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Fran Martins 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Poesia:

Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia do autor:

Francisco Martins (Fran Martins) nasceu em Iguatu, CE, em 13 de junho de 1913. Desde muito cedo revelou vocação para o jornalismo e a literatura. Colaborou em inúmeros jornais do Ceará e de outros Estados, tornando-se mais tarde uma das figuras principais do grupo e da revista Clã, cujo nº. 1 já surgiu sob sua direção. Professor da Faculdade de Direito do Ceará, consagrou-se como autor de obras jurídicas, conhecidas nacionalmente, dentre as quais se destaca o Curso de Direito Comercial (1957). Sua arte literária se realiza no campo da ficção; contos: Manipueira (1937), Noite Feliz (1946), Mar Oceano (1948); romances: Ponta de Rua (1937), Poço dos Paus (1938), Mundo Perdido (1940), Estrela do Pastor (1942), O Cruzeiro Tem Cinco Estrelas (1950) e A Rua e o Mundo (1962); novela: Dois de Ouros (1966). Faleceu em 1996, em Fortaleza.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), L'Innocence

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

Carlos Augusto Viana

Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará, Brasil

16.11.2008

O discurso ficcional de Fran Martins

 

 

O ficcionista Fran Martins - uma das maiores expressões do Grupo Clã - publicou, em 1938, o romance Poço dos Paus, uma obra enquadrada na mais pura tradição do romance neo-realista do modernismo brasileiro. Tendo como ponto de partida a construção de um açude, em torno de que gravitavam os flagelados da seca ou os que abandonavam seu torrão em busca de um sonho de vida melhor, é um quadro cru de nossa realidade. Eis o motivo central dessa edição

Fran Martins é uma das vozes mais representativas de nossa prosa comprometida com a denúncia e com a crítica social. Tendo sido um dos grandes mentores do Grupo Clã - responsável pela consolidação da estética modernista em nossa terra - , uniu à sua literatura também um projeto de criação literária. O romance Poço dos Paus (1), tecido dentro das orientações da tendência neo-realista, não só possui grande força narrativa como, também, utiliza-se de alguns procedimentos estilísticos que, somente muito mais tarde, iriam constituir recorrência nos melhores ficcionistas de nosso País.

A princípio, o leitor depara o emprego da polifonia, isto é, um entrelaçar-se de vozes narradoras, advindas do anonimato. Ao foco em terceira pessoa - o ponto de vista externo -, unem-se, e de forma ambígua, vários discursos, sem que estes apontem qualquer referente: (Texto I)

Como reflexo de uma frase curta, enxuta, alicerçada na estrutura do essencial, (o autor escreve o que lhe parece tão-somente necessário, evitando, desse modo, quaisquer excessos), bem como visando à extração de efeitos, desenvolve o gosto pela expressão nominal ou pelo uso de pausas dramáticas, com fragmentações sintáticas: (Texto II)

Como se vê, a expressão literária segue a trilha da busca da concisão; os períodos curtos desencadeiam o predomínio de blocos narrativos, cujas construções tendem a um predomínio dos períodos compostos por coordenação sobre os realizados a partir das subordinações. Há, então, uma sucessão rápida e variada de imagens, numa perfeita orquestração entre personagens e espaço ou mesmo o que cada uma delas vivencia na trama.

Por fim, em relação a processos de natureza estilística, ganha relevo o modo por que o discurso direto é organizado. De quando em vez, o foco cede a uma personagem qualquer a tarefa de orientar a narrativa. Estando em plena harmonia com aspectos de ordem social, econômica e cultural, a linguagem do romance revela-se dona de uma extraordinária espontaneidade. Assim, o autor não tem qualquer pejo com a utilização de marcas de oralidade: (Texto III)

Tal recurso de composição permite que, na narrativa, assomem personagens vivas, de carne e osso, sem que venham, portanto, vestidas de qualquer paternalismo lírico, que as afastem de sua verdade. Muitas vezes, impregnam-se do grotesco: (Texto IV). Ainda em relação aspectos inerentes à construção do texto é importante destacar, ao fim da trama, a substituição da expressão seca e concisa, tão presente nos escritos do neo-realismo, pelo tom impressionista. O que se dá para que feixes de sensações, de volições ganhem corpo na composição da volta do protagonista, não só a seu lugar de origem, mas, sobretudo, à sua condição social anterior, ressaltando uma circularidade, um fatalismo, como se a vida se resumisse a um eterno retorno: (Texto V)

Nessa passagem, em diversos fios, registram-se impressões, de tal sorte que as sensações que provocam, na percepção de um instante, captam a verdade de um momento. A realidade onírica justifica a fragmentação dos elementos. No primeiro momento, depreende-se um exercício de escritura que se aproxima, por sua vez, da técnica do fluxo da consciência - recurso que se tornou um processo-chave da geração do terceiro momento do Modernismo, em especial com a prosa de Clarice Lispector.

