NOÉ O PRIMEIRO SUPER-HOMEM
Muitos anos depois das escaramuças de
Eva no paraíso, quando por sua culpa Adão comeu a fruta proibida e
os homens foram condenados ao fogo do inferno, e a ganhar seu
sustento com o suor do próprio rosto, a vida transcorria monótona
para Noé e sua família: a mulher, três filhos e as três noras.
Homem, justo, sensível, temente a
Deus, que vivia para família. De casa para o trabalho. Do trabalho
para casa. Se bem que trabalho e casa eram praticamente a
continuação um do outro, visto que o único trabalho era o pastoreio;
a agricultura ainda era explorada comercial e marginalmente com
desmatamento desenfreado para plantação de soja, maconha, ópio,
cocaína, pasto para gado.
Sem as modernidades atuais, o único
passatempo de Noé era trabalhar e com seus seiscentos anos, de vez
em quando dar uma trepada na coitada da mulher, que numa idade muito
avançada também, já não agüentava mais os assédios sexuais de Noé, a
quem poderíamos chamar velho tarado. Olhe, numa época sem Viagra, e
o sujeito com seiscentos anos, ainda encarava uma velha. É mole? Um
tesão deste faz inveja até ao anão da Débora Soft. Pra quem não
conhece, Débora Soft era uma “stripper” aqui do Ceará que se elegeu
vereadora e deixou o ramo.
Como dizíamos, a monotonia tomava
conta das entranhas dos demais habitantes daquela região onde hoje
se encontra a Turquia, perto do Monte Ararat, mesmo tendo a evolução
humana, em número de habitantes, crescido bastante. Não se via mais
só um casal: Adão e Eva, mas muita gente: homens e mulheres aos
milhares.
Os filhos de Deus, vendo aquela legião
de belas filhas dos homens, começaram a desposá-las. O termo filhos
de Deus e filhas dos homens está sendo usado como na Bíblia; que se
refere aos homens como filhos de Deus, e às mulheres como filhas dos
homens. No mínimo, se quem escreveu a Bíblia gostasse mesmo de
mulheres, deveria chamá-las semi-deusas. Acho que os escritores
bíblicos pertenciam à família daqueles padres de Boston que
transavam à força com garotos e como prêmio de consolação, João
Paulo II transferiu o bispo da cidade para Roma, mas não vamos
entrar neste assunto, mesmo porque parece que Deus tem raiva de
mulher porque não tinha mãe. Mas voltando ao nosso tema, Deus num
ato de imenso ciúme, e a baitolagem começou aí, disse: “Meu espírito
não permanecerá para sempre no homem, porque todo ele é carne, e a
duração de sua vida será só de cento e vinte anos.”
Antes de continuar nossas
perquirições, façamos um pequeno aparte, e tracemos comentário sobre
a personalidade divina: violenta, rancorosa, acima de tudo doentia e
passional. Somente porque Adão e Eva comeram o fruto proibido, foram
condenados ao pecado e com isso a queimar eternamente no fogo do
inferno. Ora, a justiça humana é muito mais justa. Veja o seguinte,
se uma pessoa, por exemplo, mata outra aqui no Brasil a pena poderá
chegar a trinta anos no máximo. No paraíso, se o cara come uma maçã,
uma maçã, não é uma moça, vai para o fogo por toda eternidade, e
como se não bastasse a pena é extensivo a todos seus descendentes.
Imagine se a comida fosse mesmo uma moça. Maldade ou não? Pura.
Vingança. Injustiça. Rancor.
Por outro lado, Deus é ciumento, pois
como diria Haroldão, o hétero, não admitia concorrência das
rachadas. Quando viu que os homens estavam desposando as mulheres
resolveu acabar com a Terra, mandando o dilúvio.
Ora, só por isso Ele mandou o dilúvio.
Se visse a baitolagem de hoje campeando solta no mundo; as lésbicas
atacando por todos os lados; os simpatizantes apoiando, e nem por
isso o mundo tem outro dilúvio. Claro, aqui no Brasil tem mensalão,
Renan Calheiros, valerioduto, propinoduto, sanguessugas, Lula; Nos
Estados Unidos guerra do Iraque, Busch; na Ásia Bin Laden, tsunami,
coisas menores que o dilúvio. Portanto, os critérios divinos são
incompreensíveis. Mas aqui nos interessa a arca de Noé, portanto,
vamos adiante.
Vendo aquilo, ou seja, o amor entre
homens e mulheres - imagina se Ele fosse ao Festival de Jazz e Blues
em Guaramiranga, e visse macho chupando a língua de outro; mulher a
de mulher; a putaria correndo solta, Deus entendeu ser coisa
maléfica, como os padres entendem também, e como dito resolveu
exterminar todos seres vivos da face da terra, isto é, além dos
homens, os demais animais que não tinham nada a ver com a putaria,
mas também receberam o castigo. Se é que se pode chamar putaria um
homem namorar uma mulher. Mesmo se fosse num cabaré ainda seria
normal.
Mas, arrependendo-Se, vira em Noé um
homem justo. Voltou atrás e resolveu dar uma chance à humanidade,
por causa e através de Noé, que mesmo assim levou sua porrada.
Explicando:.Noé era o único ser humano justo naquela barafunda toda,
de acordo com os critérios divinos. Segundo os termos bíblicos, está
bem claro, a raiva divina culminou com a decisão de exterminar todos
os seres vivos sobre a terra, e devido ao fato dos filhos de Deus
estarem desposando as filhas dos homens. Assim sendo, Noé e seus
filhos eram os filhos de Deus, casados com as filhas dos homens, mas
Deus não condenava estes casamento – Noé e seus descendentes. Porque
então raiva tão intensa e insana contra restante dos homens, os
demais animais e aparentemente menor contra Noé? Aparentemente menor
porque os demais homens foram extintos e Noé castigado
impiedosamente, mesmo sendo justo. É o próprio Deus afirma a justeza
de Noé, através da Bíblia, mas mesmo assim ainda foi obrigado a
construir a tal arca.
