Everardo Norões
A lua decifrada em um quadrante
Antes de conhecer Majela Colares
descobri, por acaso, um de seus livros
na estante de uma livraria.
Esse fato de conhecer a obra antes do autor,
o poema antes do poeta,
nos dá uma certa isenção para melhor analisar a sua poesia.
Quando fui convidado por Heloísa Arcoverde
para participar da organização da coletânea Estação Recife,
antologia que reuniu os principais poetas contemporâneos de
Pernambuco,
não hesitei (como, aliás, nenhum dos organizadores hesitou),
em nela incluir o nome de Majela Colares.
E lá está o seu poema, o meu poema preferido, “Alpendres e Currais”,
a demonstrar que, é sempre possível inovar
sem prescindir de suas heranças,
sobretudo essa herança sertaneja,
que marcou a ferro e fogo
uma vasta linhagem da poesia brasileira.
Em seguida, pude constatar que a dimensão da poesia de Majela
e o estilo renovador de sua linguagem
haviam sido percebidos por estudiosos de nossa literatura.
César Leal, por exemplo, chamou a atenção para as preocupações
técnicas de um autor que preferiu “utilizar a metáfora de soldadura,
uma noção de que a poesia é trabalho e não apenas confissão”.
E Fernando Py, um dos críticos que mais atenção
têm dado aos jovens poetas brasileiros,
escreveu que em todos os livros de Colares
“ressalta-se não apenas o cuidado com a escolha vocabular,
o acabamento formal dos versos,
mas sobretudo uma reflexão acerca do tempo
e certa perplexidade ante o destino humano”.
Na frieza do papel, na sua brancura inerte,
e, ao mesmo tempo, fascinante, nasce o poema.
Mas, para brotar, o verso requer um segredo.
Esse segredo é dom de poetas como Majela Colares.
Detrás da moldura de seu livro, vemos uma lua
que se decifra em um quadrante.
Num certo sentido, esse quadrante lunar é a própria definição
de um trabalho penoso e brilhante:
sob o arcabouço geométrico das palavras estruturadas com esmero,
percebe-se o sentimento de uma poesia que resvala
por quase tudo o que é humano.
A lua se ressurge – ou se insurge – observada por figuras
hieráticas.
Na imagem está implícito o estado de indagação
que persegue todos os poetas:
ser que perscruta nos meandros de sua existência, o sentido
de sua presença na terra.
E, no ordenamento dessa perplexidade faz da palavra
o instrumento de sua salvação ou, dialeticamente, do seu próprio
martírio.
Por isso, a ele cabe a definição de Henry Miller,
que ao escrever sobre Rimbaud, no ensaio A hora dos assassinos,
observa que, condicionado ao êxtase,
“o poeta é como um deslumbrante pássaro desconhecido
preso às cinzas do pensamento”.
A poesia de Majela é essa “força elementar”,
trabalhada com o sacrifício e o suor gratuito do poeta,
sem a qual o mundo seria, como afirmou Dante Milano,
um corpo sem beleza.
Nesse sentido, Quadrante Lunar, Rio de Janeiro, Calibán, 2005, segue
os mesmos passos
dos outros trabalhos do Autor.
No livro A Linha Extrema, por exemplo, ele já enunciava:
por milênios em sons tecendo ritos
conspirando contendas, passo errante
e por ser algo mais que a voz de mitos
se confunde nos versos que fez Dante
A criação poética, como a de Colares, pode ser observada
como uma espécie de espiral perpétua
que a cada movimento se acrescenta um novo território.
Cada um dos poetas inovadores deixam seu traço nessa linha
que se desenrola, infinitamente e, no final de contas,
confunde-se com a própria linha do destino dos homens.
É isso o que persegue a poesia de Majela Colares.
É isso o que está neste livro Quadrante Lunar.
*Everardo Norões é poeta e
critico literário pernambucano
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