BEIJO NA BOCA É
FALTA DE RESPEITO
Para fazer liquidação de uma
associação de poupança e empréstimo, uns colegas do antigo Banco
Nacional da Habitação no Rio de Janeiro foram trabalhar em São
Paulo. Como o trabalho iria se estender por vários meses, eles, para
diminuir as despesas, resolveram alugar um apartamento em São Paulo.
Na capital paulista, permaneciam de
segunda a sexta-feira à noite, quando voltavam para o Rio de Janeiro
e passavam o fim de semana na Cidade Maravilhosa, voltando novamente
para São Paulo segunda-feira de manhã. Isso se estendeu por muitos e
muitos meses, até se completar inteiramente o trabalho, pois uma
liquidação judicial se arrasta interminavelmente. Existem empresas
nesse processo há mais de vinte anos e o trabalho ainda não foi
concluído.
Mas voltado aos colegas do BNH, como
era conhecido o Banco Nacional da Habitação. Eles por lá, além de
alugar apartamento, arranjaram, também, uma senhora para tomar conta
dos afazeres domésticos, principalmente, da limpeza do apartamento
nos fins de semana. Tal senhora, na época, já passava dos sessenta
anos.
Certo fim de semana, um deles,
conhecido por Canalhão, devido a seu comportamento, como o próprio
nome sugere, fez grande farra na sexta-feira e não pôde viajar para
o Rio de janeiro. Ficou sozinho em São Paulo no fim de semana.
Sábado pela manhã, acorda, cheio de
ressaca, e a senhora encarregada da limpeza já estava fazendo o
trabalho dela. Quando ela o viu até se assustou.
Chamou-o pelo verdadeiro nome, e
comentou sobre ele não ter ido para o Rio de Janeiro.
Então, ele explicou da farra, e que
devido à ressaca ficara em São Paulo e somente no próximo fim de
semana iria pra casa.
Conversa vai conversa vem, a senhora
começa a se queixar de uma enxaqueca terrível que estava sentido. A
dor era tão intensa que quase não estava agüentando trabalhar.
Ouvindo a conversa, Canalhão comentou
que fizera um curso de relaxamento com uns orientais e se ela
confiasse, ele poderia lhe dar umas massagens que, certamente,
fariam desaparecer as dores. Mas, seria preciso plena confiança nele
e no trabalho.
A velhota, não sei se por causa das
dores, ou por confiança mesmo, aceitou de bom grado os préstimos de
Canalhão, que imediatamente começou a massageá-la.
Massageia daqui, massageia dali. A
velhota relaxa, e ele começa a tirar o vestido dela. Depois foi
descendo mais a mão, até chegar nos peitos e os massageia também.
Tira-lhe o sutiã. Tudo isso sem a menor resistência: aceitação
total. Depois do sutiã, baixou mais um pouco e começou a massagear a
barriga, depois as coxas e finalmente os pés.
Feita a massagem total, volta e começa massageá-la de baixo pra
cima, e foi subindo até chegar e as mãos entre suas duas coxas, ou
seja, na boceta da velhota mesmo.
Daí em diante desceu as calças dela,
que não opôs a menor resistência e de nada reclamava. Achando aquilo
tudo maravilho e muito excitante.
Lá pelas tantas, quando ele já havia
massageado ela toda, ela empolgada; ele de pau duro, ela já sem as
calças, não contou conversa: meteu a pomba na boceta da velhota, que
foi ao êxtase.
Sentindo aquele pau duro todo dentro
dela, a velha relaxou ainda mais. Acho que há tempo não via uma
pomba entrando na sua boceta, ela num suspirou, abriu os olhos e
disse:
- Seu fulano, pois o chamava pelo
próprio nome, não pelo apelido de Canalhão, me dê um beijo na boca,
pediu ansiosa.
- Canalhão, não sei o motivo, mas acho
que não teve coragem de beijar a velha, olhou pra ela e disse:
- Dona Maria, beijo na boca é falta de
respeito. E terminou de comer a velhota.
CHICO, CRIE
VERGONHA
Em Baturité, cidade interiorana do
Ceará, havia um cambista do jogo do bicho conhecido por Chico da
Preta. Chico corruptela de Francisco e da Preta por causa de sua
mãe. Solteirão, morava sozinho com dona Preta, uma senhora de idade
bastante avançada. Ele, na época, já um quarentão.
