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José Inácio Vieira de Melo


 

Um panorama da palavra de Helena Ortiz

 

Projeto Poesia na Boca da Noite 
Salvador – BA, abril de 2005


 

A poetisa gaúcha, radicada no Rio de Janeiro, Helena Ortiz, autora de cinco livros, estará em Salvador na próxima terça-feira, dia 4 de abril, lançando Sol sobre o dilúvio no projeto Poesia na Boca da Noite, evento que vai dividir com o poeta baiano Antonio Naud Júnior.

Nesta entrevista, Helena Ortiz, editora do jornal Panorama da Palavra e da Editora da Palavra, fala da importância dos projetos de poesia e da dificuldade em mantê-los; fala, também, de seu novo livro, Sol sobre o dilúvio, e da sua incursão pela prosa.


José Inácio Vieira de Melo – Você está vindo para Salvador para participar do projeto Poesia na Boca da Noite. Uma vez que coordenou o projeto Panorama da Palavra, que levou aos palcos do Rio de Janeiro vários poetas brasileiros, qual a importância desses projetos?

Helena Ortiz – A importância desses projetos é manter a poesia viva, fazer com que se fale nela, motivar os poetas a escrever e a mostrar o que fazem (e isso é a livre manifestação da sensibilidade); proporcionar o convívio entre poetas estreantes e reconhecidos; estimular os novos poetas à escrita, à leitura e ao aprendizado da língua; manter viva também a poesia de todos os tempos, chamar a atenção do público para o fato de que existe uma manifestação artística que, por algum motivo, não recebe dos veículos de comunicação de massa o espaço que merece. Celebrar a poesia.


JIVM – O projeto Panorama da Palavra nasceu juntamente com o jornal de literatura Panorama, há sete anos. Fale da trajetória, do porquê de um projeto de sucesso ter acabado e da atual condição do tablóide mensal Panorama da Palavra.

HO – O panorama da palavra no palco nasceu em março de 1999. Durou dois anos na Casa de Cultura Margarida Rey, em Copacabana, e dois no Teatro Candido Mendes, em Ipanema. Em seguida senti a necessidade de registrar, impressa, a poesia que ali se dizia. O jornal panorama da palavra nasceu então, já no mês seguinte, com esse objetivo. Mas não foi possível atingi-lo, porque o evento era semanal e os poetas não obedeciam muito aos prazos. De modo que o jornal perdeu essa característica e passou a ser um jornal de literatura, privilegiando a poesia, é verdade, e servindo como veículo de divulgação do evento. O exemplar do mês trazia na última página o programa das quatro semanas.
O jornal continuou com uma periodicidade regular até a 52ª edição, em dezembro de 2005. Segue virtual até a bendita aprovação de um projeto que o viabilize. Foram 116 edições onde se apresentaram 497 poetas, sem repetir.
Por que terminou? É sempre difícil dizer. Muitas coisas: falta de dinheiro, falta de interesse por parte do teatro que o abrigava, disseminação de recitais pela cidade, e as indefectíveis vaidades literárias. Eu pensava que os poetas se reuniriam em torno do projeto que já tinha palco e veículo e o fariam grande, a ponto de transformá-lo num fenômeno que mostrasse ao mundo: Pronto, é chegada a verdade. Ilusão - coisa de poeta.


JIVM – No projeto Poesia na Boca da Noite, além de participar do recital, você vai estar lançando Sol sobre o dilúvio, seu quinto livro de poemas. Fale desse trabalho.

HO – Sol sobre o dilúvio abriga 34 poemas escritos depois da publicação de Em par, em 2001. Estava numa fase de contos quando uma amiga, Joana Maria Guimarães, me convidou para fazer uma leitura de poemas. Foi para isso que os reuni e organizei. O resultado dessa leitura foi um grande estímulo para a publicação. E uma leitura de Joaquim Cardozo me pôs nas mãos o título. Talvez tenha sido a senha para a hora de nascer. A trajetória detalhada está contada nele mesmo, no final. E o trabalho de editoria também foi meu. É um lado que venho desenvolvendo com entusiasmo: a produção gráfica. Não tenho saber específico, mas vou sendo feliz.
Até hoje, que eu saiba, apenas uma pessoa notou que a concepção gráfica dos títulos também tem a ver com o poema.