Ora, sendo Deus, justo e bom,
primeiro: não deveria castigar Noé. Segundo: se fosse exterminar os
homens e dar uma chance a Noé, por que Ele mesmo não fez a arca e
colocou o que tinha que ser colocado dentro? Terceiro: que porra os
animais tinham a ver com os problemas da humanidade, se não
contribuíram para eles? Porque penalizá-los? Veja quanta injustiça.
Entretanto, Deus, num momento de
infinito amor, decidiu poupar o homem e o restante da natureza, e
com Noé fez uma aliança. Noé e sua família fariam uma arca de
duzentos metros de comprimento, por trinta e três metros de largura,
por vinte metros de altura, com uma abertura de sessenta
centímetros, toda de madeira resinosa, que deveria ser besuntada por
dentro e por fora.
Feita a arca, dentro dela seriam
colocados, além de Noé e seus parentes, um casal de cada ser vivo
existente sobre a terra: ave, réptil, quadrúpede. Essa mesma ordem,
no entanto, posteriormente, foi modificada, ao invés disso ficou,
então, estabelecido que seriam sete casais de cada ser puro e dois
casais de cada ser impuro.
A classificação de puros e impuros ficaria por conta de Noé.
Acredita-se que foi assim, porque naquela época não havia nem lápis
nem papel, e se Deus fosse dizer quais eram os seres puros e os
impuros, Noé não teria condições de decorar tantos nomes. Por outro
lado, como Noé faria a distinção entre um e outro, se não tinha
conhecimento sobre o assunto? O negócio seria no chute mesmo.
Mas voltando às dimensões da arca,
todas devidamente retiradas da Bíblia sagrada, apenas transformadas
para o sistema métrico decimal atual, começamos a estabelecer
algumas conjecturas, se possível ou não sua confecção. Afora a
perquirição da possibilidade de se atender as demais determinações,
com relação aos animais a serem colocados dentro, à alimentação, ao
tratamento por quarenta dias e quarenta noites, que serão vistas no
decorrer da análise.
Por isso, passemos em primeiro lugar à
arca propriamente dita. De acordo com as medidas estabelecidas, para
se construir a tal arca de duzentos metros de comprimento,
considerando que fossem usadas toras de madeira de quarenta metros
cada uma, com diâmetro de um metro, seriam necessárias mais ou menos
umas mil toras de madeira. Número estimado, superficialmente, apenas
para efeito de raciocínio, e calculado por suposição, sem nenhum
detalhe técnico ou equação matemática mais aprofundada, soma,
multiplicação e divisão.
Se considerarmos que um homem de
estatura mediana, ou seja, de um metro e setenta e cinco a um metro
e oitenta pesa aproximadamente oitenta quilos, uma tora de madeira
de quarenta metros deve pesar em torno de mil e quinhentos quilos,
mais ou menos. Arredondado para efeito de cálculo.
Feito isso, começam as indagações. Como poderiam oito velhos, digo
oito velhos porque Noé tinha seiscentos anos quando tudo aconteceu.
Se ele tinha seiscentos anos, provavelmente a velha dele beirava
isso; os filhos, considerando que foram concebidos quando o casal
tinha uns cem anos, já estavam com mais de quatrocentos anos; a
idade das esposas também estaria próxima disso. Derrubar, serrar,
transportar e empilhar tão grandes toras de madeiras, quando não
havia meio de transporte, ferramenta, empilhadeira, guindaste seria
possível?
Os mais crentes poderão até questionar
o problema das pirâmides, mas não esqueçam que para construção delas
havia muito mais homens trabalhando. Aqui não. São somente oito, ou
melhor, quatro homens e quatro mulheres e a força de um homem é bem
superior a de uma mulher.
Mas supondo que este primeiro problema tenha sido superado. Pra Deus
tudo é possível, dirão os fanáticos religiosos. Só não se sabe
porque Ele mesmo não fez a tal arca, ou evitou sua fabricação não
mandando o dilúvio, ou mesmo exterminando os homens e os animais de
uma maneira mais fácil, para evitar problemas a quem não tinha nada
a ver com o assunto. Mas minimize esse problema também, embora no
conceito de arquitetura e engenharia Deus não entendem porra
nenhuma. Se fosse projetar e construir Brasília o caos seria ainda
pior.
Superado o problema da madeira, tem-se
outro bem maior. Depois de empilhada umas sobre as outras, mandou
que fosse untada por dentro e por fora com betume. Betume segundo
Aurélio é: “mistura líquida, sólida ou semi-sólida de
hidrocarbonetos, solúvel em solventes orgânicos, natural ou obtida
em processo de destilação: pez mineral.” Hoje mesmo muita gente
ainda não sabe nem o que é isso, imagine quando ocorreu o dilúvio.
Entretanto, em outra parte de seu dicionário Aurélio diz que pez é
piche, alcatrão. Naquele tempo como seria possível se encontrar ou
se fazer tal produto?