Foi nosso vizinho por vários anos.
Bastante conhecido na cidade e um dos
poucos a trabalhar com jogo do bicho naquele tempo. Ótima pessoa.
Único defeito: a cachaça. Vício, que mal só fazia a ele mesmo e a
mais ninguém.
Quando tirava o dia para beber, o
expediente não terminava. As apostas no jogo só era encerradas
depois do resultado conhecido, que era anunciado oficialmente
através da Rádio Jornal do Comércio do Recife.
No dia seguinte aos porres do Chico, o
banqueiro do bicho enfrentava uma confusão dos diabos, mas não
pagava as apostas. Depois que contornava o problema, o Chico voltava
a trabalhar normalmente.
Não sei como as coisas se resolviam,
mas tudo dava certo no final. Porém, acho que os ganhadores, depois
de certo tempo, concordavam em receber somente o valor da aposta
feita e o caso era encerrado. E o Chico continuava seu trabalho sem
problemas, pois, afora esses pequenos contratempos era mesmo querido
na cidade. Um sujeito, como se diz, nem mel nem cabaça.
Acredito até que muitos jogavam só
para terem o prazer de criar confusões; não tinham o mínimo
interesse no dinheiro, porque já sabiam de antemão o resultado do
jogo e que o prêmio nunca seria pago mesmo, porque agiam de má fé.
Na cidade, todos sabiam das cachaças do Chico e dos problemas que
surgiam dela em relação ao jogo do bicho. Tudo era mais molecagem do
que mesmo vontade ou intenção de ganhar no jogo do bicho.
O banqueiro do bicho não queria nem
saber, porque já conhecia, antecipadamente, o que acontecia quando o
Chico bebia; não pagava as apostas e o Chico continuava sua vidinha.
Mantê-lo no emprego era uma questão de caridade. Embora o ganho
fosse pouco, era quase o sustento do Chico e da sua pobre mãe, que,
inclusive, tinha que completar os ganhos do Chico com lavagem de
roupas.
No dia que tomava um daqueles seus
porres, o Chico chegava em casa e ficava sentado numa calçada em
frente, fazendo trejeitos, ou como se diz aqui no Ceará, mungangos,
até o sono chegar e ele entrar para dormir. Não perturbava ninguém.
Simplesmente ficava ali bêbado, não sei se esperando o tempo passar
ou melhorar do porre.
A pobre da dona Preta, vendo o filho
naquele estado, não se cansava de reclamar tentando ajuda-lo a
deixar a bebida. Dava-lhe conselhos. Xingava. Entrava e saía de casa
para ver como ele estava. Trazia comida, chã, o que fosse para ver
se ele melhorava e ia dormir. E para o filho deixar a cachaça fazia
de tudo. Em vão.
Certo dia, ela não agüentando mais,
saiu na porta da rua, pegou o Chico, que estava sentado no lugar de
sempre, e começar a lhe dizer poucas e boas. Lá pelas tantas, depois
de vários sermões, da velha, sem resultado, ela saiu com esta:
- Chico, crie vergonha!
O Chico que não se fez de rogado,
rápido respondeu.
- Mãe, como vou criar vergonha, se o
quintal está todo no aberto?
E no outro dia continuou na cachaça.
CONSERTO DE TV
Tinha um amigo, funcionário da antiga
Teleceará, por trabalhar em telecomunicações, achava que entendia de
conserto de aparelhos elétricos e eletrônicos. Assim, nas horas
vagas, principalmente nos fins de semana, fazia bico consertando
aparelhos de televisão.
Num sábado à tarde, saiu para
consertar a televisão de uma senhora, no Bairro do Benfica, aqui
mesmo em Fortaleza, numa travessazinha perto da antiga Escola
Técnica Federal do Ceará.
Na realidade, o sujeito não era
técnico coisa nenhuma; apenas curioso. Como disse, por trabalhar na
Teleceará, quebrava o galho quando o defeito era uma coisa besta,
tipo um fusível queimado, vamos dizer assim: uma fratura exposta,
que qualquer leigo mais observador descobre.
