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José Alcides Pinto
 

O arco-íris de um poeta

Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará, Brasil
20.06.1999
 

A poesia do último livro de Barros Pinho "Pedras do arco-íris ou a invenção do azul no edital do rio” (Fortaleza, UFC, 1989) - começa pelas epígrafes que ele próprio cria e junta a alguns poemas. Assim, logo de início, Barros Pinho se apresenta de cara nova pela alta qualidade de sua inventiva.

A Dimas Macedo, poeta e crítico, que faz a apresentação da obra, ele se insurge, e sempre nas minúsculas como gosta: “para dimas macedo que sabe tudo da palavra sabendo mais da solidão”.

Mas não pense o leitor que fica só por aqui: tem mais esta e mais aquela e mais outras, cada qual melhor de se ler. Vejamos a epígrafe a Juarez Leitão, poeta amoroso e polêmico. Assim ele o homenageia: “para juarez leitão que anda pela caatinga com os alforjes repletos de metáforas eróticas”.

Peço ainda ao leitor um pouco de paciência, pois não resisto à tentação de transcrever mais esta: “para teresa lúcia fonteles que é tão íntima dos labirintos da gramática”. Vamos parar por aqui, deixemos as “epigramas” de lado, pois o livro de Barros Pinho está repleto de surpresas e novidades.

Poeta altamente criativo e muito original desde os seus primeiros livros de versos. De versos sim; porque ele também incursiona pela prosa de ficção com suas estórias por vezes fantásticas - narrativas que nos tiram o fôlego e nos deixam assustados pela audácia da linguagem nova, imprevisível, a par de uma técnica de composição e montagem que cada vez mais enriquece sua escritura. Seus contos lembram, por vezes, Rulfo, Gabriel Garcia Márquez, Júlio Córtazar, Miguel Angel Astúrias e outros, enfim os escritores latino-americanos ligados ao fantástico ou ao realismo mágico.

Ele tem uma maneira muito pessoal na caracterização dos personagens com os quais trabalha. Seus. textos (os contos, digamos melhor assim), fogem da problemática regional-convencional, para situar-se mais próximos do universal. Tudo é necessário em seus escritos. Não falta nem mesmo a lição de Machado de Assis que ele assimila tão bem: “Se a espingarda não entra na estória, é melhor tirá-la da parede".

Daí o essencial em suas narrativas. O supérfluo fica fora de sua imaginação. A metáfora ajustada ao sortilégio que ela levanta dá a estrutura e o equilíbrio textual.A marca da autenticidade desse autor está presente na poesia como nos seus contos, cujo livro já está preparado (e pronto) aguardando somente edição.Mas este é um capítulo à parte nesta resenha, de qualquer forma, não podia ficar em branco. E impossível separar o poeta do ficcionista.

“Pedras do arco-íris ou a invenção do azul no edital do rio” - o título é um achado/feliz. Títulos como este são raros e podem ser comparados a poucos outros, como “Espumas Flutuantes”, de Castro Alves; o “Eu” de Augusto dos Anjos; “Navio da noite”, de Artur Eduardo Benevides; “Estrela de pedra” ou “Liturgia do caos”, de Dimas Macedo; “Os mortos azuis”, de Francisco Carvalho, “Gritos bárbaros”, de Moacir de Almeida; ou ainda a “Ilha dos patrupachas” deste desventurado eseriba.

Desde sua estréia com “Planisfério”, passando por “Natal de barro lunar e quatro figuras no céu, Circo encantado e Natal do castelo azul”, Barros Pinho desmantela a organização lógica tradicional e constrói uma fabulação onírica e visual que se dilui por todos os seus poemas. Daí a luminosidade, a cor, o ritmo, o som e a música que sopram da magia dos seus poemas.

“Pedras do arco-íris”, além do prefácio de Dimas Macedo, divide as orelhas com Eduardo Campos e Adriano Espínola, dois vultos importantes de nossas letras, e que por natureza e destinação seguem rumos (e gêneros) diferentes. O primeiro no romance e no teatro, e o segundo na poesia e no ensaísmo literário.