JIVM – Na apresentação de Sol sobre o dilúvio, Márcia Cavendish Wanderley afirma que a “qualidade rara de pouco falar e muito dizer” é uma de suas características principais. Poesia é sugestão?

HO – Poesia também é sugestão. Outros poetas a fazem mais abertamente, eu não. Talvez porque tantos falem tanto, e poucos ouçam. Ou porque tantos escrevem tanto, e poucos leiam. O pouco pode ser tão surpreendente que leve a refletir mais. Não sei. Não sei nada. Procuro fazer o meu melhor. O meu muito.
Já agora, depois da publicação do livro, comecei a fazer poemas maiores, que pretendo levar ao Poesia na Boca da noite. É sempre bom ler poemas novos. Os filhos mais novos precisam de mais acalanto.


JIVM – Já o poeta e jornalista Carlos Machado, editor do Poesia.net, diz que “Um dos traços centrais da sua poesia é a marca do dia-a-dia. Os versos, sem floreios, são curtos e avessos a expansões retóricas”. A paisagem não entra no poema? A ilustração perdeu o sentido no dia-a-dia das grandes cidades?

HO – Como a sugestão, também a paisagem entra no poema. Outros poetas fazem isso tão bem. Eu sou urbana. Tive pouco contato com a vida campesina. Além disso, moro hoje no Rio de Janeiro, cidade onde há, paradoxalmente, mais beleza e mais terror do que em qualquer outra. Quando escrevo, é sempre um grito. Mas o sistema me empareda de uma tal maneira que só consigo soluçar. E o poema às vezes sai num soco. Escrevo (desculpem a pretensão) para transformar, e a mim também. Mas a natureza não precisa ser transformada. Ela é bela e perfeita. O homem é que precisa ser transformado, para que não se destrua de vez, assim como ao cenário.


JIVM – Além da poesia, você também escreve contos, tendo inclusive vencido alguns concursos importantes do gênero. Fale dessa sua face de prosadora. Tem algum livro de contos em vias de publicação?

HO – Escrevo contos, tenho prazer com eles e por vezes recebo uma resposta mais imediata do que para a poesia. Talvez a minha “pouca” poesia seja também para poucos. Os prêmios foram uma boa surpresa e um excelente estímulo. Venho escrevendo contos para o livro O silêncio das xícaras, que penso em publicar em 2007, se não tiver a sorte de algum prêmio me alcançar. Hoje em dia, os concursos, que muitas vezes são um investimento caro, é o único meio de se chegar à edição. Mas veja que estou falando em edição, não em divulgação. Sabemos que publicar é a única maneira de dizer que não desistimos, que não desistiremos, porque deixar a poesia é sucumbir. Muita coisa nos causa frustração, vergonha e decepção, mas a poesia, nunca. E assim vai-se também fazendo uma carreira. Soube há pouco tempo que um poeta de Salvador comprou num sebo dois títulos anteriores meus, Margaridas e Azul e sem sapatos. Há glória maior para o poeta, saber que seu livro chegou lá, como uma garrafa ao mar?


JIVM – A poeta prepondera sobre a contista ou há um equilíbrio?

HO – Sou mais aquela que me salva. Devo isso à poesia. Escrevo prosa para me divertir e para experimentações de estilo.


JIVM – Por que criou a Editora da Palavra? Estar inserido no meio literário e viver no Rio de Janeiro, considerado o eixo cultural do país, não facilita o acesso às editoras?

HO – Se você tem bastante paciência, boas relações e um parentesco privilegiado, sim. Fora disso segue igual a situação, agravada pelos excessos do capitalismo. As editoras não têm mais, como tinham antigamente, pessoas com capacidade de apontar o que devia ser publicado. Hoje em dia “cheira-se” a possibilidade mercadológica e só. Fora isso, os contratos são ridículos e os pagamentos também. Não bastasse isso, as livrarias não querem ocupar suas prateleiras com poesia. Ou v. compra pela rede ou vai achar autores brasileiros em Buenos Aires. Além disso, viver no Rio de Janeiro, escrever, editar, não quer dizer exatamente “estar inserido no meio literário”. O Rio de Janeiro, sob certos aspectos, ainda é uma província. Ao mesmo tempo, passa por um momento em que há excesso de edições. Não há critérios. O editor pode vender uma pasta de dentes que para ele dá no mesmo, porque é lucro que interessa, e não criar cultura, registrar manifestações artísticas de qualidade, porque inventivas ou que preservem o que já se aprendeu de língua e literatura.
Editar poesia é seguir um critério. Não precisa ser o certo. Apenas É um critério. Isso já é muito nesses tempos de rapina. Respondo por todos os autores que editei. Há talento, qualidade e promessa ali. A Editora da Palavra nasceu para isso.