Pois bem, nesse dia ele foi lá na casa
de uma senhora bastante idosa, e acho que por isso pensou que o
golpe seria fácil. Faria uma gambiarra qualquer, estava pronto o
serviço e faturada uma grana. Depois era ir embora, curtir o resto
do sábado: cachaça e mulher, com dinheiro no bolso.
Começou a trabalhar, no conserto de um
aparelho de televisão Telefunken, preto e branco. O Aparelho devia
pesar umas duas toneladas, muito antigo ainda era de válvula. Mexe
para cá, mexe para lá, nada de conseguir consertar a televisão.
Depois de muito tempo e muito mexer, a televisão começa a funcionar;
precariamente mas funcionou. Como a imagem estava retorcida ele
apelou para a antena.
Virou a antena para todos os pontos cardeais e nada. A imagem
continuava retorcida e chuviscada. Sem saber mais o que fazer,
apelou para o velho bombril - com suas mil e uma utilidades, que na
realidade só conheço duas: um para lavar louça; prato; panela; outra
ajudar na antena quando a imagem da televisão não presta, que
colocou na ponta da antena tentando melhor a imagem. Isso também de
nada serviu.
Finalmente, já desesperado socorreu-se
de uma lâmpada fluorescente para improvisar uma antena. Dois fios
foram amarrados nas extremidades da lâmpada, metidos na televisão no
local destinado à antena. Não deu certo. A imagem continuava
péssima. Por fim, sem obter sucesso, deixou a televisão do jeito que
estava e apelou para malandragem.
Chama a senhora e diz:
- Pronto. O conserto terminou e a
televisão está ótima. Consertada só no jeito, com se diz por aqui.
- A velhinha olha e comenta que a
imagem está toda retorcida.
- Sem perder a esportiva, o técnico
retruca: “Não. Este sujeito eu conheço, e ele é torto mesmo. Por
isso a imagem aparece desta forma, mas logo, logo melhora.”
A coitada da velhinha se convence e
paga o serviço.
O sujeito mete o dinheiro no bolso e
sai. Quando chega na esquina ouve o chamado da coitada, que
gentilmente pede para ele voltar e ver o que estava acontecendo.
Aqui vamos fazer um comentário para
melhor entendimento do causo. Em décadas passadas proliferaram no
Brasil os programas de auditórios, tanto nacional como local. Aqui
mesmo no Ceará tínhamos vários imitadores de artistas nacionais. Um
até se intitulava Chacrinha do Nordeste. A submissão aos centros
mais adiantados é tão grande, que mesmo o Chacrinha verdadeiro sendo
nordestino, o daqui dava demonstração de inferioridade,
intitulando-se daquela forma, mas isso não nos compete agora. O
causo é outro.
Portanto, voltemos ao nosso tema. Os
programas proliferavam e outro programa local era o do Augusto
Borges, com o Show do Mercantil, que era apresentado – se fosse hoje
acontecia e não apresentado ou realizado, justamente nos sábados à
tarde. Na hora que o sujeito disse ter consertado a televisão e
comentou sobre o sujeito que aparecia na tela, era intervalo do
programa.
O azar do técnico, foi o programa
voltar antes dele ter sumido da vista da pobre senhora. Quando o
programa voltou ao ar, a velhinha estava esperando para assistir e
ao aparecer o Augusto Borges, de imediato ela se levantou, correu
para a porta na tentativa de encontrar ainda o salafrário e vendo-o
na esquina, chamou o rapaz de volta, que meio desconfiado veio ao
encontro dela e ela lhe disse:
- Esse aí, e aponta para a televisão,
é o Augusto Borges. Ele eu conheço e não é torto, não. Portanto,
pode logo me devolver meu dinheiro, que você não sabe consertar é
nada.
Meio envergonhado, pois antigamente
mesmo as pessoas que viviam de aplicar golpes tinham vergonha, foi o
jeito devolver o dinheiro e se mandar, antes que as coisas se
complicassem mais.
CORNO É VOCÊ
Conheci um sujeito que trabalhava
trazendo madeira de Belém para vender em Fortaleza. O sujeito era
meio doido. Seu maior sonho, segundo ele mesmo contava, era criar
uma menina desde pequena, e quando ela chegasse a certa idade se
casar com ela. Coisa de maluco mesmo. Acho que era pra ter certeza
que ninguém ia comer a menina antes dele.
Aqui, no Ceará, ele passava três,
quatro meses sem ir em casa, vendendo e cobrando as vendas fiadas.