Mas resolvida essa quimera, surgem
outras. A arca é na realidade um caixão de três andares, sem ao
menos ter a linha d’água, ou seja, a parte do casco que fica
submersa, calculada de acordo as especificações do navio para que
ele não afunde. Falta-lhe ainda um leme, ou timão, como queiram, que
servisse para direcionar a coisa. Sem ele ficava ao sabor dos
ventos, das ondas, dos repuxos das águas, isto é, sem qualquer
direção. Além da falta de tais componentes, e aqui se falou do
mínimo, pois um barco por menor que seja é bem diferente disto que
estamos descrevendo. E este ainda tinha três andares, com uma
pequena abertura de cinqüenta a sessenta centímetros, pesando, se os
cálculos apresentados aqui fosse corretos, aproximadamente mil e
quinhentas toneladas. Mil e quinhentas toneladas, não confundir com
mil e quinhentos quilos.
Essa barcaça, ou melhor, carcaça ainda
estava repleta de animais. Animais pesados e animais leves. Animais
ferozes e animais mansos. Animais carnívoros e animais herbívoros.
Animais inofensivos e animais peçonhentos. Enfim tudo que havia
sobre a terra: répteis, quadrúpedes e aves, assim mesmo como na
Bíblia, e cuja base alimentar de um para outro era bem diferente.
Mesmo os herbívoros não comiam as mesmas ervas. Carnívoros comiam
coisas diferentes. Enquanto uns gostavam de javali, por exemplo,
outros de zebra, gnus, gazela, ou seja, a variedade de comida para
os animais tinha de ser diversa. E vai por aí. Como seria possível
se conciliar tantas divergências?
Agora imagine como seria possível
também se juntar cobra com qualquer animal. Leões com gazelas.
Leopardos com hienas. Cachorro com gato. Veado com tigre. Gibão com
urso. Lobo com urso., com rena.
Se o leitor prestou atenção, viu que não se falou dos insetos, afora
as pulgas e os piolhos, aquelas, se os cachorros foram, iriam
juntas, e esses com a família de Noé e em quantidade bem superior à
pedida. Mas estamos falando de mosca, mosquito, aranha, lagarta,
barata, abelha, borboleta, formiga, cupim, mariposa, vaga-lume,
muriçoca, inseto da dengue, mosca tse-tsé, ou mosca do sono
encontrada só na África, abelhas africanas.
E seria possível se colocar um exame de abelhas africanas dentro da
arca e impedi-las de atacar o restante dos animais? Bastaria somente
Noé chegar para a rainha e dizer: “Não perturbe os animais aqui
dentro, pois se forem perturbado não poderão se socorrer. Se saírem
da arca cairão na água e morrerão afogados.” A rainha acatou a
decisão, chamou suas súditas, deu o recado, e elas obedeceram.
Fantástico. A mesma instrução, passou às formigas e foi obedecido!
Tem mais e ainda pior. A ciência
estima que haja sobre a Terra cerca de dez milhões de espécies
vivas, podendo, também de acordo com cientistas essa soma chegar a
cem milhões. Mesmo com uma divergência monstruosa dessas, eles estão
de acordo num ponto: a ciência somente conhece cerca de um milhão e
oitocentas mil espécies. Assim mesmo, trabalhando-se com esse último
número, é uma coisa fabulosa. Um milhão e oitocentas mil espécies de
animais, que multiplicadas por dois, pois deveriam ir aos casais, e
olhe que não se considerou a segunda hipótese bíblica de se colocar
animais puros e impuros na arca, teríamos três milhões e seiscentos
mil animais.
Quanto ao peso destes animais não se
tem a mínima idéia. Mas vamos chutar só para desenvolver um
raciocínio, que na média esses animais pesassem um quilo. Então
teríamos três mil e seiscentas toneladas, que somadas as mil e
quinhentas da Arca, daria um total de cinco mil e cem toneladas.
Para se ter uma idéia, um navio moderno de duzentos e vinte metros,
pesa em torno de cinqüenta e três toneladas. Esse tinha cinco mil e
cem.
Com esse peso, será que a arca
afundaria? Claro que sim. Mas o mais importante nem é isso. É se
pegar os animais. Como poderiam se pegar tais animais. Considere o
tamanho, a ferocidade, a peçonha, a velocidade, a distância que se
encontravam de Noé. Uns na África. Outros nas Américas. Uns na
Europa e Ásia. Outros na Oceania. Dá pra fazer?
Vai lá, peça ajuda a Deus e tente! Não dizem que quem tem fé move
montanhas.
Com tudo isso, ainda tem mais um outro
agravante: com se pegar, por exemplo, um condor escondido nas
montanhas geladas dos Andes. Seria possível? E como colocar, por uma
abertura de sessenta centímetros, um elefante? Imaginou? Viu? Deu?
Ah! Quase foi esquecido que a arca foi
besuntada, portanto, estava hermeticamente fechada. Ali, os animais
faziam suas necessidades. A catinga de merda deveria ser
insuportável. Os gases emanados das evacuações, dentro daquele
ambiente fechado, poderiam causar sua explosão. Mas tirando esse
pormenor, vamos considerar que ficaram presos ali. Os raios e os
relâmpagos da tempestade, mesmo se atingisse longe da arca,
fatalmente a incendiaria.
Afora tudo isso, ainda nem foi falado
do problema da água para os animais beberem, que Deus esqueceu.
Local para colocar não havia. Uns pensarão. Ora, se estava chovendo
seria fácil aparar água da chuva. Sim. Mas a quantidade necessária
seria enorme, e a portinhola teria que ficar aberta por tanto tempo
que acabaria inundando a arca, ajudando-a a afundar mais rápido
ainda. Sem contar que não havia local para armazená-la com já
frisado.
Contudo, ara não mais aprofundar o
tema, abaixo vai transcrita a passagem bíblica sobre o assunto.