 

Fran Martins não se deixou contaminar pelos elementos caros ao Romantismo: a idealização e o sentimentalismo exacerbado; do mesmo modo, não atrelou à sua prosa o intenso descritivismo que envolveu a estética realista de acúmulo de fatos, com prejuízos à essência; também não converteu suas personagens em simples marionetes patológicas, como o fizeram, em geral, os naturalistas. Tudo, na prosa de Fran Martins, move-se pelo equilíbrio. Em sua concepção, o homem não é bom, nem mal, apenas contraditório. Uma extrema ternura ou uma incontrolável sanha pode tomar conta de seu espírito - o que provoca nelas atitudes que surpreendem o leitor.

O romance é uma forma literária que, estruturalmente, ´caracteriza-se pela pluralidade de ação, ou seja, pela coexistência de várias células dramáticas, conflitos ou dramas.´ (2) A literatura recria, verbalmente, a realidade por meio da imaginação do artista. Nesse sentido, o objeto da especulação literária é a realidade, ´tomada em sentido amplo, absorvendo as regiões mais fundas do sujeito e as mais exteriores´. (3) Portanto, o texto literário necessita, antes de tudo, da percepção da realidade pelo artista, para, depois, ocorrer a ´montagem desta percepção num todo organizado e novo´. (4) A narrativa de ficção articula, pois, elementos recriados no plano real.

O romance Poço dos Paus, de Fran Martins, é o retrato de uma realidade crua e que, impiedosamente, dilacera desvalidos que sofrem toda espécie de privações. A partir da construção de um açude, numa cidade encravada num sertão distante, aproximam-se personagens cujas vidas são, a rigor, um amealhar de perdas. O protagonista, Climério, sonhando em livrar-se das humilhações que sofria no balcão de um bar, ´amassando o chapéu com os dedos nervosos´, esperava a partida do trem, sôfrego com o universo que se descortinava à sua frente: (Texto VI). Em Poço dos Paus vira servente de escritório, subordinado a um rapaz que, estudante no Recife, não pudera, por conta da seca, concluir os estudos. Os ingleses são responsáveis pelo controle da construção. Principalmente: os responsáveis pela exploração a que, dissolvido o sonho da riqueza, estão submetidos os trabalhadores.

Assim, pouco a pouco, o leitor vai deparando o desfile de seres decompostos, nos quais, lentamente, vai se dissolvendo a condição humana. O mestre dos cavouqueiros, por exemplo, Mestre Pedro só espera o dia em que uma pedra lhe arranque a cabeça e, com isso, ponha, de uma vez por todas, fim à vergonha da prostituição de suas duas filhas, lancetadas pela seca. Maria Nazaré - a barraqueira -, com seu rosto alegre, sempre risonho, carregava, nas cavernas de seu ser, a ferrugem de uma tragédia que, aos poucos, ia lhe consumindo, inexoravelmente, a alma.

O regionalismo, na literatura brasileira, desde o seu primórdio na estética romântica, apontou duas tendências nítidas: a idealização da natureza e do homem ou o aniquilamento destes. Fran Martins segue essa última tendência - o que, aliás, também se tornou lugar-comum nos romancistas de 30: ´A temática do regionalismo nordestino, seja da fase realista-naturalista, seja da modernista, gira em torno dos problemas geográficos, sociais e políticos da região´. (5) A literatura ficcional de Fran Martins enquadra-se, portanto, na linha do regionalismo neo-realista. Há, em sua obra, em especial, uma forte denúncia social.

Espelha, com as cores fortes de sua consciência crítica, uma estrutura social cuja marca é a distância brutal entre as classes sociais: de um lado, os opressores, detentores do poder político, da força econômica, que prolongam um status quo que esmaga qualquer possibilidade de transformação de um quadro já coalhado pela aristocracia rural; de outro, uma legião de oprimidos, expulsos da terra tanto pelo latifúndio quanto pela seca. No caso dos trabalhadores na construção do açude, migram em busca de novos tempos; no entanto, caem na mesma rede visguenta da dominação por parte dos que detêm o poder econômico: (Texto VII)

Fran Martins constrói um amplo painel do sertão. Há, portanto, a intensa presença do telúrico: homem e terra despojados de bens materiais ou do mínimo necessário a uma sobrevivência que não lhes compromete, enfirm, a condição humana.