Enquanto não recebia todo o dinheiro das vendas não voltava para o
Pará.
Certa vez, demorou-se bastante aqui e
deixou a mulher, com quem vivia em Belém, sozinha à mercê dos
gaviões e ela aproveitou a deixa, já que o marido não dava notícias
há meses, e arranjou um namorado.
Um marinheiro do Rio de Janeiro que
desembarcaram em Belém e por lá ficou alguns meses, e esse tempo
aproveito pra ficar comendo a mulher do doido do madeireiro.
Quando voltou para Belém ele tomou
conhecimento do caso, inclusive ficou sabendo o nome do sócio. Mesmo
assim não deixou a mulher e continuou vivendo com ela normal e
tranquilamente.
Um belo dia, o telefone toca, ligação
a cobrar, interrurbano ao meio-dia, e o madeireiro atende. A pessoa
do outro lado da linha, uma voz de homem pede para falar com a
mulher dele, madeireiro, que desconfiado, pergunta quem é que deseja
falar com ela.
O sujeito se identifica e madeireiro
logo concluiu que é o marinheiro.
Daí em diante travaram o seguinte
diálogo.
- Madeireiro: Seu filho de uma puta,
você não tem vergonha de ligar pra minha mulher, não?
- Marinheiro: Filho da puta é você,
seu veado.
- Madeireiro: Veado é você! Vá tomar
no cu!
- Marinheiro: Veado o quê? Seu corno!
- Madeireiro: Roxo de raiva e não
tendo mais o que dizer com o marinheiro sai com essa: Corno o que
seu, veado? Corno é você. Você comeu minha mulher só uma vez e eu
como ela todo dia.
FESTA DE TÉRMINO
DE CURSO NO IRACEMA – PULEI O MURO
No fim dos anos sessenta, início dos
setenta, as festas dançantes de término de curso era a grande
atração da cidade no mês de dezembro. Havia festas todos os dias. Do
dia primeiro ao dia trinta e um de dezembro, de domingo a domingo,
era festa por cima de festa. Os conjuntos, nome dado à época às
bandas atuais, faturavam o mês inteiro. Às vezes, como o tempo era
curto, com tantos colégios querendo festas, e sendo janeiro mês de
férias, as festas se estendiam até janeiro.
Havia festa para cada curso que se
terminava. Naquele tempo, os cursos eram: primário, ginásio,
científico e superior. O primário não sei qual seu correspondente
hoje. O ginásio e o científico, parece-me que correspondem aos
ensinos médio e fundamental. Mas isso não interessa. O que interessa
era que para todos os cursos terminados, exceto o primário, havia
festas de formação. Patrocinadas pelos concludentes, como conhecidos
os alunos que terminavam qualquer curso, com apoio dos colégios e
das faculdades que se orgulhavam das comemorações.
Hoje em dia, parece que não existem
mais tais comemorações, se existem é muito restrita, mas também
pudera com o ensino brasileiro do jeito que vai, comemorar o quê?
Mas deixa isso pra lá.
Quem gostava de festa podia escolher à
vontade.Era só arranjar convite, depois de escolhida a festa, e
estava quase tudo arranjado. Quase tudo, porque tinha apenas um
ingrediente à parte; dor de cabeça de muitos. Um paletó. Como a
maioria de nós, adolescentes, era lisa mesma, nem todos podiam
comprar paletó, nos virávamos como podíamos. Pedia-se emprestado,
comprando-se mais barato, de segunda mão, o importante era a festa.
O traje, contanto que fosse paletó e gravata, era de somenos
importância. Ninguém ligava. Alguns clubes mais exigentes só
aceitavam passeio completo, ou seja, terno igual. Nada de blase,
paletó e calça diferentes. Tinha um, o Clube de Regatas Barra do
Ceará que, o mais exigente de todos, não aceitava paletó e calça da
mesma cor com padrão diferente.
Na realidade, os convites era pura
formalidade, como as festas era grátis, dava-se um jeito. Não havia
aquela vigilância tão rígida. Na falta de convite, virávamos sócios
atletas, ou seja, pulava-se o muro; quando não se conseguia
convencer o porteiro a nos deixar entrar sem convite. Mas quase todo
mundo entrava. Claro que tinha as exceções, ou seja, os clubes que
eram mais rigorosos, mas sempre conseguíamos burlar a vigilância
quando não estávamos dentro dos padrões exigidos, se a festa se
pronunciava boa e valia a pena o sacrifício.