A Bíblia diz no Gênesis 5.6: “ O
Senhor viu que a maldade dos homens era grande na terra, e que todos
os pensamentos do seu coração estavam continuamente voltados para o
mal. 6. O Senhor arrependeu-se de ter criado o homem na terra, e
teve o coração ferido de íntima dor. 7 E disse: “Exterminarei da
superfície da terra o homem que criei, e com ele os animais, os
répteis e as aves dos céus, porque eu me arrependo de os haver
criado.” 8. Noé, entretanto, encontro graça aos olhos do Senhor. 14.
Faze para ti uma arca de madeira resinosa: dividi-la-ás em
compartimentos e a untará de betume por dentro e por fora. 15 E eis
como a farás: seu comprimento será de trezentos côvados, sua largura
de cinqüenta côvados, e sua altura de trinta. 16 Farás no cimo da
raça uma abertura com a dimensão dum côvado. Porás a porta da arca a
um lado, e construirás três andares de compartimentos. 17 Eis que
vou fazer cair o dilúvio sobre a terra, uma inundação que
exterminará todo o ser que tenha sopro de vida debaixo do céu. Tudo
que está sobre a terra morrerá. 18 Mas farei aliança contigo:
entrarás na arca com teus filhos, tua mulher e as mulheres de teus
filhos. 19 De tudo o que vive, de cada espécie de animais, farás
entrar na arca dois, macho e fêmea, para que vivam contigo. 20 De
cada espécie de aves, e de cada espécie de quadrúpedes, e de cada
espécie de animais que se arrastam sobre a terra, entrará um casal
contigo, para que lhes possas conservar a vida. 21 Tomarás também
contigo de todas as coisas para comer, e armazená-la-ás para que te
sirvam de alimento, a ti e aos animais”.
Diante de tudo isso, só há uma
conclusão se foi verdade. Devemos tudo a Noé. Nossa vida foi ele
quem nos deu. Na bíblia, os católicos, os crentes, de uma maneira
geral, fazem apologias a Salomão, a Davi, a Jesus. E Noé faz parte
de um time de segundo ou terceiro escalão, quando na verdade é o
mais importante.
Salomão pelo que se sabe viveu uma
vida de fausto, com setecentas mulheres, considerado um grande
sábio. Nisso estamos de acordo. Viver com setecentas mulheres sem
problemas é muita sabedoria mesmo. Comer muita gente, foi sua única
participação digna de menção bíblica, pois não fez mais nada. Ah!
Teve o caso da mulher que queria ficar com o filho da outra e como
ninguém sabia quem era realmente a mãe, ele mandou matar o menino. A
mãe verdadeira, desesperada, não quis ver o filho morto, renunciou à
maternidade em favor da mãe adotiva. E o caso foi solucionado.
Davi matou Golias. Numa jogada de
sorte. Senão, com uma estratégia bem feita é até relativamente fácil
se matar alguém. Veja os trezentos de Esparta, um pequeno exército
do rei Leônidas que desafiou o exército persa, e lutou bravamente
até o último homem, vencido somente pela traição de um conterrâneo.
Jesus dizem que multiplicou os pães.
David Cooperfield faz isso na maior. Faz até sumir navio. Quanto a
morrer na cruz, Joana D”Arc, que nem filha de Deus era, considerando
a Bíblia, era filha dos homens, portanto, uma pessoa normal com
menor capacidade de agüentar sofrimentos, passou seis meses sendo
estuprada todos os dias por homens do exército francês. Depois foi
queimada viva numa fogueira. Qual dos dois sofreu mais? E isso é
verídico, enquanto Jesus não se sabe nem se existiu realmente.
Aqui vale até aquela máxima: “Quem
mata um é assassino. Quem mata mil é herói.” Joana D’Arc sofreu
muito mais e nem é essas heroínas toda.
Portanto, disso tudo só há uma
conclusão: se a Bíblia é o livro dos livros, a palavra de Deus que
não pode ser emendada, por não conter mentiras ou erros, Noé foi o
maior homem do mundo, primeiro SUPER-HOMEM DA HISTÓRIA. Seus feitos
são superiores aos de Bat-Man, de Super-Homem, de Homem-Aranha.
Mas, dirão os crentes a palavra de
Deus é uma metáfora e não pode ser interpretada literalmente. Aí
outro erro crasso e bem maior. Se é para ser interpretada pode haver
interpretação falsa, errônea, dar margens à dúvidas, à
aproveitadores, quem interpreta pode ter outras intenções e por aí
vai. Assim tudo deveria ser direto, claro, explícito. Como diz
Anatole France: “O estilo tem três virtudes: clareza, clareza,
clareza. “ Todas faltam a Deus.
Outros dirão que o Antigo Testamento,
em que consta o Gênesis, não tem mais validade e o que está escrito
ali não tem mais serventia. Ora, será que Deus tem mais de uma
palavra para a mesma coisa? Parece político do PT quando faz
discurso antes de eleição. Uma coisa dita para ganhar eleição, não
tem o mesmo significado semântico depois da eleição ganha.
O CARA QUE QUEBROU A TELEIMPRESSORA
As teleimpressoras foram aparelhos de
comunicação com vida efêmera. Surgiram por aqui durante a década de
setenta, e sobreviveram até o aparecimento do fax, que se não me
falha a memória ocorreu por volta de oitenta e oito, oitenta e nove,
pelo menos aqui no Ceará.
Pois bem, as teleimpressoras, para os
mais novos, eram utilizadas geralmente por grandes empresas que
necessitavam passar para outras empresas, ou filiais bastante dados
que não poderiam ser informados por telefone e por telegrama – meio
de comunicação mais usual da época para este tipo de informação –
tornava-se mais difícil. Carta outro meio de comunicação da época
levaria muito tempo, e também não se tinha certeza da entrega, a não
ser quando registrada, mas para este tipo a demora ainda era maior.