Infere-se, a partir desses excertos do romance Poço dos Paus, de Fran Martins, que a ´seca e seus satélites físicos e morais criam o fatalismo do sertanejo, sobrevivente imunizado contra as desgraças´. (6) Muitas vezes, como conseqüência, destroem-se os valores morais do sertanejo, já não mais visto como um poço de virtudes: ´O sistema de dominação vigente no sertão aparece como um feudalismo degradado.´ (7) Quanto a aspectos da exploração de temas que configurem uma decomposição geral tanto de personagens quanto de aspectos ligados ao espaço, ressalte-se que o autor não desenvolve, diretamente, a problemática da seca. Esta passa ao largo, mas deixa, indelével, as suas marcas. Afinal de contas, todos os que se encontram na construção, mergulhados num estado calamitoso, ali se encontram ou porque fogem da seca ou porque tentam, de certo modo, defender-se, bravamente, de seus tentáculos.

Veja-se, por exemplo, a tragédia que envolveu a personagem Rosalina em Poço dos Paus. O sertão estava em seca, gente morria nas estradas. O pai de Rosalina migrou com a filha em direção ao açude, tendo, à época, a proteção de um inglês que lhe arranjou um bom emprego. Como flagelado chegou ali, sofrendo todo tipo de negações. Mas o inglês o ajudou; e, com o tempo, tudo prosperou. Um dia, o inglês embarcou dali.

Depois de algum tempo, o pai da moça soube do caso: o outro a havia possuído. Uma tristeza tomou conta do velho. Prendeu a filha em casa, à espera do amante, na esperança de um reparo. Ela, cansada de sofrer, abandonou o pai, indo morar na Rua de Baixo - zona de prostituição.

Como contraste à solidão e a uma espécie de inércia espiritual que tomava conta de Climério - o protagonista -, ele reencontra Rosalina. Ela, então, passa a tomar conta da casa enquanto ele estava no trabalho. Comprou móveis, e se aboletaram quase num espaço do onírico: (Texto VIII)

No entanto, tal passagem serve apenas de um breve lenitivo, pois, em verdade, somente o sofrimento, a desesperança constitui o lugar-comum dessa gente. Uma prostituta do Crato, Florinda, com suas artes de sedução, abrirá um novo leque na narrativa. O que será prazer para um implicará sofrimento para o outro. Em Fran Martins, a relação entre as personagens sofre uma incisiva atuação do espaço. O quadro vital, nesse sentido, é composto pela presença do humano e do natural. A natureza é, portanto, mais do que um pano de fundo. Há uma intensa inter-relação entre o homem e a natureza: uma terra seca, sem seiva, sem tecidos que lhe protejam o corpo, produz no homem o mesmo efeito.

BIBLIOGRAFIA
ATAÍDE, Vicente. A narrativa de ficção. São Paulo: McGRAW-HILL, 1974.
GALVÃO, Walnice Nogueira. As Formas do Falso. São Paulo: Perspectiva, 1972.
LANDIM, Teoberto. Seca: A Estação do Inferno - uma análise dos romances que tematizam a seca na perspectiva do narrador. Fortaleza: Casa José de Alencar, 1993.
MARTINS, Fran. Poço dos Paus. Fortaleza: Edésio Editor, 1938.
MASSAUD MOISÉS, Dicionário de Termos Literários. São Paulo: Cultrix, 1974.
PROENÇA, M. Cavalcanti. Estudos Literários. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1982.

NOTAS

(1) MARTINS, 1938.
(2) MASSUAD MOISÉS,
1974, p.452
(3) ATAÍDE, 1974, p. 4
(4) IBIDEM, p. 9
(5) LANDIM, 1992, p. 9
(6) PROENÇA, 1982, p.117

(7) GALVÃO, 1972, p.53



FIQUE POR DENTRO

Um breve retrato do Grupo Clã

Surgido em 1948 e idealizado por Fran Martins, o Grupo Clã é responsável pela sedimentação das idéias modernistas em nossa terra. Suas atividades giraram em torno da Revista Clã, cujo número O se deu em dezembro de 1946; o número 1 é de fevereiro de 1948; e o último número - o 29 - surgiu em dezembro de 1988. Desse modo, ao longo de quarenta anos, essa Revista publicou as maiores expressões da literatura cearense de sua contemporaneidade. Abriu espaços para as artes em geral, não somente a literatura, abrigando artistas de tendências as mais diversas. Dentre os membros, destacam-se Artur Eduardo Benevides, Antônio Girão Barroso, Braga Montenegro, Eduardo Campos, Milton Dias, Clímaco Bezerra, Antônio Martins Filho.

 

Direto para Carlos Augusto Viana

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

     
 
Wilson Martins

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)