Dependendo do colégio, as festas eram
umas mais concorridas que as outras. Claro. Isso porque, na época,
na maioria dos colégios havia separação entre homens e mulheres.
Poucos eram os colégios mistos, isto é, aqueles onde estudavam
homens e mulheres num mesmo período, e esses eram sempre
particulares. Os colégios públicos geralmente eram somente para
homens, ou para mulheres. Digo geralmente, porque havia os colégios
onde estudavam homens e mulheres, entretanto separados por turnos.
Já os colégios religiosos eram específicos para homens, ou para
mulheres, não havia nem mesmo divisão por turno.
O Colégio Justiniano de Serpa, hoje
Escola de Ensino Fundamental e Médio Justiniano de Serpa, era
conhecido por Escola Normal, colégio público somente estudava
mulher. Diga-se de passagem, um dos melhores do Estado naquele
tempo. Eram três turnos repletos de mulheres. Embora suas festas
fossem divididas por turnos e turmas, ainda assim tinha mulher para
dar no meio da canela. Imagine três turnos: manhã, tarde e noite,
com no mínimo seis turmas por turno terminando o curso, e cada turma
com aproximadamente cinqüenta mulheres, dava umas novecentas
mulheres se formando. Por isso, era a festa de formatura mais
concorrida da cidade. A juventude toda queria ir, só pensando na
quantidade de mulheres na festa. Além das concludentes, as
convidadas. A briga por um convite era feia, pois mesmo se dando um
jeito como sempre dávamos quando não tínhamos convite, nas festas da
Escola Normal isso se tornava mais difícil pela concorrência.
Contrário das festas dos colégios masculinos, que poucos queriam ir,
imaginando que só tinha macho. Às vezes a lógica se invertia,
justamente pela imaginação da concorrência. Mas vamos em frente com
o nosso assunto principal.
Mas devido à badalação da festa,
aconteceu esta história. Pois bem, certo domingo à noite me
encontrava em casa sem nenhuma pretensão de ir a festas, não sei bem
o motivo do desânimo, mas não estava a fim de sair, coisa rara, pois
não era muito do meu feitio passar o fim de semana dentro de casa.
Invariavelmente, sábado, domingo e segunda-feira só chegava quase de
manhã, vindo das festas. Normalmente, a não ser quando muito
promissoras, não ia a festas de meio de semana. Mas naquele domingo
estava sem ânimo, quando chegaram dois amigos de farra: Paulo e
Carlos. O Paulo adolescente com eu, mais velho apenas um ano; o
Carlos já maduro de uns vinte e dois a vinte e cinco anos. Farrista,
tocador de violão, companheiro de vários anos de farra; o Paulo
amigo de muitos anos, com que até hoje mantenho contato, também
farrista, mas daqueles amigos que sempre tira proveito de uma
oportunidade para se livrar de um bronca. Não mau caráter; esperto.
Não é aquele cara que vai te meter numa fria, mas nunca em situação
que não tenha maiores conseqüências. Contundo, se surgir um
problema, e ele pudesse tirar o corpo de fora e deixar o teu, ele
fazia na maior. Na realidade, a expressão correta para ele é “entregão”,
como se diz na gíria, ou melhor, dedo-duro. O Carlos já faleceu há
alguns anos.
Mas voltando aos meus amigos, eles me
convidaram para ir à festa da Escola Normal que se realizaria no
Clube Iracema. Aqui um aparte. O Iracema era um clube fechado, que
funcionou em Fortaleza até meados dos anos setenta, hoje fica lá a
Receita Federal. Muito bem freqüentado, que às sextas-feiras
promovia uma tertúlia maravilhosa. Tertúlia era o nome dado aqui no
Ceará às festas dançantes, sem cunho formal, ou seja, num término de
curso, chamávamos a comemoração de festa, já uma festa sem qualquer
finalidade específica, chamávamos tertúlia.
