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Coleção Três Enigmas

Estórias de Cururu

 

Rodrigo Marques



O
FOLE DO CURURU

 

Dizem que um Cururu mora na caixa, a caixa que fica debaixo da cama de tia Maria. À noite, quando todos dormem, o Cururu puxa o fole. De dia, quando os chinelos se arrastam, ele guarda sua música no papo.

Dizem também que o menino que mora na casa de tia Maria nunca caçou cururus, mas morre por ter um deles

Um dia, quando o vovô chegou de viagem, o menino teve que se arranjar no quarto da tia. Com o sono da vizinhança, o fole do Cururu começou a tocar. O menino então se agachou o necessário para pôr-se à altura da cama, embaixo. E com a pontinha dos dedos o Cururu prendeu o menino na caixa.


 

O CURURU INCHADO
 

O Cururu já não sabia mais o que fazer e pôs-se a inchar.
No começo, ninguém botou fé, mas logo o Cururu ficou do tamanho de um cabrito; um pouquinho mais e já passava do boi; de tarde, já era maior que o elefante; de noite, avistava o mesmo que a girafa.

No outro dia, o Cururu estava tão grande que ninguém mais pôde encontrá-lo. A partir de então, nenhum bichinho duvidou mais de Compadre Cururu.


 

A VOLTA DO MENINO PERDIDO
 

O mesmo menino que, todas as noites, salpicava sal no Cururu se perdeu no escuro da cidade. Ninguém sabia em que rua ele chorava perdido.

Por sorte, naquele instante, o Cururu passava por ali. E reconhecendo o menino, disse:

— Ei! Entra aqui no meu papo que eu te levarei de volta!

O menino entrou no papo do Cururu e coaxo, coaxo, coaxo, achando muita graça no balanço do sapo.

Quando chegaram em casa, o Cururu foi para detrás do gelágua e o menino foi recebido em muita festa, com brigadeiro e pipoca de microondas.


 

A FESTA NO CÉU E NAS ÁGUAS
 

O Cururu — sabendo da notícia — escondeu-se na viola de Compadre Urubu. Chegando à festa do céu, brincou com os outros pássaros, dançou e fez o que bem quis.

Depois de tudo, voltou a esconder-se.

Quando já iam no meio do caminho, um avião quase-quase derrubou Compadre Urubu, que conseguiu desviar por pouco, largando a viola com o Cururu e as músicas.

E no meio da queda, quando não havia o que fazer, o Cururu gritou bem alto para o seixo que iria espatifá-lo:

— Arreda daí, pedra, que lá vou eu!

A pedra então se afastou, e, da pedra-saltada, saltaram as águas, e o Cururu sentiu-se em casa.

 

 

A CAIXA DE SAL
 

O menino pegou a caixa de sal e foi para fora.

Quando o moleque levantou a pedra do quintal, o Cururu que morava embaixo fechou os olhos, respirou fundo e pensou: “Lá vem sal”.

Dito e feito, o menino abriu a caixinha e sapecou sal no Cururu.

Aí?! Aí foi a maior festa! O Cururu, com a pele protegida pelas águas da queda, pulou, riu e fez piruetas no chão! O menino também! Fez mímicas e dançou, achando graça da travessura do Cururu.


 

BANDA CELESTE DA LAGOA
 

No fim dos tempos, Nosso Senhor veio julgar os bichos. Compadre Cururu era o quinto da fila. Chegando sua vez, Nosso Senhor perguntou:

— Então, irmão Cururu, o que fizeste dos dias que te dei?

— Ah, Senhor, banhos de lagoa, festas e viola! Dormi verões inteiros, merendei muito, sim, dei voltas ao mundo; costuraram minha boca, mas foi uma festa que eu nunca vou me esquecer.

— Não trabalhaste um só expediente, irmão Cururu?

— O Senhor ainda acha pouco?

Nosso Senhor pensou bem e lhe arrumou o lugar mais nobre na “Banda Celeste da Lagoa”.


 

TRÊS PARTES
 

Uma fada desastrada decidiu transformar todos os cururus em borboletas, por achar os bichinhos muito feios e desarrumados.

Mas quando ela tocou aquele Cururu com a varinha de condão, a varinha se partiu em três partes: a primeira parte desfez o encanto, e os cururus que haviam virado borboletas voltaram aos pulos; a segunda parte não fez nada e a terceira transformou a fada numa rã para lá de encantadora!


 

VUPT, VUPT, VUPT
 

Quando a véia Chica decide, está decidido.

Naquela noite, a velha pegou linha e agulha; ia costurar a boca do Cururu.

Lá pelas tantas do mato, ouviu o fole do bicho. Véia Chica agarrou-o pelas pernas, prendeu-o nas mãos e vupt, vupt, vupt...

Mas quando a velha foi rir – ao invés de um riso frouxo - saiu foi um coaxo dos grandes. E toda a saparia restante respondeu à altura.


 

O QUINTO BEIJO
 

Era o quarto beijo que a menina dava no Cururu e nada de o bicho virar príncipe.

— Pois bem, se queres assim, fique Cururu até não poder mais... – falou, deixando-o quietinho.

Mas no meio da estrada, a menina voltou. Quem sabe se o quinto beijo não quebraria o encanto? E aplicou lá nele o beijo que faltava.

O Cururu agradeceu e pulou para o ombro da menina e foi-se embora com ela até Mané dizer basta!

