Eleuda de Carvalho
Eneida de Virgílio
Eneida, o poema da fundação mítica de Roma, escrito há mais de dois
mil anos pelo poeta latino Públio Virgílio Marão, acaba de ganhar
nova edição da Martins Fontes (coleção Biblioteca). O texto foi
vertido do latim pelo filólogo português José Victorino Barreto Feio
e José Maria da Costa e Silva
Sangue. Sangue e fogo sobre a terra.
Homens e deuses guerreando. Fúria de tempestades sobre frágeis naus.
Combates em campo aberto, corpo a corpo. A morte no encalço. Crânios
e ossos triturados. Dor. Honra, dever e ambição. Amores contrariados
e traições. Desígnios, destinos, fados. Estes são alguns dos
ingredientes que conformam um dos mais belos poemas de todos os
tempos, contando a fuga do guerreiro Enéias, quando da queda de
Tróia, suas aventuras e desventuras pelo mar Mediterrâneo, seu
encontro com Dido, rainha de Cartago, e o destino que lhe estava
prometido: criar uma nova cidade e um novo povo. Eneida
traz as peripécias de Enéias, escritas há dois mil anos por
Virgílio.
O poema é um conjunto de doze cantos,
o primeiro contando a derradeira noite de Tróia, que caiu, após um
cerco de dez anos, depois que o grego Ulisses usou o artifício do
cavalo de madeira para penetrar os muros da cidade. Enéias é um dos
poucos a sobreviver. Carregando seu pai, o velho Anquises, nos
ombros, e tomando pela mão seu único filho, Ascânio, Enéias parte
para cumprir uma profecia: no reino de Latino, cravado na ''bota''
plantada no mar Mediterrâneo, haveria de nascer a cidade mais
poderosa do mundo. E Enéias seria a semente de sua fundação.
Eneida começa onde termina a Ilíada, o poema
épico de Homero sobre a guerra de Tróia, também conhecida por Ílio.
A saga homérica continua na Odisséia, que vai tratar
das viagens de Ulisses, ou Odisseu, e suas aventuras até voltar,
vinte anos depois, à sua ilha de Ítaca.
Pois, o que o romano Virgílio, tomando
como modelo o grego Homero, conta na Eneida é a
fundação mítica de Roma. O que ele canta é o nascimento do mais
duradouro império que já reinou sobre a terra: mil anos. ''Eu canto
as armas e o varão primeiro/ que, prófugo de Tróia por destino/ à
Itália e de Lavínio às praias veio''. A obra de Virgílio é também
fundamento da latinidade, a cultura que se espalhou por todo o Velho
Mundo, da Ásia à África e Europa. O livro de Virgílio está na base
de outros poemas épicos, como Divina Comédia, de
Dante, Paraíso Perdido, de Milton, Os Lusíadas,
de Camões, e mais modernamente do poema Mensagem, de
Fernando Pessoa, ou do contemporâneo Invenção do Mar e
Os Peãs, ambos do poeta cearense Gerardo Mello Mourão.
A editora Martins Fontes, através do
selo Biblioteca, acaba de lançar nova reedição da Eneida
de Virgílio, com tradução do latim feita pelo filólogo português
José Victorino Barreto Feio, latinista do século 19. Os quatro
cantos finais foram traduzidos por José Maria da Costa e Silva,
amigo de Feio, falecido antes de concluir o trabalho. A edição é
organizada por Paulo Sérgio de Vasconcellos (que assina as
''orelhas'' e o estudo introdutório).
A Loba. O outro nome de
Roma. Símbolo da cidade, bem dizer, o seu sinônimo, é a figura desta
fera lupina que acolhe e aleita os gêmeos Rômulo e Remo, filhos da
sacerdotisa Ília e do deus Marte. Não é de estranhar que Roma nasça
sob o signo do sangue e da guerra fratricida: o pai mítico, Marte, é
o senhor da guerra. E Rômulo mata seu irmão, tomando o poder da
futura capital do império dos césares. O fio do novelo começa em
Ascânio (também chamado Iulo e daí Júlio), o filho de Enéias, do
qual descendem os reis albanos e, destes, os gêmeos abandonados à
beira do rio Tibre, salvos porque uma loba os alimentou. Mas, até
que isto aconteça, há o poema - a saga de Enéias, a Eneida.
Leia Públio Virgílio Marão
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