"). Aberto ao público. A sede da Adufc fica na av. da Universidade, 2346 - Benfica. Inf.: 3251.1882.
Leia trechos do conto Os Doze Parafusos, do escritor cearense Moreira Campos, pelo portal www.noolhar.com.br

 

 

 


 

16/05/2006