Erorci Santana
As Carnaubeiras de Catuana - uma
homenagem a
Octavio Paz
Faz algumas
noites que ando ensaiando escrever-te uma carta, gesto adiado pelo
enredo dos pequenos negócios cotidianos e pela inclinação para a
vagareza - não direi preguiça, não, senão aquela indolência
macunaímica de deixar-se ficar sob o ardente sol dos trópicos, agora
esse um glorioso meio esquivo e deslembrado, a ponto de ter deixado
que se instaurasse em São Paulo uma paisagem siberiana. De modo que
a biológica forma queda-se enregelante nesse julho "nublado e frio,
que senta a bunda no rio" como assinalou Mário de Andrade. Será que
faz tanto frio assim aí no Siarah?
Pois bom.
Recebi e li os dois belos poemas, atléticos e resfolegantes As
Carnaubeiras de Catuana, homenagem comovente e competente a Octavio
Paz - que só li em artigos e poemas esparsos, inequívoco indício e
denúncia de lacuna cultural, agravados pelo fato de sequer tê-lo na
estante. Mas lerei por imperioso, que monumental ele o é.
E li também Não
é aqui não, poema em que a grandeza se sente no cerne do enigma, e
que, como qualquer poema seu tem o condão de irromper de maneira
abrupta na vida da gente, como aquele canto surpreendente das
sariemas, cuja forma sonora nem de longe faz supor emitida por bicho
de pena, mais lembrando o ladrir dos cães em perseguição à caça. Em
seu canto há algo de urgência e premência, de movimento rápido,
intrépido, ziguezagueante, imprevisível: a algaravia que se abate
sobre o silêncio, a flecha ou projétil súbito que instaura a
desordem dilacerante na ordem simétrica, cíclica e circular da
carne. É tudo muito intempestivo e bonito. É uma canção travessa e
irrefutável para combater o sono dos mortos. Mas o que há de mais
admirável é que ela não parece intencional. Anuncia-se como o
inferno adrede, um sonho - e como sonho, involuntário. Entra-se
forçosamente no seu poema, à revelia e sem ser convidado, quer
dizer: existe porque existe. Como disse Angelus Silesius, "floresce
porque floresce". Principia com motes absurdos e inesperados, na
contramão de toda expectativa e se desenvolve com requebros e
soluções inusitadas. É esteticamente novo, original pelas cisões do
pensamento e pelo desdizer mais que dizer. Fica anotado.
Leia também:
"As Carnaubeiras de Catuana", de Soares Feitosa
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