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Hildeberto Barbosa Filho


 


Oleiro de Imagens
 


 

É possível ver em, Quadrante Lunar, novo livro de poemas de Majela Colares, editado pela Calibán, Rio, 2005, uma rigorosa uniformidade de composição, uma simetria verbal e um apego pouco comuns, em sua geração, ao senso de medida estética bem peculiar à certa tradição, tradição clássica por assim dizer, da poesia moderna.

À exceção dos últimos textos (num total de oito), montados no versolibrismo e tocados por um ritmo mais aberto a mais variado, proteja-se, em toda coletânea, o compacto poemático de dez decassílabos, distribuídos, por sua vez, em quatro dísticos e em duas estrofes de um verso, dentro de um esquema rímico em que exatidão sonora e posições acentuais, pausas e enjambements como que respondem pelo viés construtivista de sua poética individual.

É verdade: Majela Colares, sobretudo em obras anteriores, a exemplo do O Soldador de Palavras (1997), A Linha Extrema (1999) e O Silêncio no Aquário (2004), já vinha perseguindo este caminho demarcado pelo ostinato rigor, cujo modelo emblemático se cristaliza, em outras plagas, na dicção de um Valéry, e, em termos locais, na voz precisa de um João Cabral de Melo Neto.

Afirma-se, portanto, como um poeta do fazer, um poeta da construção mais do que da expressão como diria Haroldo de Campos, sem que tais categorias críticas sirvam a apelos de natureza axiológica. E por que? Ora, porque se o labor arquitetônico em torno das estruturas técnico-literárias e das possibilidades do estilo pode pesar em demasia, não pesa, contudo, o suficiente para abafar ou elidir as instâncias emotivas que habitam o corpo da linguagem, os sítios imprevistos das metáforas e das imagens inventivas que tecem, por um lado, a musicalidade e, por outro, a plasticidade de sua expressão.

Marco Lucchesi, em breve comentário, fala em "partitura emocionada", capturando, na poesia de Majela Colares, a presença de um "mundo entressonhado e visto", por conseguinte a presença de dados e de conteúdos que brotam diretamente, embora intermediados pelo processo de transfiguração poética, das nascentes afetuais e perceptivas do eu e da vida. A estes referenciais motivadores associam-se, em particular, as exigências éticas de uma visão cósmica, que faz da poesia do autor de Confissão de Dívida uma espécie de canto ecológico em que se podem ressaltar, em rara fusão e harmonia, a força moral da mensagem poética e a poética da beleza materializada esteticamente nos cumes da palavra.
Mesmo a gramática, não raro previsível dos atalhos metalinguísticos tão cobiçados em certos segmentos da poesia contemporânea, se instala em meio às ressonâncias de um lirismo cósmico a jungir metapoesia e natureza num complexo temático dos mais sugestivos. Veja-se o texto da página 27, intitulado "A invenção do poema":

quero a página livre e a mão discreta
uma manhã rabiscada, um céu de agosto

meia dúzia de verbos, mente inquieta

e um sorriso ancorado no meu rosto
é tudo que preciso e não é muito

quero, ainda, a infância de um sol posto

no instante que a idéia, o poema...
(poema não é feito como torta)

só preciso da beleza nua, extrema...
e um silêncio sem fim de língua morta

 

E mais poderia dizer de outros momentos, tais como: "Tinta sobre tela", "Anatomia de um domingo", "Poema da manhã nascente", “Poema para uma tarde antiga” e "O cheiro e a cor do poema".

Ao natural dos motivos tecidos no cromatismo da linguagem e na musicalidade dos vocábulos – de resto, ingredientes fundamentais da lírica Colareana – acumpliciam-se as alusões intertextuais e literárias sinalizando, também como um recurso retórico desta dicção, para os artefatos da cultura e para o intercâmbio das sugestões simbólicas que reforçam evidentemente o processo de criação poética.

À maneira de um calculador de sonhos ou de um oleiro de imagens, Majela Colares edifica seus poemas num cotejo dialógico de que participam, na qualidade de interlocutores essenciais, personalidades como Salvador Dali, Shakespeare, Edgar Allan Poe, Augusto dos Anjos, César Leal, Garcia Lorca, Frei Caneca e Cláudio Aguiar. Isto, sem que me refira aos entes anônimos de sua mitografia pessoal ou , em outra clave, ao poeta cearense Francisco Carvalho, autor de Quadrante Solar, título que permitiu, obviamente, ao engenho e à sensibilidade do poeta, à epifania desta réplica lírica.

Jorge Luís Borges tem mesmo razão: as poéticas individuais apenas colaboram para a realização universal do arquipoema da humanidade. Esta função, que se consolida sobretudo como função estética peculiar a todos os poetas – maiores e menores, anônimos, canônicos e marginais – transmuda-se também em legítima experiência ética, na medida em que todos, a seu modo e dentro de seus limites, somos responsáveis pela criação da beleza e pela fundação da justiça social. Com Quadrante Lunar, Majela Colares, cearense radicado em Pernambuco, continua participando desta tarefa esperançosa e deste devaneio irrecusável.

 



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04/10/2006