José Inácio Vieira de Melo
Poemário de
Umburanas-de-cheiro
Revista O Escritor Nº 116
União Brasileira de Escritores
São Paulo - SP, agosto de 2007
Antonio Carlos de Oliveira Barreto,
conhecido cordelista baiano, estréia na chamada poesia discursiva
com o livro Flores de umburana (Selo Letras da Bahia, 2006). Ao
contrário de boa parte da sua produção cordelística, que trata dos
fatos cotidianos da sua província e dos acontecimentos do mundo
globalizado, Flores de umburana segue por outro caminho – a trilha
das ausências. Seus versos trazem as sensações de quem olha para as
coisas e os seres e consegue experimentar o pasmo que há neles e a
relatividade do seu trânsito.
o menino a contemplar
as lágrimas de Heráclito
e o bem-te-vi
anunciando ausências
Flores de umburana é um livro que
recende a aromas silvestres e a seiva nativa das caatingas. Traduz a
força telúrica do seu autor, andarilho dos sertões. Barreto é um
pastor de cantos a conduzir seus poemas pelas mesmas pastagens
daquele guardador de rebanhos lusitano que apregoava na sua poética
que “pensar é estar doente dos olhos”.
Mesmo quando caminha pelas formas
fixas, como nos sonetos “Agalopado” e “Soneto do amor banal”, o
primeiro vazado em hendecassílabos e o outro em heptassílabos,
consegue ser leve e fluente como a brisa que povoa as paragens de
onde provém, os sertões de Santa Bárbara, e nos transporta para
dentro das imagens que evoca, não para pensarmos sobre elas, “mas
para olharmos para elas e estarmos de acordo”, como nos ensina
Fernando Pessoa por intermédio de seu heterônimo Alberto Caeiro, o
já citado guardador de rebanhos.
A maneira descritiva e o poder de
sugestão de seus versos, levam o leitor para dentro da paisagem que
vai inventando, convertendo-o em parte desse cenário, ou seja,
tornando-o parte daquela ordem, um elemento componente daquela
organização.
O fogo dos ventos soprando do norte,
a noite azulada tangendo os abismos.
Na dança da flecha se vão os
aforismos:
paisagens, caminhos, sertões, um
galope.
Mais do que uma metamorfose, esse
movimento pode ser compreendido como uma aceitação do processo
natural e espontâneo da vida, pois apesar de descobrir “que a vida/
é puro arco-íris de/ interrogações”, sabe que “Ao meu controle foge
o leme do destino/ tal o poema escapa de minhas mãos”. Essas
impressões proporcionam um sentimento de integração com o Cosmo, e,
nesse sentido, estamos diante não apenas de um poeta telúrico, mas
também de um poeta holístico.
Em outros momentos, apresentar quadros
de vivências, utilizando-se da linguagem suave que lhe é peculiar, a
exemplo do belo poema “Primeira comunhão”, que trata das descobertas
da infância e nos remonta ao primeiro alumbramento do mestre Manuel
Bandeira:
A língua do vento
suspende a saia
da indefesa mocinha
O garotinho,
mais-que-surpreso,
rompe a timidez:
que linda Flor Negra!
E, como não poderia deixar de ser,
Antonio Carlos de Oliveira Barreto, cantador de boa cepa, conclui
esse poemário de umburanas-de-cheiro, que aponta para promissores
caminhos poéticos, “Cordelizando”:
Sou do seio das catingas
Lá das bandas do sertão
Trago na veia a essência
Dos acordes do azulão
Do assum preto o sustenido
Da cigarra o alarido
Da coruja a solidão.
Link para Antônio Carlos de
Oliveira Barreto
|