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Carlos Ribeiro




“Melhor poesia está no Nordeste”





O escritor Ivan Junqueira fala sobre poesia e antecipa algo da conferência que fará sobre a obra de Ruy Espinheira Filho
 

O poeta, ensaísta, tradutor e presidente da Academia Brasileira de Letras, Ivan Junqueira, faz amanhã (sexta), às 17 horas, na Academia de Letras da Bahia, em Nazaré, conferência sobre a poesia de Ruy Espinheira Filho. O evento, promovido pela ALB, Revista Iararana e amigos do autor baiano, marca a passagem dos trinta anos de poesia de Ruy, desde a publicação do seu primeiro livro de poemas, Heléboro, em 1974.

Autor de nove livros de ensaios, seis de poesia – um deles, Sagração dos ossos, vencedor do Prêmio Jabuti, em 1995 – e de 13 traduções, incluindo obras de grandes nomes da literatura universal, como T. S. Eliot, Marguerite Yourcenar, Jorge Luís Borges, Dylan Thomas, Proust e Baudelaire, Junqueira é um dos mais importante intelectuais em atuação no País. Escreveu os ensaios “Sombras luminosas”, publicado no livro O encantador de serpentes (Alhambra, 1987) e “O lirismo elegíaco de Ruy Espinheira Filho”, em O fio de Dédalo (Record, 1998), nos quais destaca os seguintes aspectos na poesia do autor de Memória da chuva: o apuro formal, a coerência interna, a “emoção recolhida em tranqüilidade” (conforme definição do poeta inglês William Wordsworth), o elemento surpresa, o ludismo e a ênfase na memória.

A palestra é uma justa homenagem ao escritor baiano, autor de 21 livros, incluindo poesia, conto, romance, ensaio e infanto-juvenil e que vem desenvolvendo uma reflexão sobre a poesia moderna, tendo publicado recentemente dois livros de ensaios, sobre Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Nesta entrevista, Ivan Junqueira fala sobre a poesia das três últimas décadas, ressaltando a atuação dos poetas do Norte e Nordeste, regiões onde, segundo ele, está sendo feita a melhor poesia hoje, no Brasil.
 



Carlos Ribeiro – Como ensaísta, o senhor vem promovendo o reconhecimento de vários poetas, alguns deles já bastante conhecidos de grande parte dos leitores, em nível nacional, a exemplo de Alexei Bueno, Floriano Martins, Donizete Galvão, Dora Ferreira da Silva e Ruy Espinheira Filho. É possível estabelecer o perfil das gerações literárias que vêm se firmando ao longo dos últimos 30 anos?
Ivan Junqueira – Não se pode falar em um perfil de uma determinada geração literária. Nos últimos 30 anos entra o período de afirmação da geração de 1960, estudada por um livro importante, do Pedro Lyra; há o perfil da poesia alternativa; há o que sobrou da geração de 60, com a Poesia Práxis, por exemplo. E há a geração de 70, 80, da qual se fala muito do pós-modernismo, mas que prefiro falar de um modernismo, ou melhor, de uma modernidade tardia. Eu acho que a partir dos anos 80 se produziu uma poesia importante no Brasil, a exemplo dos autores que você cita na sua pergunta, incluindo a do Ruy Espinheira Filho.

CR – Mas pode-se citar alguns pontos em comum entre esses autores?
IJ – Em toda produção, ainda que não seja geracional, tem três períodos: o primeiro, de combate; o segundo, de vigência, e o terceiro, que é o de confirmação da obra. O Ruy Espinheira Filho está nesta fase, como outros também. E há ainda uma geração posterior, dos anos 90, da qual não se tem ainda uma visão nítida, por faltar um distanciamento. De modo que não se pode falar num perfil, nem no de uma geração, porque a última que merece este nome foi a de 60. O que tem depois é um mosaico heterodoxo de poetas que não estão filiados a um ideário. Cada um procurou seu próprio caminho, o que é, aliás, uma característica da pós-modernidade, inclusive na volta à poesia medida, com metro e rima. A pós-modernidade é aberta a todas as experiências, incluindo um retorno à poesia do passado.

CR – Dentro desse mosaico, dá para se dizer onde está sendo feita a melhor poesia hoje no Brasil?
IJ – Eu já falei sobre isto diversas vezes, e vou dizer aqui: a meu ver, a melhor poesia está sendo feita no Nordeste: na Bahia, em Pernambuco, no Ceará, no Maranhão. Até mesmo no Amazonas. De forma que acho importante que os poetas fiquem onde estão, defendendo seus rincões de origem. Já passou o tempo daquele processo migratório que aconteceu no Modernismo, porque, naquela época, os poetas ficavam isolados. Hoje, com a facilidade de comunicação, dos meios eletrônicos, já não é necessário aos poetas atravancarem o Rio de Janeiro e São Paulo.

CR – O problema, nesses estados, é ainda a falta de editoras que lancem seus títulos nacionalmente. Exceção feita, fora do eixo Rio-São Paulo, à região Sul.
IJ – Editoras têm, o que não tem é distribuição. A região Sul tem suas editoras, tem seus escritores, tem seus editores, tem seus mercados. Circulam entre eles mesmos, tem seus jornais literários, tem participação no cenário nacional e independência financeira. É bem diferente do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste.