Mas voltado à história, como não
estava muito disposto a ir à festa, disse aos meus amigos que não ia
por não ter convite. Sem perda de tempo, e como sempre gostávamos de
sair numa turminha, eles perguntaram desde quando falta de convite
era empecilho. E não era mesmo. E de mais a mais acrescentaram: nós
temos aqui um convite e uma carteira da imprensa. O Carlos fora ou
era funcionário de um jornal aqui do Estado e tinha carteira de
jornalista, era apresentar e entrava. Assim, só faltava um convite,
o meu. E isso não seria tão difícil de se resolver. Lá a gente se
virava. Convenceram-me, e fomos.
Quando chegamos ao Iracema, havia um
carro parado e uns sujeitos se preparando para pular o muro.
Aproveitei o embalo, e nem fomos atrás de outro convite, e pulei
também. Cai num monte de cal. Não precisa explicar, paletó e calças
pretas, como ficaram. Brancos totalmente. Do monte de cal, fui
direto para o banheiro tentar me arrumar melhor; limpar as calças e
o paletó.
Depois de dar um jeito na aparência,
fui à luta. Procurar alguém para dançar. Arranjei logo uma
concludente. Depois de dançar um pouco, e começar um namoro foi
rápido.Assim, saímos para o lado da piscina. De vez em quando
aparecíamos na mesa da família dela. Família, eram todos os parentes
e aderentes reunidos numa imensa mesa para comemorar a formatura da
garota, de quem sinceramente não lembro o nome, uma falha
imperdoável, mesmo já fazendo tanto tempo.
Mas fazer o quê? A memória é assim
mesmo, nos prega peças imperdoáveis.
Depois de passando algum tempo, bem
tranqüilos, um namora gostoso, num local propício, longe dos olhares
vigilantes da família, alguém bate nas minhas costas. Virei-me e dou
de cara com uma garota. Estranhei, pois não a conhecia.
Mas ela foi logo perguntando
- “Teu nome é Henrique?”
- Sim, respondi.
- “ A Mazé mandou chamar você para
dançar com ela, disse a garota.”
- Mazé? Quem é Mazé? Não conheço
nenhuma Mazé.
- “Aquela que mandou um convite para
você.”
- Piorou. Convite? Não recebi convite
nenhuma! Como já tinha tomado umas, disse-lhe que para entrar no
clube tive de pular o muro.
A menina se desculpou e foi embora.
Mais tarde, minha namorada também foi
embora com os pais e eu fiquei só e, novamente, fui atrás de um par
para dançar. Nisso dou de cara com uma velha conhecida das tertúlias
no São João do Tauape, um bairro de Fortaleza, com quem tinha
costume de dançar, de quem, entretanto, não sabia o nome. Mas isso
eu explico: naquele tempo já havia o fico das tertúlias, mas um fico
somente de se dançar, diferente do atual. Era muito comum nas
tertúlias se encontrar as mesmas pessoas, e muitas vezes nos
identificávamos dançando, e ficava somente naquilo de dançar. Às
vezes, dançávamos com o mesmo par até terminar a tertúlia, sem
conversa, somente dançando. No fim da tertúlia, era cada qual para
seu lado, sem compromisso. Até o próximo encontro, ou melhor, à
próxima tertúlia. E essa menina era uma das minhas companheiras de
festa.
- Vamos dançar, convidei-a?
- Não, respondeu bem abusada.
- Porquê?
- Tu disseste há pouco que não me
conhecias, mesmo eu tendo mandando um convite pra ti, e queres agora
dançar comigo? Nada feito. Não vou.
- Ah! Tu és, a Mazé? Como poderia
saber, se não sei teu nome e não recebi convite nenhum para esta
festa? Como disse à tua amiga pulei o muro para poder entrar. Falar
assim era a coisa mais natural naquela época, pois todo jovem se
vangloriava de ter entrado em um clube qualquer pulando o muro. Era
uma aventura.
- Mesmo assim, não vou dançar contigo,
respondeu mais emburrada ainda..
Do lado, estava uma irmã mais velha
dela, e nós nos conhecíamos, mesmo sem que eu soubesse o nome dela
também. Contei-lhe a história e os detalhes. Ela olhou para a irmã e
disse:
- Vai dançar com o rapaz. Ele tem
razão. Como ia saber quem tu eras, se não recebeu convite para a
festa?
Em obediência à irmã, ela foi.
Dançamos o restante da festa.
Depois foi cada um para seu lado.
