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Elisabeth Orsini




Entrevistando Três Poetas
 


 

O recente lançamento da revista "Poesia sempre", que em seu 8º número ultrapassou as 500 páginas, só confirma o burburinho dos versos que embalam os recitais que proliferam na cidade. Por conta disso, o Prosa & Verso convidou três poetas de famílias distintas para falar sobre o tema. Ligada à herança marginal, Bianca Ramoneda foi indicada para o Prêmio Nestlé na categoria estreante pelo livro "Só". Carlito Azevedo, indicado no mesmo prêmio na categoria consagrado por "Sob a noite física", é influenciado pelos concretos. Alexei Bueno, autor de "A vida estreita", representa um diálogo mais direto com a tradição.
 



Vocês acreditam na revalorização de eventos como recitais de poesia?

BIANCA: É preciso trabalhar o interessado em poesia por vários canais. Se a platéia estiver receptiva ao ouvido não se pode perder a oportunidade.

CARLITO: Gosto de todas as formas de divulgação de poesia mas odeio ler poesia, acho entediante. Penso que essa revalorização da poesia acontece por duas coisas: pela quantidade de recitais e pelo fato, inédito, de que existem hoje no Rio três revistas: "Poesia sempre", "O carioca" e "Inimigo rumor".

ALEXEI: A relação primordial da poesia é com a escrita, a leitura silenciosa. Acho interessante porém esse tipo de iniciativa quando já há uma relação anterior do leitor com o poeta. Sentir como o poeta recita, ver o efeito na voz de quem o criou é interessante.

Qual o valor da tradição para o fazer poético?

ALEXEI: Não há como separar poesia de tradição, é uma coisa única.

BIANCA: Acho que tenho um pouco de problema de identidade porque não sei me encaixar em tribo nenhuma. Minha tribo é a tribo onde sinto que afetivamente aquilo me soa familiar. Adoro Fernando Pessoa, Manoel de Barros, Florbela Espanca, Cecília Meirelles, Arnaldo Antunes. E me pergunto: o que um tem a ver com o outro?

CARLITO: Para falar da minha família poética cito alguns contemporâneos: Nelson Ascher, Lu Menezes, Claudia Roquette-Pinto, Arnaldo Antunes, Antônio Cicero. São as pessoas que fazem um trabalho que assume a herança modernista, que passa pela faca só lâmina de João Cabral, pela poesia concreta e pela poesia jovem dos anos 70. Acho que o principal dentro desse tema da família poética é a originalidade do momento com a convivência dessas famílias.

Em muitos poetas jovens, o humor acaba se tornando um ingrediente importante. Não dá medo pensar que as referências cômicas acabem tendo um papel dominante nesses autores?

ALEXEI: Pode haver poesia cômica de alta qualidade como sempre existiu em todas as épocas. Mas o que acontece no Brasil atualmente é a sobrevivência de certos hábitos do primeiro modernismo, sobretudo o poema-piada, que está muito presente em muita poesia que se escreve e, às vezes, de uma maneira que parece completamente esgotada. Basicamente essa tendência na poesia brasileira me parece um dos vários maneirismos do primeiro modernismo que continua até hoje.

CARLITO: Tem gente que faz poesia com humor bem e mal. O uso de um ou outro material não define a qualidade. O que interessa é se esse material é bem usado. Se não corre-se o risco de criticar o material e não o trabalho.

BIANCA: O caminho pode ser primeiro o do silêncio, depois o do palco. Conheço muita gente que se interessa pelo que ouve e vai buscar a poesia, rompendo a concepção de que ela é chata.

Quem você acha que está fazendo bom uso do humor na poesia?
 
CARLITO: Sebastião Uchôa Leite.

BIANCA: Michel Melamed.Historicamente a poesia sempre teve um conteúdo utópico subversivo aparentemente esvaziado nos últimos anos. Vocês acham que ela ainda pode ser perigosa?

ALEXEI: Perigosa ao nível de perigo para as instituições é uma coisa que basicamente nunca existiu, aliás para todas as artes. Tudo bem, as artes geralmente acompanham os grandes movimentos revolucionários mas que algum movimento revolucionário tenha sido causado diretamente por prática de arte é coisa duvidosa. Seguramente na História do Brasil o único momento em que a poesia teve algum peso utópico revolucionário verídico e realmente foi formadora de opinião foi na Abolição. A luta de Castro Alves foi dificílima.

