O TIRA GOSTO
As histórias acontecem e servem de anedotas por muito tempo, e fazem
as novidades e a alegria das pequenas cidades do interior, mesmo
depois do advento da televisão. Quando acontece um caso é um Deus
nos acuda. O fato passa a ser narrado de boca em boca. Cada contador
dá sua mãozinha, para aumentá-la um pouco. Isto ajuda o tempo a
passar mais rápido, já que a vida quase sempre segue tranqüila.
Quando suje uma história ela repercutir durante dias, até a próxima
novidade, assim mesmo não é esquecida, ficando apenas num plano
inferior.
Este caso é bastante interessante.
Um delegado de polícia, lá da minha terra, gostava de tomar umas
cachaças. Todo dia, depois do expediente, era infalível. Saía ele de
bar em bar tomando umas e outras, matando o bicho, como se dizia na
época, o tempo e jogando conversa fora com as novidades do lugar,
que eram poucas.
Assim as horas se passavam depois do expediente, naquela prosa
alegre com o povo do lugar. Assunto não faltava e a conversa rolava
mais solta depois de umas doses de cana.
Antes de ir tomar suas cachaças, o delegado sempre passava em casa e
pedia a mulher para preparar um tira-gosto. Invariavelmente, uma
galinha assada com farofa, que ele distribuía em várias vasilhas, ia
deixando nos diversos bares onde costumava beber. Pura comodidade,
para não ter que andar com o tira-gosto debaixo do braço de um lado
para o outro.
Os papudinhos, como são conhecidas as pessoas que bebem diariamente,
ficavam só aguardando o fim do expediente para comer e beber de
graça. Quatro e meia para cinco horas da tarde, os cabras já estavam
se chegando nos botecos, à espera do delegado. Era batata, não
falhava. Precisão britânica; parecia chá das cinco na Inglaterra.
Certo dia, perto da delegacia apareceu um urubu que pousou numa
árvore próxima. Um morador resolve caçar a pobre ave. Tiros de
espingarda aos montes foram dados no animal. Tiro daqui, tiro dali e
ninguém acerta o urubu.
O delegado, vendo aquilo e como não tinha IBAMA na época, resolve
também atirar no bichinho, e acabou acertando o coitado do pássaro.
Foi lá onde o urubu caíra, apanhou-o e depois de despená-lo levou
ave para casa e manda a mulher preparar um tira-gosto com o pássaro,
dizendo ser uma galinha.
A mulher, sem saber, terminou de limpar o animal e preparou o
tira-gosto do marido como de costume. Estranhou apenas a dificuldade
de cozinhar, mas supôs tratar-se de galinha velha e deixou pra lá.
No fim do expediente, o delegado foi em casa e como de costume pegou
o tira-gosto e saiu para fazer sua peregrinação diária pelos bares
cidade. Nesse dia, adotou uma estratégia diferente, em cada boteco
que deixava tira-gosto, dava uma determinação expressa para o dono
do bar:
- Seu fulano, não deixa ninguém comer meu tira-gosto, porque já
estou cheio de sustentar malandros. E saía para outro boteco, onde
ditava a mesma recomendação.
Depois de beber e andar por todos os bares que costumava freqüentar,
sem tocar de jeito nenhum no tira-gosto, viu que, mesmo com
recomendações expressas, ninguém obedecera suas ordens. Comeram o
tira-gosto todo.
Então, depois de certo tempo, o delegado indaga de um colega de
cachaça.
- Cadê o tira-gosto que deixei aqui?
- Ah! Responde o cara, eu e resto da turma comemos. Acho que não
sobrou nada. Só outro.
- O delegado, fingindo indignação exclama:
- Puta que pariu, não é possível, aqui no Pacoti não se respeita
mais nada, até um urubuzinho que a gente traz para tira-gosto a
turma come.
Não foi preciso mais nada, saiu negro correndo para todo lado
tentando vomitar.
Depois disto, nunca mais ninguém se arriscou a comer tira-gosto
preparado pelo delegado, podia colocar na mesa até lagosta que
ninguém tocava.