Mazé, contudo, morava perto da casa da
namorada do Paulo, e tinha mandado o convite pra mim por ele. No dia
seguinte, foi procurar o Paulo para tira a limpo aquele assunto,
porque ele não havia me entregue o convite, e nisso contou o
acontecido. Ele e como disse antes, esperto, procurou logo uma
saída, e se saiu com essa:
- Quando tu mandaste chamar o
Henrique, ele estava com alguma mulher?
- Estava. Respondeu a garota.
- Foi esse o motivo dele dizer que não
te conhecia, mas claro que entreguei o convite. Ele ti conhece muito
bem, e também sabe teu nome. Na hora para não ser atrapalhado
inventou essa mentira de pular muro e de não te conhecer. Agora,
depois que ficou só, a paquera foi embora, foi ti procurar.
A Mazé, saiu dali furiosa comigo.
Passado alguns dias, encontrei-me com ela no Centro da cidade, para
quem me dirigi. De imediato, quando me viu indo em sua direção,
mudou de calçada, e ainda deu rabiçaca, termo antigo usado para
mulheres, quando passavam por uma pessoa que não gostavam, e viravam
a cabeça com força para o lado contrário da pessoa com quem não
queriam falar.
Depois disso, nunca mais ela falou
comigo. E eu fiquei sem entender nada, até porque naquela noite a
coisa tinha evoluído mais entre nós dois.
Na primeira oportunidade quando
encontrei o Paulo, contei o acontecido, inclusive falei do convite.
Ele, como disse não perdia a oportunidade de se sair bem, mas assim
como contara a história lá dizia do outro lado também, tinha essa
vantagem não negava o que fazia, e me disse:
- Ora, eu ia bem dizer que tinha
ficado com o convite para ela ficar com raiva de mim. Aí me contou o
diálogo narrado antes.
INJEÇÃO DE
BENZETACIL
Os meios de transporte entre algumas
cidades do interior ainda são muito precários, dada a qualidade dos
transportes e das próprias estradas. Hoje não prestam, imagine há
trinta, quarenta anos. Nem estrada havia, quanto mais transporte. As
estradas, em sua maioria, eram de barro batido, quando chovia
ficavam intrafegáveis, além dos atoleiros, não tinha acostamento,
sinalização, enfim nada. Asfalto? Só nas BRs e em algumas estradas
estaduais e das mais importantes.
Ir e voltar do Pacoti a Baturité, a
trinta e poucos quilômetros de distância, levava-se quase um dia
inteiro. O pior não era o tempo gasto, mas arranjar transporte. Na
maioria das vezes feito em cima do lombo de animais. Um ou outro
carro de praça, geralmente, Jeeps e caminhões mistos, os famosos e
velhos pau-de-arara com boléias maiores onde se acomodavam os
passageiros mais abastados. A pobreza ia mesmo era em cima da
carroceria, sentada em tábuas duras sem o menor conforto e sem
qualquer segurança. Proteção? Eram próprios peitos e as próprias
cabeças mesmo.
Estes meio de transporte ainda é muito
comum nos dias de hoje, principalmente nas cidades onde há romaria e
serve também no transporte de aluno para localidade cujo acesso é
quase impossível.
As cidades, bastante atrasadas,
ofereciam condições de vida muito precárias a seus habitantes. A
maioria dos negócios geralmente era realizada nas cidades maiores.
Certas mercadorias somente se encontravam na capital. Bancos, apenas
em meia dúzia de cidades do interior do Estado. Nossa cidade não
dispunha de agência bancária, coisa que só muito recentemente foi
inaugurada.
Funcionários públicos federais, que
recebiam pagamentos pelo Banco do Brasil, tinham que se deslocar de
Pacoti até Baturité, ou até Maranguape. Um dia inteiro de trabalho
era perdido só recebimento dos ordenados.
Numa dessas viagens de Pacoti a
Baturité, os guardas da malária, como eram conhecidos os
funcionários do antigo DNERUR – Departamento Nacional de Endemias
Rurais -, hoje FUNASA, tiverem de pernoitaram em Baturité e
aproveitaram para fazer uma farra.
Fora para o Putiú, ou melhor, para o
2, conhecido cabaré da cidade. Por lá começaram a beber e a farra se
estendeu até altas horas da noite e eles resolveram dormir ali mesmo
com as meninas do cabaré. Todos de porre.