CR – Que pontos o senhor identifica a favor da poesia que é feita no Norte e Nordeste? O que faz dela a melhor, em sua opinião?
IJ – Em primeiro lugar: o autor, quando vive na sua província, tem contra ele a distribuição, mas tem a favor um processo de independência espiritual maior do que a do que está em um centro produtor. Faz uma poesia mais descontaminada. Ele transcende o regionalismo dele ao falar de sua aldeia. Um exemplo disso é um escritor extraordinário, (o ficcionista mexicano) Juan Rulfo, que está editado em 36 línguas. É como dizia Tolstoi: “Se queres ser universal, fale de sua aldeia”. Outra coisa: O poeta do Nordeste fala da alma dele que é a coisa mais profunda no ser humano. O espírito borboleteia, fala de fora para dentro. A alma fala de dentro para fora. O espírito é uma coisa mais intelectual; a alma é mais enraizada. O escritor do Nordeste está mais preso às raízes dele.

CR - Quais os principais aspectos da poesia de Ruy Espinheira Filho que o senhor pretende destacar em sua conferência?
IJ – Eu conheço bem a poesia dele, da qual posso destacar alguns pontos, a exemplo da coerência interna. Ruy é o mesmo poeta desde o primeiro verso publicado em Heléboro, há 30 anos, até o último, do livro mais recente. Ele tem identidade, o que é difícil deixar incólume através de uma obra grande como a dele. Coerência que, como afirmo no meu ensaio (“A poesia elegíaca de Ruy Espinheira Filho”, em O fio de Dédalo, 1998), atesta uma identidade espiritual que, apesar de ser transformada continuamente, não se corrompe jamais. Costumo usar a imagem do carvalho heideggeriano, que, apesar de sua aparente imobilidade, está em permanente e imperceptível movimento.

CR – O senhor cita também o elemento surpresa enfatizado por Poe em seu Poetic Principle, e, lembrando a definição de Wordsworth, da “emoção recolhida em tranqüilidade”.
IJ – Sim. O elemento surpresa era defendido por Poe: numa obra de arte, como na música, há um encaminhamento para uma coda, que é uma síntese que tem que envolver uma coisa surpreendente. Se não houver isto a obra está morta e o leitor dirá: “Não aconteceu nada?” Outra coisa é que Ruy se vale da língua com grande apuro formal. Pode-se ver como ele se nutriu com a leitura de autores da língua portuguesa e de outros países. Quanto à frase de Wordsworth, esta é a única forma da poesia atingir o leitor na medida certa. O que é transformado em verdadeira arte é a emoção que se recolhe em tranqüilidade. Não é no momento do impulso emocional que se faz poesia. Não acredito na obra que se valha da emoção instantânea. O processo não é como um transe. É lento e exige um processo de maturação para que se transforme em arte.
E há ainda um outro ponto, que é a maneira como ele lida com a questão da memória. Sem memória não existe o processo de criação literária. Mesmo quando você despersonaliza, a presença da memória é importante. O aprendizado envolve memória pessoal e coletiva. Sem isso não se consegue fazer poesia que possa ser transmitida ao outro.

CR – O senhor distingue o ludismo da obra deste autor, tendo em vista a relação memória/tempo, daquele outro, do exercício metalúdico, “que se esgota em si”, presente, por exemplo, na poesia concreta. Por que a ênfase nesta distinção?
IJ – A poesia concreta é uma bobagem. Como disse Antonio Houaiss, ela trabalha com o cadáver do signo lingüístico. Para se fazer poesia tem que se trabalhar com o sistema da língua. A poesia concreta arrancou o signo de dentro do contexto sintático-verbal. Construíram uma coisa que é mais escultura do que literatura. O que os concretistas fizeram não foi nem um ludismo, mas um metaludismo. Por isso que ele se esgota nele próprio.

CR –– Numa rápida consulta ao site da Academia Brasileira de Letras, verifica-se uma intensa programação de eventos. Está ultrapassada a noção da academia como algo estático e retrógrado?
IJ – Esta visão está ultrapassada há mais de dez anos. Hoje a Academia planeja uma porção de coisas que pode executar, porque não depende de ninguém, ela tem receita própria. Ela é uma casa de cultura muito operante, não apenas em relação a conferências e seminários, mas também no setor de publicações, na Comissão de lexicografia (que cuida dos dicionários e vocabulário da Casa) e nos centros de memória. Promovemos uma série de concertos de música erudita, e há os prêmios que ela dá anualmente: o de Poesia, o de Ficção, o de Ensaio, o de Literatura Infanto-Juvenil, o Prêmio Machado de Assis, o de Tradução, criado há dois anos, e o Prêmio José Hermírio de Morais, que contempla geralmente obras ensaísticas, mas não só. No ano passado foi um poeta, o Bruno Tolentino, quem ganhou.

CR – Por que os poetas brigam tanto entre si, parece que mais até que os ficcionistas? São mais vaidosos?
IJ – Isto acontece não só na poesia, mas em todas as artes, em todas as épocas e em todos os lugares. Faz parte do processo de firmação pessoal e do gosto estético. Mas a vida literária leva à formação de “capelinhas”, que por sua vez leva à política. E isto está mais próximo da província, porque nas metrópoles ela se dispersa. Nas viagens que fiz vi muita gente brigando na Bahia, no Ceará, no Maranhão. Isto só cria inimizades, mas é universal.

CR – Acontece mais entre os poetas, porque têm mais gênios do que entre os ficcionistas?
IJ – É porque existem muito mais poetas que prosadores. Poetas são nuvens de gafanhotos, são cinco milhões de poetas. Está cheio de gênios e de geniosos. As pessoas se esquecem que precisa de um século para surgir três gênios dignos deste nome. E em toda a literatura tem os autores maiores e os menores, e que se não fosse o menor não teria o maior. E às vezes o poeta menor é melhor do que os maiores. As soluções artísticas desses poetas menores são às vezes melhores que a dos outros.

 



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