Portanto, um das maneiras de
comunicação mais rápido daquele tempo era por intermédio de uma
espécie de máquina de escrever acoplada a um aparelho parecido com
um aparelho de telex, cujos dados eram transmitidos pela Embratel –
Empresa Brasileira de Telecomunicação – estatal doada pelo governo
de Fernando Henrique Cardoso a grandes grupos econômicos, sob
alegação de baratear o custo Brasil. Mas este assunto não é o tema
deste causo.
O custo das mensagens enviadas por
teleimpressora tornava-se caro, quando enviadas durante o dia, pois
as tarifas da Embratel eram altas. A solução era remeter durante à
noite porque havia redução de tarifa depois de determinado horário.
Assim sendo, como as tais teleimpressoras dispunham de dispositivo
que permitiam a gravação de dados para transmissão programada em
determinado horário, no horário de expediente normal das empresas,
os funcionários datilografavam – o termo é este mesmo pois não
passava de uma máquina de datilografia mais sofisticada – os dados,
programavam a máquina para transmitir os dados em horários
pré-estabelecidos com custos mais acessíveis.
No horário previsto, a máquina
automaticamente entrava em funcionamento. Determinada empresa aqui
do Ceará, do ramo de veículo, quando chegava o fim do mês, nunca
época em que a infração era galopante, precisava receber informações
da concessionária, assim como passar pedidos e outros dados.
Geralmente, muitas informações que levavam hora a fio para serem
passadas. Assim sendo, as tais máquinas no fim do mês, à noite,
trabalhavam muito. Isso não significa que também não fossem
utilizadas durante o dia.
Um empregado da concessionária, que
trabalhava no serviço de limpeza, estava bastante acostumado a ver
as máquinas trabalhando, mas, geralmente, sempre havia um empregado
ou uma empregada operando a máquina durante o dia. Excelente
empregado, de poucos conhecimentos, entretanto, principalmente, no
que se referia ao funcionamento daquele instrumento.
Certa vez, tal empregado foi instado a
substituir um vigia noturno que estava de férias. Como bom
empregado. Há anos na empresa, aceitou de bom grado a incumbência e
foi tirar as férias do colega.
Passado alguns dias no trabalho
noturno, fim de mês, por volta de umas doze horas da noite, horário
mais adequado, devido o baixo custo, para o funcionamento de tais
máquinas, a da sala da gerência-geral entra sozinha em
funcionamento. Desesperado ele olhou para aquela coisa que de
repente começara a trabalhar e não entendeu nada, pois como dissera,
sempre que ele via a máquina funcionando tinha alguém no comando.
Corre de um lado para o outro, atrás de uma explicação, achando se
coisa do outro mundo. Como a máquina não parava de trabalhar, sem
saber como parar aquilo, puxou do cacete que usava para seu serviço
e meteu o pau na máquina. Quebrou todinha. Não deixou um pedaço
inteiro e ainda arrancou os fios da tomada.
Depois de tudo feito, o medo aumento,
ele correu para a esquina, deixou a empresa sem vigilância e de lá
não saiu até chegar o primeiro empregado no dia seguinte. Ainda
apavorado contou o sucedido. O sujeito rindo, explicou que a máquina
era automática e trabalhava sozinha quando programa,
tranqüilizando-o.
Nisso surge outro dilema. Se a máquina
era automática e ele tinha quebrado a máquina, fatalmente, seria
demitido assim que a direção da empresa tomasse conhecimento do
fato. Quando os diretores souberam, deram boas gargalhadas e o fato
ainda foi notícia no jornalzinho da empresa. E o empregado perdoado,
continuou lá até se aposentar.
O CURRAL
Por proceder de uma cidadezinha do
interior do Ceará, Baturité, ao personagem desta história
identificaremos por seu próprio topônimo: Baturité. Baturité
transferiu-se de sua terra natal para Fortaleza no fim dos anos
sessenta. A cidade tinha uns vinte mil habitantes, mais ou menos.
Fortaleza, a capital do estado, era uma metrópole com suas duzentas
e cinqüenta mil pessoas. A viagem para Fortaleza foi num sábado,
pois a mãe dele, muito supersticiosa, não queria se mudar noutro dia
da semana.
Baturité, entretanto, permaneceu na
sua cidade até segunda-feira. Na ocasião, junho, mês de festas,
estava havendo quadrilhas na cidade, e ele foi obrigado a permanecer
lá para disputar um concurso.
Por não conhecer Fortaleza, matuto que era, e sem saber o novo
endereço dos pais; e se soubesse também não faria qualquer
diferença, pois não tinha como chegar lá, Baturité ficou dependendo
da irmã mais velha apanhá-lo no ponto do ônibus, ou melhor, na
agência. Naquele tempo, Fortaleza nem terminal rodoviário tinha;
modernidade que chegou somente em 1974.
Com medo da irmã não está esperando
por ele na agência, Baturité desceu do ônibus apavorado. Se por
acaso ela não estivesse lá, ele ficaria sozinho na rua sem saber,
nem ter pra onde ir. Se isso acontecesse, a única solução seria
voltar para Baturité, mas também seria difícil: pois ele estava
totalmente liso. Felizmente, quando chegou, a irmã já o aguardava.
Feliz, partiu para o novo lar. Pouco dias depois, já entrosado na
cidade, com algumas amizades no bairro, tinha até a turma do
futebol. No colégio, logo no primeiro dia de aula, foi suspenso por
três dias por causa de uma cadeira; brigou com um colega. Mas isso
nada tem a ver com este caso.
