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Soares  Feitosa

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John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

 

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William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

 

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Soares Feitosa

 

 

 

 

 

 

 

Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque

 

 

 

 

Leonardo da Vinci, Embrião

 

 

Adelaide Lessa


Psi, a penúltima

Minha Querida Raposinha  

Agora que nos conhecemos, estou rezando para o diretor de TV e o diretor de cinema, ou de Teatro, quando te descobrirem (se já não estão de olho em ti), respeitem tua simplicidade, tua força moral, tua coragem, tua inteligência, teu drama, tua pureza, teus compadres, o de Assis, o do Ceará e o do madeiro Santo.

Entendam esses diretores de Arte que a tua fábula ultrapassa o diálogo com o Corvo/Urubu, agora teu amigo, a quem entregas o queijo enviado pelo Santo franciscano; ultrapassa a fala do Urso Panda, do Mico-Leão Dourado, das Raposas Azuis do Canadá, da Baleia, dos pássaros em extinção; ultrapassa o teu direito à toca bíblica a exemplo d’Ele que até hoje não tem onde repousar a cabeça porque não está circunscrito a nenhum limite.

Podes fugir para o sul, para o norte, o nascente ou o poente, mas teus compadres não te querem covarde.

Ficaste hidrófoba, sim, de sagrada indignação, porque te roubaram o direito de comer, beber e ter filhos, pele sedosa, uvas, maduras, a toca limpa, decente, e o olhar erguido para as estrelas límpidas na tua oração na noite da velhice.

Ao contrário, teu sono é intranqüilo, vozes, distantes de teus companheiros perseguidos, presos, brutalizados pelo Fogo; japoneses, africanos, bósnios, judeus, nos guetos assassinos. Teu compadre Chico Pires, piedoso já te entregou o sudário, o incenso, a mirra; e os pobre, a compaixão.

Mas tu queres a Vida, não o apartheid. A chuva torrencial, não o Homem das armadilhas, raposa de dois-pés. Preferes o risco da Luta, nunca o adormecer em poeira esplêndida. Assume a consciência da liberdade, que o nosso Mandela te ensinou, o Cidadão.

Aprendeste muito com Jó e Luther King. Lambeste os pés dos Migrantes de Portinari e vieste a mim num pau-de-arara. Limpaste a minha casa. Ajudaste a lavar e a vestir minha mãe velhinha, cega e paralítica.

Somos amigas de longa data e de antes desta vida na terra. Raposinha querida, nordestina, cearense, de Acaraú ou de Jericoacoara, ciosa de teu brasão de Dignidade e Honra, somos iguais, duas irmãs, filhas de DeusMãe.

Minha gratidão ao poeta Soares Feitosa e à cearense Maria Adalgisa Dias.

Muito emocionada para continuar com esta carta, grata demais.


 

Roma, uma história de índios

 

Acabo de receber Roma sobre os jovens que incendiaram o índio pataxó, Galdino, em Brasília; o genocídio narrado em Caldeirão, autor e livro que eu desconhecia; e o Josino assassinado em Diadema; todos sem Picasso, mas com Soares Feitosa, memorialista:

"Minha pobreza é tanta 

que meu pintor pinta de cal,

ele nunca acredita que vá chover,

quando respinga apaga tudo."

 

E minha tristeza é tanta, depois de ler a veja desta manhã (17.08.97), pelos três meses de seca na Amazônia, 150 km de fogo devorando a floresta, 4.200 castanheiras queimadas numa noite. Horrendo. Também são seres vivos. Que Deus os tenha.


 

 

Salomão

 

Recebi Salomão, o abraço a dedicatória e a cópia do artigo de Wilson Martins. Riquezas suas, riqueza minha. Riqueza do Brasil. Enviei um livro meu ao Djalma Cavalcante, o senhor Bibliotecário de Salomão. Ele apreciou o poema DeusMãe, sem ler o restante, cuidando, como deve estar, da Biblioteca que lhe chega em prosa e verso. 

 Salomão: comecei a leitura pelas Notas do Autor, páginas 103 a 113, e fui transferindo informações, comentários e acréscimos às 53 páginas dos Dez Movimentos, de modo a saborear "na mesma  mesa". Só então, li num só fôlego. Posso estar errada em minha interpretação, mas comecei sentindo que o Coronel é Soares Feitosa, o branco, enquanto o Capitão Salomão simboliza a raça negra. A princípio, Salomão é um negrinho-moleque, afilhado do branco na religião dos padres judeus, comprado pelo Coronel para fazer-lhe compra de escravos, só os fortes, só as bonitas. Aos poucos, Salomão incorpora o pedreiro que levantou a muralha entre a Cidade Baixa e Cidade Alta, de Salvador; o Aleijadinho, escultor; o poeta Cruz e Souza (querido!) tuberculoso como o nosso Menino Antônio Frederico; Jesse Owens, campeão olímpico; Cassius Clay, campeão de boxe, da mesma raça dos livres. 

