Ildásio Tavares
A
Lista dos 20
A carta [fax] de Ildásio Tavares
À atenção do prof. Doutor Eduardo Mattos Portella
- Presidente da Fundação Biblioteca Nacional - fax 021.330.41.73
Caro amigo Eduardo:
Faxeio-lhe não para reclamar ou
reivindicar nada para mim. Estou sendo publicado em co-edição com a
BN e isto já é muito para um poeta estadual, quiçá municipal.
Todavia, tendo sido solicitado pelo ilustre poeta Antônio Carlos
Secchin a compor um colégio eleitoral que escolheria 20 poetas de
uma antologia da poesia brasileira contemporânea, de bom grado
acedi, entrevendo uma possibilidade, de com meu voto, abrir espaço
para poetas brasileiros altamente significativos que, porém, por não
residir no eixo centro-sul, não têm acesso às publicações de
circulação nacional, ficando reduzidos a seus estados, ou até
cidades, apesar do grande valor de suas produções. Ao receber ontem
uma carta do referido senhor Secchin com uma listagem dos 20
eleitos, dei-me conta de que, ao invés de corrigir as distorções das
avaliações etnocêntricas do eixo centro-sul, a eleição as perpetua,
num pocedimento que só é democrático no nome, na aparência. Veja,
caro Eduardo, que:
1. O Colégio Eleitoral é
majoritário no eixo centro-sul o que resultou numa escolha de 99,5%
de escritores lá residentes.
2. Mesmo que o total de eleitores
no Brasil fora do eixo centro-sul fosse superior, redundaria no
mesmo. Os leitores votariam minoritariamente nos poetas de seu
estado e engrossariam os votos dos poetas notórios do eixo.
3. No caso de eleição promovida
por uma revista para publicar vencedores nessa revistas, os editores
e conselheiros editoriais deveriam ser ou se colocar inelegíveis por
um comezinho princípio ético. É óbvio que o pertencer a revista
influenciaria positivamente a eleição, fora o evidente talento em
voga. Quando Pedro Lyra organizou a sua antologia da geração 60 ele
se pôs fora. 25% dos eleitos pertencem à Revista Poesia Sempre, ou
seja um quarto dos poetas é de casa. Tenho plena certeza da lisura
da eleição, mas qualquer pessoa poderia duvidar. Enfim, a
inegibilidade é sempre uma medida cautelar de bom alvitre.
4. Por esse critério, ficariam de
fora poetas extremamente representativos e residentes em seus
estados. O que prejudicaria a visão panorâmica transformando esta
antologia em uma antologia metonímica da contemporaneidade. Além de
que, só aparecem poetas vivos, aguçando o sentido etnocêntico e
político. Eu, por exemplo, votei em Mário Faustino e Walmir Ayala.
Talvez seja melhor intitular a
coisa de Antologia dos Poetas Brasileiros Vivos, apesar da
indesejável polissemia.
Estas restrições, comungadas por
inúmeros outros poetas estaduais como Marcus Accioly, Fernando
Mendes Vianna, Myriam Fraga, Pedro Lyra, Florisvaldo Mattos, Judith
Grossman, Maria da Conceição Paranhos, Antônio Brasileiro, com quem
pude conversar, poderiam prejudicar a credibilidade da Biblioteca
Nacional face aos escritores e empanar um trabalho tão profícuo que
o meu caro amigo vem realizando à testa desta instituição. Aliás,
volto a repetir, dirijo-me mais ao amigo e menos ao Presidente e
este faz não visa a reclamar nada, e sim, oferecer estas dados ao
seu tirocínio para que pondere e veja se não será esta uma vitória
de Pirro, tanto para os leitos como para a revista. Jorge Amado,
nosso amigo comum, por vezes repetidas já referiu-se ao amigo
Eduardo como uma das pessoas mais lúcidas e sagazes que já conheceu
e, aliás, já o disse por escrito. Caso ache que minhas ponderações
são descabidas, ignore absolutamente este fax, que aliás, esmaecerá
no devido tempo. A Guerra de Tróia foi provocada pela deusa da
discórdia que, por não ter sido convidada sem motivo justo, pôs em
cheque a beleza das deusas, a vaidade de três poderosíssimas
mulheres. Acresce que estamos em fim de mandato e qualquer equívoco
histórico não poderá ser corrigido no outro, ficando esta marca
histórica redutiva gravada em sua administração. Eu nem queria ousar
uma sugestão, mas uma ampliação da vintena iria contemplar mais
estados, mesmo que permanecesse uma relativa hegemonia centro-sulina,
em verdade, microcósmica do nosso país. Há várias antologias da
poesia brasileira contemporânea no Brasil e no exterior. A de Curt
Meyer-Clason, decano dos tradutores alemães, tradutor de Guimarães
Rosa, João Cabral contempla 40 poetas dos quais só 10 estão na lista
da BN, ou seja há 30 poetas contemporâneos reconhecidos na Alemanha
que o não são no Brasil. Acaba de sair em Portugal uma antologia
igual da Revista Anto (anexo artigo} apenas 7 poetas da lista da BN
estão nesta antologia. Ou seja, 41 poetas brasileiros reconhecidos
em Portugal não o são no Brasil. Estranho. O poeta Secchin fala em
respeito crítico e democracia mas não há nenhum dos dois, será uma
manifestação majoritária do eixo centro-sul. Poesia é estética e não
política, principalmente quando se vota em causa própria.
Reitero minhas escusas em lhe
incomodar, mas, como seu amigo sinto-me na obrigação de alertá-lo.
O abraço afetuoso do seu amigo e admirador.
Ildásio Tavares
|