José Carlos de A. Brito
A poesia
A poesia escrita não é propriamente a essência da
poesia. Poesia é uma emoção que existe - em muitos momentos da vida
- na comunicação que os seres estabelecem com a alma, o outro mundo
dos sentimentos.
Essa emoção acontece entre seres humanos e as coisas
da natureza, ou mesmo talvez entre seres vivos, não humanos, que
jamais usarão a palavra escrita. O ser humano, é apenas um espelho
de sua consciência e também de seu mundo inconsciente, que reflete,
em sensibilidade, o existente, para seu próprio uso. É esse, um dos
processos subjetivos em que o conhecimento acontece pela função do
sentir. O sofrimento, o amor, o ódio, a paixão, a ternura, a mágoa,
a amizade, a saudade, a alegria, a melancolia são forças brutas, que
se apoderam da totalidade do corpo e, sem a intermediação da
vivência poética, poderiam destruí-lo, sendo a loucura um dos
refúgios para quem não consegue transformar em símbolo a pressão
avassaladora desses sentimentos.
Poesia escrita - através de palavras - mesmo não
sendo a poesia em si, constitui-se como figuras da memória poética,
ou elementos da imagem primordial, que tem a possibilidade mágica de
refazer as emoções da essência, ao ser lida. O poema escrito é a
alienação da essência poética, produzida na alma e se transporta
para o espelho. No entanto, ao figurar nessa escrita, através dos
símbolos vivificados pelas imagens, para representar emoções, o
poema simbólico só voltará à sua essência ao ser lido. E nesse
momento as figuras incitarão o movimento de uma nova forma poética
em novas emoções criadas, que igualmente poderão ser representadas
em símbolos da forma de poema ou em outras formas simbólicas.
A poesia – arte de expressar, pensar ou intuir o
sentimento através de imagens vivas - tenta prender, cativar,
atrair, e para isso utiliza-se de algumas artimanhas; curiosidade,
provocação, sedução, por um processo que alguns chamam estético, ou
da beleza, isto é, o desejo de prazer, ou o desejo de alcançar um
estado de delicia. Tudo no plano de uma imagem (miragem) simbólica.
No deserto, quem não se apaixonaria pela miragem de um oásis? E
quantos prazeres reais não são perdidos ao faltar à consciência o
processo da imaginação? Pois, a imaginação não só é um mundo de vida
própria, como o único mundo real, possível. A ele se antepõe a
função ilusória dos conceitos racionais, que alias, age como pólo
oposto em que a tensão transforma a energia em arte criativa.
Um de nossos problemas atuais encontra-se na
obrigação de consumir, e a sociedade estabeleceu o conceito
escravizador da produtividade, induzindo o ser a transformar a
natureza para produzir inutilidades e lixo; processo da destruição,
tanto do mundo, como do tempo criativo dos seres. Esse destruir o
próximo como a si mesmo, para que o produto da energia se transforme
em lucro mórbido utiliza um processo nefasto de transformar a
energia vital dos desejos da libido, pela mídia consumista, para
esse acúmulo da produção inútil, que ocupa o ser na destruição do
outro. A poesia salva através da criação subjetiva dos sentimentos
em alimentos libidinais do símbolo, assimilados e distribuídos
conforme a sensibilidade criativa e receptiva.
Portanto, poesia seria um produto da divagação, sem utilidade
aparente a não ser a imaginação gratuita. Evita a domesticação
exercida pela força impositiva da cultura autoritária. E, mesmo ao
parecer inútil - no mundo dos conceitos da falsa utilidade
autofágica - a poesia significa resistência do ser humano para
evitar essa normalidade de convivência com o absurdo, chamado
realidade.
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