Humberto Gomes de Barros
Há exatos dois meses,
recebi de meu amigo Marcos Pires um pequeno livro
chamado Peste e Cobiça, de um tal Tião Lucena. Chegou-me
quando já preparava a saída rumo ao aeroporto, onde
iniciaria viagem internacional. Cheguei a colocá-lo
junto a outros textos que pretendia ler em meu retorno.
Pensei, entretanto: se o Marcos Pires mandou, com
certeza é bom; certamente contém aquelas glosas irônicas
e bem- humoradasde que a Paraíba é tão rica. Apaixonado
pelas coisas paraibanas, enfiei o livrinho na bolsa de
mão, certo de que me divertiria na viagem.
Qual o quê! O livro nada
tinha de divertido. Nele se contém a trágica saga de
Princesa – a cidade-república paraibana. Mergulhei na
leitura, fascinado desde o primeiro capítulo. Nem mesmo
a escuridão da cabine – no voo noturno – me fez parar.
Vali-me de uma providencial luzinha presa ao encosto da
poltrona. Quase insone, cheguei a Londres conhecendo o
desfecho da história e com a certeza de que acabara de
conhecer uma obra-prima. O estilo rústico, no mais puro
linguajar sertanejo não resvala para a grosseria. O
texto, enxuto e preciso alça-se à perfeição. A ele bem
se aplicaria a observação em voga nos anos sessenta do
Sáculo XX: “é impossível acrescentar, cortar ou
substituir qualquer palavra, sem piorá-lo”. Tião Lucena
seguiu à risca a lição de Graciliano Ramos na famosa
analogia entre a arte de escrever e o trabalho das
lavadeiras alagoanas. Em Peste e Cobiça, a palavra é
utilizada apenas para dizer.
Graças ao enxugamento, o
livro consegue em exatas cem páginas, dar vida ao
povoado de Princesa e às pessoas que nela vivem, padecem
e morrem. Pouquíssimas palavras bastaram para assentar
uma fortíssima personagem: Chico Bocão, amolando sua
foice e desafiando o todo-poderoso Coronel Jobilino: “se
o coronel, quiser, venha ele mesmo me tirar daqui”.
Há trinta anos, antes de
se instalar o processo de desnacionalização da
literatura brasileira, Peste e Cobiça estaria – como
estiveram Dona Flor, Maria Moura e tantos outros – na
lista dos best-sellers e nas páginas mais nobres da
crítica literária. Isso, estou certo, acontecerá
fatalmente. Tião Lucena escreveu uma obra eterna. Vale a
pena conferir.
(Fonte: Jornal da ANE nº
38, fevereiro e março de 2011)
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