Num fim de semana, uns colegas chamaram Baturité para dar uma volta
no Centro da cidade. Depois de combinado, saíram sábado à noitinha;
ele e mais dois caras. Baturité, como já dito, não conhecia a
cidade, menos ainda, o local para onde iam: Arraial Moura Brasil.
O local conhecido popularmente como
Curral, um baixo meretrício freqüentado pela escória da cidade, ou o
que havia de pior da malandragem da época. O nome foi dado porque
ali funcionara um campo de concentração – é campo de concentração
mesmo, na década de trinta. Fato que somente anos mais tarde foi
reconhecido publicamente. Aliás, no Ceará existiram oito campos de
concentração: dois em Fortaleza e outros seis no interior do estado.
Embora não seja o tema de nosso
assunto, mas o fato merece uma pequena explicação.Em mil novecentos
e trinta e dois, uma grande seca expulsou sertanejos, popularmente
conhecidos por retirantes, do interior do Estado, que fugindo da
seca causticante no sertão, na capital buscavam sobrevivência.
A seca naquela época, e ainda hoje
mata muitos nordestinos. A sociedade local, mais precisamente a
classe média alta, para se prevenir, pois não queria tais
indesejáveis na porta de suas bonitas casas, fazia de tudo para
impedi-los de entrar na capital do Estado.
Assim foram criados campos de
concentração. No interior, principalmente, onde havia estrada de
ferro eles foram confinados para não viajar para Fortaleza. Os que
conseguiam burlar a vigilância, quando chegavam à capital, eram
presos e isolados como animais nos dois campos existentes em
Fortaleza: um deles o tal Arraial Moura Brasil, que ficou conhecido
por Curral.
Desta forma, os figurões da época, e a
sociedade não eram molestados. Ali, ou seja, nos locais
determinados, os retirantes podiam fazer tudo, contanto que não
saísse de lá pra nada, pois o governo se comprometeu assisti-los
descentemente. Acordo não cumprido, como sempre ocorre no Brasil. O
dinheiro destinado à população foi desviado. Isso, entretanto, deixa
pra lá pois não é nosso objetivo, como já dito, apenas demos uma
pequena explanação sobre o assunto para que as pessoas conheçam um
pouco mais a nosso verdadeira história.
Mas voltando ao nosso assunto, o local
era perigoso, embora o perigo daquela época fosse relativamente
pequeno comparado aos perigos atuais, o mais que poderia acontecer
era um furto, um descuido, uma briga, uma coisa desse tipo.
Entretanto, aquele mundo era totalmente desconhecido de Baturité,
que ficou de olho no vai-e-vem de putas, clientes, cafetões,
bandidos e todo tipo de freqüentador do local, talvez até encantado
com todo aquele movimento todo.
De repente, uma das mulheres do local,
bastante nova, se engraçou de Baturité, que meio desconfiado e
tímido ficou um pouco sem graça, quando foi convidando para fazer
nenê. Expressão usada pelas freqüentadoras do local para atrair
clientes.
Sem dinheiro, todavia, o negócio não
deu certo. Mas Baturité ficou encantado com a gata do Curral e doido
para dá uma com aquele monumento. De graça! Não teve como o negócio
vingar, pois daquele faturamento dependia a sobrevivência dela.
Entretanto, marinheiro de primeira viagem, marcou encontro para o
sábado seguinte, quando tentaria arranjar dinheiro para pagar a
moça.
No sábado seguinte, já com dinheiro no
bolso, conseguido com o pai, se mandou para o Curral e às sete horas
em ponto já estava lá. Procurou pela mulher e nada. Ficou rodando o
local pra cima e pra baixo na esperança de encontrá-la. Cansado da
procura, escorou-se num poste, à espera da sorte, ou que ela
aparecesse. Nada. E por lá permaneceu por mais algum tempo
conversando com seus dois companheiros.
Certo tempo depois, surge um fusca
branco, e do carro descem três camaradas, todos vestidos de branco.
Inclusive, também, os sapatos eram brancos. Um deles ao passar por
Baturité diz:
- Rapaz, vá embora daqui. Isso aqui
não é lugar para você, e saiu.
Baturité não se deu conta de nada, até
porque não sabia do que se tratava mesmo e continuou
despreocupadamente onde estava. Pouco depois, eles voltam e
dirigindo-se novamente a Baturité, perguntaram sua idade.
- Dezesseis anos, respondeu sem ainda
ter desconfiado de nada.
- Tu conheces estes dois caras que
estão contigo?
Naquele momento, sem saber porque, ele
entendeu o problema, e como seus amigos eram maiores de idade, veio
uma luz, dando conta de que não poderia responder sim, pois poderia
prejudicá-los.
- Não. Respondeu naturalmente.
- Tens certeza?
- Claro que sim. Diante da resposta
incisiva, desistiram dos dois.
A conversa terminou, e eles se
identificaram como membros do juizado de menores. Explico:
antigamente, havia um grupo de trabalho voluntário chamado Juizado
de Menores que percorria lugares suspeitos: cinemas, bares, cabarés,
para ver se o local era freqüentando por menores de idade, que se
flagrados eram levados pra casa, onde os membros do juizado
procuravam conversar com os pais do garoto sobre o assunto,
orientando-os e pedido-os para terem mais cuidado na criação dos
filhos. Não sei se ainda existe este trabalho. Acho que não, tem o
tal do conselho tutelar que serve somente para proteger bandidos, a
quem chamam de menores infratores.
Mas voltando ao assunto, um dos
membros do juizado, um baixinho, ordenou que Baturité fosse colocado
no carro, que estranhou aquele procedimento, mas não se opus, por
entender que não poderia resistir contra três sujeitos. A única
coisa que poderia ter feito seria correr, mas pego de surpresa não
arriscou. Por outro lado, se corresse e os amigos não o
acompanhassem, também não saberia voltar para casa, como dissemos,
por não conhecer ainda a cidade.