Bem, mas seja lá por que for, estamos agora diante de um poeta, cuja trajetória acompanhamos passo a passo e que agora se completa com esse “Pedras do arco-íris”, um livro raro na poemática nacional. Barros Pinho vinha há tempos ausente dos suplementos literários, trabalhando e aperfeiçoando sua poesia em solidão e silêncio, à sombra do arco-íris, “à sombra das raparigas em flor”, repassando, como Machado de Assis, os dias idos e vividos de sua “Carolina”, a par de uma vida política agitadíssima.

Barros Pinho é conhecido não só como poeta de vanguarda, mas também como político, sempre lutou de mangas arregaçadas e cabeça erguida, com seu verbo de fogo (quer na tribuna ou na poesia), ao lado dos “humilhados e ofendidos” como queria Dostoiévski.

Pois este homem desassombrado e que não tem medo de marmota, situa-se hoje entre melhores poetas de sua geração, juntamente com Adriano Espínola, revelação dos novos tempos, Pedro Henrique Saraiva Leão, Dimas Macedo, Artur Eduardo Benevides, nosso poeta-príncipe; Francisco Carvalho, Juarez Leitão, Linhares Filho, Sânzio de Azevedo, Horácio Dídimo e poucos outros. O destaque da lista, como não podia deixar de ser, fica mesmo com o cinqüentão que deu um susto nos poetas brasileiros quase à entrada do 3º milênio, Soares Feitosa. Mas, não foi por acaso que deixamos para derradeiro o único poeta épico e oracular por excelência da poesia nacional - Gerardo Mello Mourão, esta réplica de Dante e Virgílio, Pound e Baudelaire, de quem tivemos dois livros quase simultaneamente – “Invenção do mar” - já considerado clássico, e “Cânon & Fuga”, ambos lançados recentemente pela Editora Record.

Mas Barros Pinho pode ser considerado o poeta do essencial, tanto na lírica amorosa como no sensualismo epidérmico, pois ele não é só dono do corpo do poema como do da amada, de resto com o social, levando-se em conta que somos sociais à medida que somos humanos.

O poeta de tantos símbolos e modelo artístico, plural sob qualquer ângulo que se volte, é também criador de uma estética substantiva inovadora, e que se compraz na beleza do arco-íris e na beleza do poema. Poeta inventor da paixão e do sensualismo, do amor e do sonho, da luz, dos circos encantados e dos natais. Poeta da primeira e da última namorada: “o circo deixou Teresina/ levou a primeira namorada”.

Fala nosso poeta e diz muitas coisas ainda “que se publicadas/ enchem de amor/ o fim do mundo”. Não esconde ele o delírio sensual que o atormenta: “de fêmeas escancaradas/ na areia do sol das palavras”. “Viver não só para existir” é um poema dos mais altos do livro entre tantos outros. Mas deixemos que o leitor, ávido de sonho e poesia, descubra por si mesmo, o encanto de seus versos. Acompanhemos, por enquanto, o pensamento de Dimas Macedo, a quem foi confiado a apresentação do livro:

“Que pobre seria a criação literária de Barros Pinho se ela não fosse a invenção do azul! E se ele não fosse feito de natais, de símbolos visuais e eróticos e se a recorrência temática não fosse o elemento distintivo de toda a sua produção! Penso que é na recorrência temática que ele se engrandece e que escala os andaimes em busca da ideia de Deus, tal como pregada por Augusto Frederico Schmidt, que achava que a solidão dos poetas é a maior solidão de todas as solidões possíveis”.
 

Também F. S. Nascimento, com seu peso e sua medida métrica, não deixaria por menos:

"Nas ideações poéticas de Barros Pinho, a metáfora tem se constituído o instrumento mais forte de sua linguagem versificada."
 

Barros Pinho em sua nova experiência poética afasta-se do telúrico e esbarra no encantatório: a forma precisa, exata, contida; a estrutura harmoniosa e leve impõem uma ruptura com a linguagem convencional e o prosaico, sem perder, evidentemente, a alegria, que sempre foi a marca de sua poemática em todos os tempos.

A resenha está acabada, completa, deixando muito a desejar. Mas os poemas de Barros Pinho continuam desafiadores do tempo e da crítica. Entreguemos, pois, o livro nas mãos do leitor, porque afinal de contas este é o principal julgador da obra.

 



Barros Pinho
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