CARLITO: Concordo com a idéia de que a gente vive num momento pós-utópico. Acho que Drummond e Cabral conseguiram pegar o último momento de crença em alguma verdade exterior ao poema. Cabral podia defender uma estética construtivista e fazer poemas que defendiam aquela estética assim como Drummond em "Rosa do Povo" ainda tinha crença num certo regime político que precisava ser defendido por poemas. Não temos muito uma crença inquebrantável em algum sistema estético ou político para sair defendendo com poemas e isso dificulta muito o nosso lado.

BIANCA: A verdadeira subversão vem do movimento individual para depois se transformar em movimento social. Então eu acho que a poesia pode ser totalmente subversiva.

O que vocês acham de Manoel de Barros, Ferreira Gullar e Chacal?

CARLITO: Manoel de Barros faz parte de uma tradição brasileira daquele poeta que vive isolado da vida literária. Ferreira Gullar atualmente é um dos meus preferidos. Seu livro mais recente, ainda inédito, tem um poema chamado "Filhos" que considero um dos mais bonitos que já li nos últimos anos. Chacal? Chacal é uma festa. Adoro encontrar com ele.

BIANCA: Vai parecer até que eu estou meio cismada com ele mas o trabalho de Manoel de Barros me emociona muito, muito. Gullar me passa essa coisa visceral, de vida e morte o tempo todo. É um poeta é muito forte. E Chacal é um combatente da poesia. Pode ter passado os anos 60, os anos 70, os anos 80, e Chacal está aí resistindo como um dinossauro da poesia.

ALEXEI: São três nomes de estilo completamente diversos. Há desde um quase distanciamento da vida literária como o que caracteriza o pantaneiro Manoel de Barros até uma quase fusão com a vida literária como Chacal. Ferreira Gullar está no meio disso tudo. São três nomes, cada um no seu estilo e no seu trajeto.

O que vocês acharam do resultado do premio Nestlé na categoria poesia?

ALEXEI:Falar sobre qualquer prêmio literário no Brasil passa, nesse momento, pela categoria da crítica brasileira que está em plena agonia, uma crítica que colocou a carroça à frente dos bois. É uma crítica universitária que vive basicamente de sectarismos e cuja única relação com o fenômeno literário é esperar do fenômeno literário o que ela acha que o fenômeno literário seja. Que dizer, a crítica não vem mais depois da literatura, a crítica vem antes e tenta induzir a literatura. Sobretudo essa crítica universitária que geralmente no Brasil é uma coisa que não representa nada esteticamente e que é, sobretudo, um maneirismo masturbatório. Ela é consumida e esquecida dentro das universidades. Tirando um acaso feliz , qualquer prêmio literário no Brasil sofre com o estado deplorável em que a crítica brasileira se encontra.

BIANCA: Acho muito difícil falar de merecimentos. No caso de Manuel de Barros que ganhou na categoria de autor consagrado, foi mais do que merecido mas penso que seria melhor uma menção honrosa. Também adoro a poesia de Antônio Cícero mas não me bateu muito ele ter sido premiado na categoria de revelação. Muitos dos textos do Antônio Cícero já são conhecidos há muitos anos através das letras de música.

Vocês acham que pode surgir um movimento da importância de um concretismo?

ALEXEI: Não tenho o menor interesse em fazer futurologia literária. Para mim a literatura é um fenômeno a posteriori, ela tem que existir a partir do que é publicado, a partir dos indivíduos. Só depois do que é publicado é que se enxerga claramente o que é literatura. Para mim o momento é de individualidade e de convivência dos estilos mais variados. Aparentemente não vejo nenhuma aproximação de uma unificação de nada e não acho que isso seja muito provável.

BIANCA: Não sinto isso teoricamente mas acho que teoricamente a gente só sente as coisas depois que elas passaram. Como estou extremamente atrelada ao presente não consigo afirmar nada. Mas sinto que tem uma onda boa no ar, que tem ouvidos a fim de ouvir poesia e olhos interessados. Se daqui a 50 anos vão olhar para trás e dizer que foi um movimento importante, não sei.

CARLITO: Não sei se disso tudo surgirá uma espécie de movimento mais unificador, mas espero que não. A última coisa que quero nesse instante é obedecer a algum manifesto literário. Chegado um momento em que se conquistou tantas liberdades, um poeta ter que se reduzir a cinco ou seis regras de um manifesto é a pior coisa que pode acontecer.