Dentro do carro, Baturité e o cara,
que o levou, começaram a conversar, enquanto aguardavam o restante
da equipe, que continuou a ronda. Nesse ínterim, o sujeito
aproveitou para esclarecer Baturité sobre aquele ambiente, impróprio
para menores, e que Baturité deveria ter ido embora quando eles
mandaram.
Disso se aproveitou Baturité e pediu
para ser solto, garantindo que iria imediatamente embora. O sujeito
negou o pedido. Baturité, então, começou a se preocupar com o
problema, principalmente, com a reação do pai dele. Sujeito brabo,
matutão do interior acostumado à vida dura do sertão cearense.
Chegar em casa acompanhado por integrantes do juizado de menores,
que contariam ao pai dele onde o apanharam; era porrada na certa. E
muita.
Naquele tempo, o respeito aos pais e
aos mais velhos era grande, qualquer deslize não tinha jeito, a
porrada comia solto; não tinha essa de psicologia não. A psicologia
era da porrada. Por qualquer motivo se levava uma boa pisa, como
eles diziam. Agora, imagine se pode haver uma pisa boa; grande até
se acredita. E pensamento assim, pedia para o carro nunca mais
chegar na casa dele.
O percurso demorou mesmo, pois
passaram ainda por diversos lugares suspeitos. Fizeram verdadeira
turnê pela cidade, ou melhor pelos cabarés. Andaram na Vó, no Farol
do Mucuripe, e por outros locais mais. Mesmo assim não saia da
cabeça de Baturité a reação do seu pai; o monte de porrada que
levaria. Experiência de muitos anos no ofício de apanhar.
Ainda no carro, outra vez pediu para ir embora. Mas o sujeito negou
novamente, alegando não poder, por ser uma decisão do chefe e que
não podia desobedecer. Era ordem superior.
Depois de algum tempo em silêncio,
recomeçaram a conversa:
- Qual o teu nome, perguntou o membro
do juizado?
- Baturité.
- Não. Quero teu nome verdadeiro e
completo.
- Baturite respondeu.
E devido ao sobrenome:
- O sujeito perguntou: de onde tu és?
- De Baturité.
- Sim, mas esse sobrenome vem de quem?
- Do meu pai.
- E qual é o nome do teu pai?
- Aderaldo Pinheiro.
- De onde ele é?
- De Senador Pompeu.
- Conheço ele, também sou de lá. Ele é
meu primo.
Disso se aproveitou Baturité e pediu
novamente para ir embora, achando que sendo parente do sujeito, ele
teria pena e o soltaria.
Naquele tempo, qualquer parente era mesmo que irmão, pelo menos aqui
no Ceará, e o mais velho tinha ascensão sobre os mais novos. E ele
negou outra vez o pedido de liberar Baturité. Aliás, que não estava
preso, apenas aguardando transporte oficial para ir pra casa,
compulsoriamente.
- Não. Agora é que vou deixá-lo em
casa mesmo. Além de querer rever teu pai, quero também fazer algumas
recomendações para que ele tenha mais cuidado contigo.Ali não é
lugar para adolescentes.
No caminho, morrendo de medo, Baturité ia imaginado como diminuir as
porradas.
Aí tive uma idéia que poderia
salvá-lo, ou transferir a pisa para o outro dia. Mesmo se
acontecesse a segunda hipótese, talvez fosse bem melhor. Com o
passar do tempo, podia ser que a raiva do pai dele diminuísse, e o
velho batesse menos.
A casa de Baturité tinha duas
entradas, e isso é importante explicar para que se entenda o que
ocorreu na chegada. A casa em forma de “ele”; tinha duas portas de
entrada. Uma na perna menor, ou parte de baixo da letra; e a outra
na perna maior.
Como a segurança na época era total,
não havia problemas de assaltos; a porta da perna menor ficava
somente encostada, até a última pessoa da casa entrar, geralmente
Baturité.,A irmã mais velha dele tinha de estar em casa no mais
tardar às dez horas da noite. Portanto, qualquer pessoa da casa
chegando, era só empurrar a porta e entrar. A outra porta dava pra
sala e para o quarto, onde dormiam seus pais, e era fechada logo que
eles iam dormir.
Ao chegar em casa, Baturité bateu na
porta da sala e chamou pelo pai dele. Pode entrar, a porta lá de
trás está aberta.Você não sabe disso, respondeu o velho, num misto
de afirmação e também de repreensão ao mesmo tempo.
- Sei, mas não é isso, disse Baturité.
Aqui fora têm três senhores querendo falar com o papai, tratamento
dado aqui no Ceará quando nos dirigimos a nosso pai.
O velho estranhou, devido a hora, e
perguntou quem era.
- Não sei. São três senhores que se
dizem amigos do senhor, e gostariam de conversar um assunto. Não sei
do que se trata.
- Como era seguro sair a qualquer hora
do dia ou da noite, ele mandou aguardar um pouco enquanto se vestia.
Dado o recado, Baturité deixou os
caras lá fora, e entrou pela porta dos fundos e foi direto se
deitar; deixando a conversa entre eles transcorrer. E tratou logo de
fazer que estava dormindo, pra ver se conseguia se livrar da surra,
adiá-la, ou diminui as pancadas.
