José Carlos de A. Brito
Poesia é essência...
Alguém já disse que as pessoas só se suicidam porque
não conseguem ser poetas. O convívio com a poesia seja lendo,
escrevendo ou simplesmente ouvindo, pode proporcionar uma viagem tão
transcendental quanto a tentativa de encontrar as vivências da alma,
que poderiam aliviar angústias presentes.
Talvez seja por isso que tantas pessoas, hoje em dia,
tentam expressar, através da escrita, caminhos de fuga para outras
formas de vida, na tentativa de encontrar uma utopia pessoal. No
entanto, a maioria, mesmo não tendo como objetivo realizar uma
grande obra poética (ao menos segundo critérios estéticos
predominantes) consegue, no mínimo, criar a sua poesia particular,
em viagem à própria alma. Com o prazer de fazer e reler o próprio
produto seria possível essa viagem de deslumbramento, que acaba por
substituir a obscura alternativa do tédio, da desesperança e até da
morte. Ou das inúmeras mortes que acontecem mesmo aparentando vida.
Essa diferença, entre aquilo que alguns consideram a
grande poesia e o comum dos versos, feito por milhares de pessoas,
encontra-se no valor do poema, ao ser medido pela emoção despertada
em outras pessoas, além do próprio poeta. A abrangência conseguida
em especial por algumas obras, consideradas primas, não desmerece a
quantidade de produção poética comum. Em determinados momentos todos
fazem sempre algumas poesias melhores. E alguns poetas,
especialmente afiados com a sensibilidade coletiva, conseguem
atingir a subjetividade alheia, em certas circunstancias, com mais
facilidade. Isso também pode acontecer em épocas culturais
diferentes entre a criação e o reconhecimento. Este último, em
muitos casos, nem coincide com o período de vida do poeta criador.
Portanto, a poesia, mesmo sem ser conhecida ou
reconhecida por alguém, além do seu criador, poderá ser julgada como
valiosa e autêntica, ao possuir essa capacidade de curar, ou
transfigurar a pessoa que a escreve.
...e vai além da aparência.
Para não ficar doente; não entrar em crise; ou não
sucumbir; existem algumas (poucas) saídas na vida. Na verdade
poderiam ser milhares de janelas abertas para o mundo, se nossas
vistas não fossem cegadas pela escravidão da cultura massificada da
mídia obscurantista. Ela nos consome corpo e mente, quando lhe damos
a comer toda a qualidade de expressão emanada de nossa disposição
sensível e que ao invés de despontar autônoma na obra de arte é
diluída em nossa atenção pela mídia comercial.
Por isso, as portas para um novo mundo de
possibilidades felizes são escassas, reduzidas pelas dificuldades de
exercitar a emoção. Mas existem. Encontram-se na água de cachoeiras
e rios; nas árvores com seu cheiro, cor de folhas e frutos e em sua
energia quando as abraçamos. Existem no mar, nos peixes, nos
animais, e em todas as partículas vivas, assim como nas
manifestações da natureza. Existem no céu estrelado, na lua, na luz
solar, e nessa energia do cosmo. Igualmente, isso acontece quando se
escreve ou se conversa, a cada dia, descobrindo a novidade imanente
da alma nessas coisas novas. Recolher idéias e sentimentos em
contato com a natureza significa desabrocharmos, nós mesmos, como
elementos com possibilidade de gerar emoções.
Indo além, a poesia não pode ser simplesmente um
enunciado, uma proclama que usa o papel e a palavra para comunicar.
Mas ela pode aparentar, parecer, fingir tudo isso: história,
sociologia, psicologia, louvação, oração, carta íntima, aviso,
notícia, protesto, comunicado, música de palavras, amor, erotismo.
São esses os instrumentos de aparente pintura externa, com estética
própria, originários da cultura que nos influencia.
Mas a poesia não se realizará, verdadeiramente,
apenas com a arquitetura física de sua aparência, mesmo bela. Para
ser poesia, ela precisa de algo mais; sua natureza fundamental, sua
essência; uma espécie de entidade viva, onde o sangue corre por
dentro das letras. Onde o papel vibra, lateja e goza, como pele, ao
contato desse texto gravado, independente do tema, do leitor e do
poeta. Mesmo sendo filha de uma criação inicial, ela tem autonomia e
reflete muitos elementos subjetivos, além das meras formas externas:
a transcendência simbólica da vida própria. O poeta é mais uma
dessas aparências - combustível de intuição e sensibilidade – e sua
vitória acontece ao desvincular-se de seu produto, passando a ser
apenas um permanente leitor do mesmo, em permanente reprodução da
libido. Com o tempo essa poesia vai desabrochando e desprende vários
odores, cores e novas interpretações; é um perfume continuo e
irregular exalado pela revelação de sua essência ao desenvolver-se
na releitura de novas emoções.
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