Alexei Bueno
Ode IX
Só superando encontramos alguma alegria,
Escravos dialéticos de um delírio de opostos,
Só esmagando, só conquistando, nunca por nós mesmos repletos,
Só penetrando nos muros. E quantas cidades tomadas,
Mesmo portão gargalhando e estirando uma língua de fogo,
Gritam vermelhas e ardem nas nossa íris exaustas.
Só pisando subimos,
Só derrotando vencemos,
Só conformando o outro a nós o amor nos alcança,
E tudo isso com sermos, seguramente sermos o outro
Até que nada nos reste de escapatória ou abrigo.
Não somos, não seremos nunca
Como Dionisos, ébrio conquistando a Índia
Entre tambores e tirsos, aclamado das ninfas, dos sátiros,
Um ramo de vinha é o seu chicote, um nariz vermelho a sua espada,
E os conquistados o aplaudem e beijam e vêm engrossar o triunfo
Que Pã conduz na vanguarda, tocando na flauta.
...Mas onde estará ele agora, em que escarpa, em que umbrosa
Solidão de enluarados galhos, rirá ainda o pai da alegria?
Nenhum devoto liba em suas aras, os ecos somente
Veneram-no ainda. De que rirá, que verá que nós nunca veremos,
O desterrado senhor de um plácido pacto entre os homens,
Enquanto nós por aqui, às seis horas da tarde,
Em meio às latas de lixo, descemos em bando às entranhas da terra?
Fulminante é qualquer nossa glória, pisando os caídos,
Que outra alegria além desta e da arte, da prece e do amor nos foi dada?
( — Ouçam, nenhum navio aparecerá.
Que ficará de nós? E no entanto matamos,
Sem pena, sem pranto, por sermos por último a festa dos peixes.)
Pois vejam como ele caminha,
Vejam como ele avança,
O filho de Filipe, o descendente de Hércules, deiforme e invicto,
Vejam como ele marcha
Sobre Darios vencidos e humilhadíssimas púrpuras,
E abraça as muralhas, e salta os desertos, e aplaina as montanhas,
Novo Aquiles sem flecha de Páris que o acerte, humanismo deus
Musculoso e potente em beleza triunfante.
Se nos fosse dado ser isso,
Um Alexandre cada um, varrendo a Terra,
Plena nos seria a vida. Mas a bonança é a nossa inimiga,
A calmaria, não a tempestade, é que nos espera ao varar o oceano,
Nos desfiladeiros minúsculos, com o único perigo do nada,
é que nós marcharemos,
Ainda que borbulhe em nós o canto do deus, e Amor Vencedor,
Durante ou após nosso olhar, pisoteie a disputa dos vermes.
( — E mesmo que venha o navio
Que seremos além de uma sombra na história dos astros?)
E ele continua
Até a Bactriana, a Índia novamente
Sem tirsos, sem vinha, dançando despido, tomado
Da ígnea plenitude de um deus,
Como nós nunca fomos, até que um mosquito,
Invulnerável, divino, o aferroe e destrua
na corrupta cidade de inúmeras portas.
(O esquecimento é a nossa lepra, e assim, no dia final
Um dos quinze falou, um navio passara sem vê-los:
— Gravemos numa tábua nossos nomes, tudo o que sofremos,
E a preguemos no mastro. Assim talvez os homens conheçam
O que nós passamos, nós, os da Medusa. —
Todos os conheceram. Mas um pintor tosquiado,
Unicamente, o soube.)
Não, não é esta a vitória,
Antes com Roxane na beira do rio
Qual Dionisos sábio consolando Ariadne
Na vermelha Naxos.
Não é essa a vitória. Não escutes, bêbado
Com a miragem cósmica, o conselho de Krishna
Ao indeciso Arjuna,
Pois se tudo é guerra,
E o tempo a guerra é infindável, sejamos o vento
Que sussurra entre as armas, sejamos a terra
Que os sequiosos exércitos sonham e que é de ninguém,
E o silêncio imóvel
Entre dois estampidos, que a ambos devora!
Sejamos
No fragor de estandartes, a ave que os roça,
Na orgia do fogo,
A chuva infantil que inesperada desce,
No borbulhar das almas o sono viscoso
Dos caracóis no lodo,
No estampado em pânico das pegadas fugindo
Do chão que as convida
A relva que o cobre.
Pois nosso é o poder e a glória, e do que lacerarmos
No nosso corpo, o que existe, cairá nosso sangue na terra.
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