Depois de muita conversa, o pai dele, puto da vida, entra em casa
aos palavrões, coisa que nunca ninguém da família tinha ouvido ele
dizer, principalmente, na presença dos filhos e da mulher, embora
somente ela e Baturite, que fingia dormir, estivessem ouvindo os
gritos do velho, pois o restante da família era, exceto a irmã mais
velha, todos bem pequenos e dificilmente o barulho dos gritos do
velho os acordaria, ou se os acordou, nenhum deles demonstrou.
A mãe de Baturite, preocupada com o
estado do marido, que fora de si, jurava matar o filho, tratou de
acalmar os ânimos.
- Calma, calma, Aderaldo. Que foi que
aconteceu?
Totalmente descontrolado, ele
responde:
- Puta que pariu, eu aqui uma hora
dessas, dormindo e este vagabundo por aí, no meio do mundo, nos
cabarés. Agora mesmo ele vai se ver comigo. E partiu para matar
Baturité de porrada, que calado dentro da rede, ouvindo a discussão,
fazia de conta que estava dormindo e rezava para o pai dele se
acalmar, que com a bainha de um facão na mão já vinha pronto para
meter a sola no menino. Era costume do pai dele bater nos filhos com
a tal bainha de couro cru, enorme, de um facão que usava para cortar
mato no sítio.
Finalmente, depois de muita
insistência, a mãe de Baturite pôde controlar a situação,
convencendo o velho a falar com o filho no dia seguinte, ou melhor,
naquele dia mesmo, mais tarde, pois já era madrugada; com o
argumento de que ele estava dormindo e não era bom acordar o menino
naquela circunstância. Isso pode até prejudicar a saúde do menino,
argumentou, caso acorde assustado.
Bem cedo, mesmo sendo domingo, o velho
saiu para trabalhar. Na pressa, a conversa ficou para depois, quando
voltasse. Quando voltou, Baturité não estava em casa e ficou para
depois, e esse depois não chegou até hoje.
Ele já está com oitenta e nove anos,
acredita-se que tenha esquecido assunto, que aconteceu há mais de
quarenta anos, e a vontade de me matar o filho pode ter
desaparecido.
O DIARRÉIA
No Centro de Fortaleza existe uma
praça muito bonita, conhecida como Parque das Crianças. Nos idos dos
anos sessenta, como se diz atualmente, era o “point” da cidade. As
tardes, exceto às segundas-feiras, quando fechavam para limpeza, o
movimento de jovens ali era grande.
O parque ficava perto de dois colégios
tradicionais da cidade: a Escola Normal Justiniano de Serpa,
conhecida como Escola Normal, colégio público e o Colégio São José,
este já não existe mais, portanto, o ficava.
O ensino público até a década de setenta era muito bom, pelo menos
aqui no Ceará. Para se estudar numa escola pública era necessário se
submeter a uma seleção ou ter um padrinho forte. O rigor era
tamanho, que se reprovado num colégio público, o aluno não tinha
mais direito de estudar noutro colégio estadual. A solução, quando
havia reprovação em tais colégios, era o reprovado buscar ensino
particular. Aí entrava o Colégio São José. Os alunos medíocres,
reprovados nas escolas públicas, que desejavam ou os pais desejavam
por eles, tinham que terminar os estudos no Colégio São José.
Já, a Escola Normal era um dos bons
colégios da cidade, onde somente estudavam mulheres, daí a
freqüências do Parque ser das melhores.
Colégio misto como se dizia, ou seja,
onde estudavam homens e mulheres em qualquer turno, pouco exista.
Apenas alguns colégios particulares, o tal São José: um deles. E lá
estudavam mais mulheres do que homens, pelo menos no turno da tarde.
O que também aumentava e melhorava e muito a freqüência no parque.
Nos colégios públicos, quando havia se
aceitava homens e mulheres, eram os alunos separados por turnos.
Geralmente os homens pela manhã e as mulheres à tarde. Não sei o
porquê disso! Mas com o passar do tempo, por volta de 1973, as
coisas começaram a mudar. O Liceu, por exemplo, outro colégio da
rede pública, começou a aceitar homens e mulheres nos mesmos turnos.
O Justiniano de Serpa, entretanto, mantiveram somente para mulheres
por mais alguns anos.
Mas voltando ao nosso assunto, o
local, ainda, é muito bucólico: o Parque das Crianças, embora não
tenha mais freqüência de antes. Hoje, praticamente dominado por
marginais, que afugentam as pessoas de lá, serve tão-somente de
passagem para transeuntes que se dirigem ao trabalho.
Lá existe um pequeno lago, onde uns
“pedalinhos” serviam de transporte aos casais apaixonados,
descontraídos, que faziam juras de amor eterno. As águas do rio
Pajeú, que formam o lago, não eram poluída, e o lago, sempre cheio,
tinha águas limpas e cristalinas.
Nossa turma, eu e mais três amigos,
invariavelmente, depois das quatros horas da tarde, ia pra lá e
ficava até seis, seis e meia. Hora de ir para a escola, pois três de
nós estudavam à noite: dois no Colégio São José e eu numa escola da
CNEC - Campanha Nacional de Educandários Gratuitos. Acho que nem
existe mais, pelo menos não tenho conhecimento. Deixa isso pra lá.
Quando chegávamos ao Parque, éramos
três e esperávamos outro amigo que estudava no turno vespertino – o
termo é velho, do Colégio São José, ou íamos até lá, buscá-lo.
Formado o grupo, saíamos a passear, paquerando, claro. Para se usar
o termo da época, flertava-se com uma e com outra garota.
Certo dia, em cumprimento ao nosso
ritual no Parque da Criança fomos até o Colégio São José buscar o
outro companheiro. Ao se chegar lá, ele logo disse que não podia nos
acompanhar, naquele dia, porque estava doente. Entretanto, não disse
a doença.