 Começa então o 4º Movimento: Tam! "Não adejava canto macio porque o momento não era macio." Todo o gênio de Castro Alves! Maior só o esturro dos Céus e da Terra na 6ª Feira Santa. "Varrei os mares, tufão!" (Ah, Soares Feitosa, isto gravado em sua voz!) E onde foram atirados os navios negreiros? No morro, na favela, nas palafitas, navios-barrancos, pendentes. 

 Sofrimentos: o massacre dos 111 do Carandiru. Um preso, de lá, pede um livro de poesia. O menino e o abutre, ambos famintos, como o do Prozac em vez de pão. 

 Então, no 7ª Movimento, aparece Eliézer, 9 anos, podre. Fico aflita: Quem é Eliézer, que eu não conheço? Releio, ansiosa, sofrida todas as Notas do autor, e nada. Preciso perguntar a alguém porque as Notas não se referem a ele, quem é Stanislaw? Eliézer, mestre-escola, sem braços, um mistério. 

 Chegam os companheiros: Francisquim, filho do vaqueiro, morto na cidade grande; outro, Josino, morto pelo PM Rambo em São Paulo; Antônio Rosa, mordomo, motorista, testemunha da Cantoria pelas Santas Casas, vivo. 

 8º Movimento: o estudo em dobro: médico, engenheiro, poeta, romancista, contador, padre, músico, violeiro, etnólogo, Nobel de Paz, Nobel de Literatura, pugilista campeão, master de informática. E os Antônios, de ontem e de hoje. Entre eles, a Voz de Todos, o Menino amado, Cachoeira de Paulo Afonso, o Navio, os Escravos. Tam, tão amado. 

 As comemoraçõe{s-z}inhas do sesquicentenário e as do ano 10.000. "a montanha de livros empurra os detentos para fora das celas". Antes, Eliézer. 

Eliézer, páginas 57 e 58, Eliézer, páginas 92, 95, 96, 98 a 101, o calvário completo. E quem o carregou nos braços, Soares Feitosa, Tam humano, da raça dos místicos! 

Profundamente comovida, curvo-me duas vezes, ao Chico José da Raposinha e ao Ésquilo-Cantador de Eliézer. 

Em Fortaleza — or elsewhere — onde for, seu amor e compreensão hão-de atrair os deuses mais próximos de Deus. 

PS - Como a carta anterior, sobre a Raposinha (Psi, a Penúltima), esta sobre Salomão foi escrita subitamente, com emoção e sinceridade; não foi preparada para um público; só quis, ainda que sem capricho, agradecer o presente poético que generosamente me enviou. 

De sua irmã em Antônio Frederico; Antônio Fernando Pessoa; Antônio Rodrigues da Silva, meu avô paterno; Antônio Rodrigues Lessa, meu pai; Antônio Rodrigues Lessa Filho, meu irmão caçula, portanto, em família, com você Antônio Francisco José Soares Feitosa.

Adelaide Lessa

 

 

 

 

 

 

 

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Um esboço de Da Vinci

 

 

 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

 

 

Luiz da Silva Araújo


Meu amigo, li os Poemetos. Não posso falar deles com a leveza que você fala por dois motivos: primeiro, porque me falta o jeito; segundo, porque, depois que aqueles figurões falaram... eu vou dizer o quê? Eu não ousaria porque não sou besta e de bobo só tenho o jeito de falar e de andar, ainda assim porque sou mineiro... 

Mas tem um problema, meu amigo, eu não posso resistir e, assim, como quem não quer nada... Rapaz... que maravilha essa negação de FEMINA. Essa negação a que chamo falsa, mentirosa, porque você disse não quando dizia sim. E o sim não foi porque o dissesse, que na verdade, ele não está explícito, mas pela idéia positiva que você arrancou a cada "não", quando foi capaz de materializar toda a sua ânsia, todo o seu desejo e toda essa agonia por essa mulher que parece fugir, talvez queira fugir, ou esteja deveras fugindo, e que você a conserva na essência daquela abstração que, agora, se tornam toda a matéria para a sua vida. 
          E o "modo mulher" - a meu ver - não é outra coisa senão uma armadilha, como o néctar, como o pólen e como o doce de que se revestem as plantas carnívoras, só para agarrar as carnes que elas precisam comer... E finalmente, quando o poeta diz que lavou a alma, aí é que ele não lavou nada... porque se aqueceu em todos os calores, se envolveu com todos os sons, se perdeu em todos os rastros e se benzeu na profanação duns olhos. Aí é que ele não lavou nada, meu poeta amigo, que perdido estava no túnel dos espelhos, na miríade das imagens que se encaixam, infinitamente, uma dentro da outra na superfície do vidro como fora uma areia movediça que engole um corpo para não devolvê-lo nunca mais... e não podia lavar nada... Pra mim, meu amigo, uma jóia, e não sei dizer mais que isto. 

Mas eu vou ler mais vezes. Preciso encontrar umas coisas ali. E eu sabia, meu caro amigo, que aqueles livros eram só um excerto... afinal, eu não vi a numeração das páginas? 

  Vai um abraço.
                                                         Luís