Vocês tiveram alguma influência do concretismo?

CARLITO:Eu realmente tenho uma influência total do concretismo. Adoro Augusto de Campos, ele é o meu poeta preferido da segunda metade deste século. É um criador genial, uma coisa totalmente diferente do que é o Brasil no seu atraso, na sua pequenez. Augusto de Campos me dá a sensação de um Brasil que poderia ter sido. Obviamente acho impossível um poeta hoje querer ser concretista. É a mesma coisa que um compositor hoje querer ser tropicalista ou querer ser da bossa nova. É impossível. Já acabou. Mas também é óbvio que um garoto novo que chegue agora fazendo música diga simplesmente que não quer ouvir João Gilberto nem Caetano. Tudo bem, ele terá muita chance de fazer coisas boas mas... Assumo a influência dos concretos. Adoro. Na minha revista publico sempre porque gosto do que eles fazem. Aprender com eles sim, imitá los jamais.

BIANCA: Essa coisa de influência sempre me deixa um pouco em dúvida. Em artigos que li a meu respeito disseram que sofri a influência marginal dos anos 70. Então eu pensei: puxa, nasci em 1972, como é que sofri a tal influência? Tudo bem, a gente lê. Mas acho que a influência é mais uma coisa que está no ar, que ficou. A Fernanda Montenegro disse um dia que ela era um mosaico de vários caquinhos de outros atores que ela ia colhendo através de filmes, de informações e que foi tudo isso que fez dela a artista que ela é hoje. Então eu acho que um caquinho do meu mosaico é com certeza o concretismo, outro caquinho deve ser o Fernando Pessoa e desse monte de caquinhos eu vou tentando formar a Bianca Ramoneda.

ALEXEI: Minha ligação com os concretistas vem através das traduções. Sempre fui um leitor de suas traduções admiráveis, sobretudo as de Augusto de Campos que divulgou muita poesia européia importante no Brasil. Poesia que era pouquíssima ou nada conhecida aqui. Meu interesse central nos representantes do movimento concreto era esse mas, como teoria, sempre me pareceu que eles trazem um sectarismo e um messianismo doutrinário que tiveram os piores resultados para a poesia brasileira como um todo. Não me interesso por messianismos doutrinários. Mas como tradutores e divulgadores da grande poesia européia eles foram excelentes e, por conta deste aspecto, posso ter tido alguma influência deles.

Enquanto gênero literário a poesia não sofre um esgotamento? É possível fazer alguma coisa que ainda não tenha sido feita ou o trabalho do poeta hoje se limita a uma espécie de reciclagem de formas e conteúdos?

ALEXEI: No século XVI já se achava isso de certa maneira. Será que é possível fazer alguma coisa que Virgílio não tenha feito? Essa impressão sempre existe na arte de qualquer maneira, vamos viver com ela eternamente. Mas não acredito em nenhum esgotamento de coisa nenhuma.

BIANCA: Acho que todo mundo já fez de tudo. Se a gente for se preocupar em ser original a gente vai acabar virando jornalista. Eles é que têm a preocupação de ter o novo a cada minuto, e a chamada ditadura do inédito. E eu acho que não é esse o caso da poesia até porque os sentimentos grandes são os sentimentos eternos que são exatamente o contrário do novo. Esses sentimentos só são novos porque se repetem a cada dia, essa é a loucura. Não conheço uma pessoa igual a outra, não vejo ninguém repetido na vida. Então eu acho que mesmo que se diga as mesmas coisas a forma como elas serão ditas será obrigatoriamente diferente.

CARLITO: Na arte sempre esteve presente a idéia de que tudo já foi dito. Lembro daquele conto do Bioy Casares quando ele diz "tudo já foi feito, tudo já foi dito, foi o que me sussurraram ao ouvido. E Deus nem tinha criado o mundo ainda". Foi alguém dizendo para Deus que não adiantava, pois tudo já tinha sido feito. Enfim, tudo está dito, mas sempre existe um imprevisto. Tivemos muita dificuldade em montar a mesa para o debate por conta de brigas entre poetas.

Porque vocês brigam tanto?

ALEXEI: Toda obra de arte é vítima de equívocos, injustiças, decepções e falta de perspectiva. Isso tudo dá, obviamente, margem a muitas fofocas.
 




Leia a obra de:
Alexei Bueno
Bianca Ramoneda

Carlito Azevedo