Raia o dia, acordam apavorados sem
saber onde estavam, e vendo que tinham dormido no cabaré ficam
desesperados para irem embora. Como todos eram casados, a maior
preocupação era explicar para a noite fora de casa.
O carro ter dado o prego, coisa comum
naqueles tempos, poderia servir perfeitamente de álibi. Perderam o
transporte seria outra. Alguém se perdeu dos demais e não queriam
voltar sem ele, seria outra. As justificativas podiam ser e eram
muitas, bastava combinarem. Isso era o de menos. A maior preocupação
poderia ser as conseqüências de uma trepada no cabaré, o que
invariavelmente na época acontecia sem preservativos, eram as
doenças venéreas, que iam desde um simples “chato”, certo tipo de
piolho que só habitam as regiões sexuais masculinas e femininas, a
uma sífilis, passando por uma gonorréia, ou por um cavalo de crista
ou até mesmo de buraco, dentre outras menos cotadas. Hoje seria o
caos. A AIDES está por aí mesmo. E foi só o que aconteceu com um
deles! Dois dias depois da farra, o cacete do sujeito amanheceu
pingando. Esquentamento – gonorréia – dos brabos.
Desesperado o sujeito procurou o
farmacêutico da cidade, como de hábito, devido ao grande
conhecimento daquele profissional e até mesmo porque não existiam
médicos para atendimentos normais e, principalmente, a casos como
aquele. A receita, a velha e boa Benzetacil de um milhão e duzentas
mil unidades, que para o caso era tiro e queda. Não se fazia nem
exame para saber o tipo de doença, que era detectada somente pelos
sintomas já dava o diagnóstico. Hoje não. É tudo moderno. Qualquer
doença tem que ser feito o exame para se saber o tipo de
antibiótico. Mas, no passado existiam poucos medicamentos e serviam
para tudo.
Resolvido o problema de saúde do
guarda. Surge outro maior e bem pior. O tal guarda, no dia seguinte
à viagem, antes de detectar a gonorréia, tinha transado com a mulher
que estava grávida de três meses.
Voltou à farmácia e contou para o
farmacêutico, que de imediato receitou, também, Benzetacil para a
mulher.
Aí, veio o desespero. Como dar o
remédio à mulher sem contar o problema. Ficou imaginando a maneira e
não via qualquer saída. Voltou a falar com o farmacêutico que foi
taxativo: ou ela toma ou vai ter gonorréia também e com possíveis
conseqüências para o feto. O guarda, que também entendia um pouco
também de alguns tipos de doença, pois uma de suas funções era
atender casos graves naquelas localidades mais remotas do estado,
onde às vezes era obrigado a aplicar injeções e fazer outros
pequenos trabalhos de enfermagem, ponderou que a Benzetacil também
poderia afetar o feto. É um risco disse o farmacêutico.
No caminho de casa o guarda foi
pensando, e encontrou uma solução que talvez desse certo.
Acostumado a aplicar injeções, ao
chegar em casa foi logo esterelizando o aparelho, ou seja, como não
havia seringas descartáveis, os aparelhos de injeção tinham de ser
fervidas para se desinfetar, foi fervendo o aparelho e dizendo para
a mulher, na tentativa de justificar o que estava por fazer:
- Minha filha, passei na farmácia
agora e conversando com o farmacêutico, ele recomendou umas
vitaminas para você. Coisa nova, muito boa. Especialmente para
mulheres que já tiveram mais de um filho. Recomendável para evitar
problemas de desnutrição tanto para a criança, como para a mãe.
- Que negócio de vitamina é esse? Eu
não vou tomar nada de remédio, porque estou me sentindo muito bem,
respondeu a mulher!
O guarda, no entanto, sem dar a mínima
para o que ela dizia, continuou a esterelizar o aparelho. Terminado
o serviço, sem permissão dela e sem que ela notasse, já que estava
na cozinha preparado o almoço, de surpresa ele aplicou-lhe a
injeção.
Depois foi só aguarda o nascimento da
criança para ver o resultado.
Meses depois nasceu o terceiro filho
do casal. Uma menina.
Segundo ele a mais bonita e mais forte
da família. Sem nenhum problema de saúde, sem qualquer seqüela da
Benzetacil.