JIVM – A sua atuação na literatura e o esforço em publicar jovens escritores, coloca-a em contato com a produção desses estreantes e emergentes. Você que é editora do Panorama da Palavra, faça, então, um panorama da literatura contemporânea brasileira.

HO – A poesia é uma arte muito exigida. As rádios estão aí a tocar um monte de porcarias e todo o mundo ouve com passividade. Os teatros estão cheios de peças fraquíssimas, todos pagam ingressos caríssimos e batem palmas de pé ao final do espetáculo. O cinema também produz filmes sofríveis (quase todos patrocinados) e todos vão concorrer a uma estatueta. Mas a poesia não pode ser nem mediana. Se aparece um soneto de pé quebrado, se v. não achou a palavra exata, se o poema ficou sem ritmo, se a capa não for laminada, ai do poeta - está perdido. Além disso, uma dificuldade dos tempos atuais: ninguém consegue (eu ia dizer quer, mas não é o caso) ninguém consegue ouvir poesia. É muito trabalhoso. V. precisa se concentrar, calar a boca e entrar numa viagem que não é a sua. É só isso. Mas isso é muito para uma sociedade conturbada. Poesia exige concentração e entrega por parte também do receptor. Se esse encontro não se faz, é claro que você não vai gostar porque aquelas palavras ficam soltas na sua cabeça, junto com outras que já nem pode tolerar. V. não é capaz de ouvir um verso sem que passe um pensamento sobre desliguei o celular será que ele vai ligar pra que foi que eu disse aquilo pra ela será que vão descobrir e outras coisas que agoniam as pessoas de hoje, num tempo cada vez mais exíguo.
Nunca se escreveu tanto no Brasil e há centenas de bons autores que as grandes editoras nem conhecem. Até mesmo os autores que ganham concursos importantes têm visibilidade menor que os big brothers. Para v. concorrer ao Jabuti tem que pagar, se não erro, 225 reais. Depois disso, é possível que ache uma editora. Mas não é certo. Se v. perguntar a alguém quem ganhou o Jabuti do ano passada, quem souber, não leu. Algo assim como o Nobel. E também há, no terreno da poesia (ó horror) muitíssima picaretagem.
Quanto ao panorama da palavra, hoje em dia já é referência. Os autores não deixam de dizer que foram publicados no panorama da palavra. Onde há critério, há uma recomendação.


JIVM – E agora? Helena incendeia Tróia? O que podemos aguardar dessa escritora multifacetada? Quais projetos darão forma para tantas inquietações?

HO – Há outras versões para a fama de Helena. Digamos que se os homens fossem da paz a guerra não se daria por causa da mulher. As mulheres são pretextos que os homens usam para a guerra, assim como petróleo, papoula, ações e títulos, enquanto as mulheres preferem amar. De qualquer forma, uma fogueira se faz pelo volume da lenha.
Tenho tantos projetos que não cabem dentro da minha cabeça. Mas o mais próximo é simultâneo para o jornal, com 16 páginas, mensal, colorido, (os órgãos governamentais não gostam de projetos baratos); a realização do evento, com outro formato, e um concurso de poesia. Tudo junto agora. A seguir, uma coleção de 20 autores revelados pelo panorama da palavra e um texto para teatro: Exame de sanidade. Se a saúde ajudar, se a prefeitura não multar, se o estado não taxar, a receita debulhar os poderes omitirem e fizer sol.
Espero que me dêem a felicidade de vê-los a ouvir-me, se é que posso dizer assim. Que sejam muitos, para sabermos todos que força é essa que a poesia tem que nos levanta e mantêm vivos e ativos. Já senti uma vez, e quero sentir de novo o interesse e o calor de quem foi ouvir a minha poesia.
O público de poesia é o mais seleto, o mais interessante, o mais criativo, o mais livre que existe. E a Bahia é onde Deus é poeta.
 

 

Helena Ortiz

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13.11.2006