 

 

AS SETE PELES DO CURURU
 

Uma vez, contaram que o Cururu era filho do Rei. E o Rei e o Cururu acharam, por bem, acreditar. Daí, foi um passo para o resto do mundo dar boas-vindas ao novo príncipe: o trompetista, o flautista, o poeta real, a moça da sacada, a moça dos cântaros e a velha do outro lado do rio.

Porém, quando o Cururu chegou ao Palácio, o Rei pediu-lhe que ele retirasse as sete peles que o faziam sapo. O Cururu disse “pois não” e pôs-se a retirá-las. Na sétima pele, o Cururu permaneceu sapo. O Rei, com voz triste, falou que aquele não era seu filho, que seu filho vivia sob sete peles de cururu, como o amaldiçoara, há muito tempo, um gênio mau que por ali passou.

O Cururu, então, abriu bem os olhos e disse:

— Por que Vossa Alteza não retira os sete mantos que o fazem Rei?

E assim despiu-se Vossa Majestade. E no sétimo manto, o Rei levantou-se sapo. Imediatamente, todos que estavam ao redor retiraram as “sete peles” que os encobriam: alguns macacos viraram onças; outras onças viraram macacos; o trompetista tocou flauta; o flautista, trompete; uma flor saiu-se borboleta e o mundo inteiro tornou-se o que ele sempre quis, sem que ninguém soubesse...


 

O CURURU E A COBRA
 

Sem querer, o Cururu entrou na casa da cobra:

— Amiga Cobra, sei que não custa nada você me comer. Por isso estou à sua disposição...

Ora, um Cururu caído do céu e ainda por cima todo oferecido era demais para a cobra (que o julgou muito venenoso):

— Não sei, Cururu, já passou da hora... e além do mais não como mais cururus...

— Que é isso, dona Cobra, assim a Senhora me ofende! — respondeu o Cururu arregalando bem os olhos.

— Nada contra sua pessoa. O Sr., por favor, me dê licença.

E a cobra saiu muito ofegante, com um medo danado de ser devorada por aquele Cururu.

 

 

UM GUERREIRO ENCANTADO
 

Um dia, um guerreiro vestido numa couraça e de lança em punho ficou preso nas pedras. Um lavrador que por ali passava, ajudou-o a sair. O guerreiro agradeceu e sumiu.

No ano seguinte, a lavoura do lavrador ficou, por cargas d’águas, empestada das maiores pragas. Desanimado, o lavrador pôs-se a chorar.

Mas qual! Admirado, o homem viu um ágil Cururu acabando com a farra das pragas. Feliz da vida, o lavrador não sabia como agradecer ao distinto sapo.

— Nada tens que agradecer-me. Eu sou aquele guerreiro a quem salvaste a vida tirando-o de entre as pedras que o esmagava. Era um Cururu a quem um mau feiticeiro transformara em príncipe, colocando-me debaixo das pedras, para que alguém me salvasse e eu depois salvasse o meu salvador. Estou agora desencantado. E eu é que devo agradecer.

Dito isto, levou o lavrador para a sua lagoa, uma lagoa muito rica, e deu-lhe um alto posto.

 

 

PEGA-NÃO-PEGA
 

Guaxinim-vilão, há dias, que estava na cola de Compadre Cururu: pega-não-pega, pega-não-pega. Até que, cansados, os dois resolveram respirar um pouco à sombra de um robusto juazeiro:

— Compadre Cururu, o Sr. nunca me deu tanto trabalho! Por que essa agora?

— Acho que estou aprendendo, Guaxinim-vilão, acho que estou aprendendo... — respondeu o Cururu abrindo a boca de cansado.

E ficaram assim, um ao lado do outro, respirando, debaixo do juazeiro, exaustos. E quando estavam bem descansados, Guaxinim-vilão olhou para Compadre Cururu e perguntou:

— Já está na hora, Compadre Cururu?

— É, Guaxinim-vilão, acho que sim; já está na hora.

E a perseguição começou novamente: pega-não-pega, pega-não-pega, pega-não-pega... que sempre foi assim.


 


 

Osvaldo Pena


Yo
me voi a madrid

 

O menino caipira pensou que era poliglota e resolveu que queria por que queria viajar.

- Yo me voi a Madrid.

- Se Deus quiser, né? Disse a fada ranzinza.

- Se Dios quiera o se Dios no quiera, yo me voi a Madrid.

Plim !!!

A fadinha transformou o menino em cururu e o atirou no brejo que tinha atrás do curral.

O cururu passava seus dias cantando moda de viola.

Depois de muito tempo, arrependida, a fadinha enfadonha desfez o encanto e tornou o cururu em menino de novo.

Então, o menino pensou que ainda queria por que queria viajar.

- Se Dios quiera, yo me voi a Madrid. Se Dios no quiera, yo me voi a Três Lagoas. Estoi acostumbrado a la vida del sapo!

 



Você conhece essa?
Ouvi essa estória quando era criança, não exatamente da forma como escrevo, contada pela minha avó em São José do Rio Preto, Estado de São Paulo.
Três Lagoas, citada no texto, é uma cidade às margens do Rio Paraná, no lado do Estado de Mato Grosso do Sul, divisa com São Paulo, e relativamente próxima de Rio Preto.
Gostei muito da sua página, acessada pelo site do Jornal de Poesia.
Espero contribuir com a sua coleção, muito boa!

Abraço,

do leitor Osvaldo Pena.

 


 

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Remeta-a para:

edcururu@uol.com.br
 

 

 

Um esboço de Da Vinci

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Rodrigo Marques, ago/2003