José Inácio Vieira de Melo
Artesanato Meticuloso
Antônio Mariano, escritor paraibano,
41 anos, acaba de lançar seu terceiro livro de poemas Guarda-chuvas
esquecidos, pela Lamparina Editora. Além de movimentar a cena
literária de João Pessoa, com o projeto Tome Poesia, Mariano é um
dos poetas paraibanos que mais vem se destacando em seu estado, e já
começa a ganhar projeção entre seus contemporâneos no cenário
nacional. Mariano vive um momento singular na sua carreira de
escritor: 14 anos após a estréia como poeta, Mariano prepara-se para
publicar o seu primeiro livro de contos.
Nesta entrevista, Antônio Mariano fala
de suas concepções sobre poesia, da boa aceitação de seu livro,
Guarda-chuvas esquecidos, por parte da crítica e da expectativa em
torno do livro Imensa asa sobre o dia, a sua estréia na prosa. Fala
também da sua participação na coletânea Contos sobre tela.
José Inácio Vieira de Melo – Recentemente você publicou
Guarda-chuvas esquecidos, terceiro livro de poemas, que já conta com
considerável apreciação crítica. Fale desse seu novo trabalho.
Antônio Mariano – Posso dizer que este livro contém a poesia
que assumo até agora, que me representa como poeta no cenário da
literatura brasileira e de língua portuguesa. Esta convicção vem se
confirmando pela recepção que a obra vem tendo, pelas resenhas em
revistas e jornais do país que reconhecem na minha dicção uma marca
própria. Isto tem me gratificado. A coletânea é um mosaico de como
reflito a poesia e seu fazer, todos os diálogos, todas as
referências que condenso em busca de uma voz. Sigo o caminho já
apontado por Fábio Lucas quando do lançamento de meu primeiro livro,
O gozo insólito, há 14 anos, que é o de contemplar a tradição e a
contemporaneidade e me alegro que quem conviva com poesia esteja
percebendo isto e aprovando.
JIVM – Do seu segundo livro, Te odeio com doçura (1995), para
o atual, houve um intervalo de uma década. Qual o motivo da demora?
O poeta estava maturando seus versos ou foi por conta da costumeira
dificuldade em encontrar editora?
AM – Havia duas preocupações que de certa forma deixaram de
molho a publicação de um terceiro livro de poemas pelos moldes do
que eu tinha feito antes. Primeiro essa definição, essa maturidade
do fazer poético. Depois o desconforto com a distribuição prometendo
para mim que só publicaria a próxima obra quando conseguisse isso. O
que foi acenado o ano passado ao conhecer a editora da Lamparina
quando estive participando como um dos convidados do evento
Encontros de Interrogação do Itaú Cultural, em São Paulo. Ao remeter
os originais no começo desse ano, Tereza Andrade, a editora, e Maria
Esther Maciel, do conselho editorial, caíram de paixão pelo livro, o
que correu de forma rápida até o lançamento meses depois. Claro que
antes tinha feito algumas tentativas sem muito efeito. Mas a edição
veio no tempo certo, creio eu.
JIVM – Você dedica um capítulo do livro ao haicai,
considerado por Whisner Fraga como a melhor parte do livro. Fale da
sua ligação com a poesia oriental, sobretudo o haicai, e das demais
influências.
AM – Gosto muito desse olhar natural que os orientais lançam
sobre as coisas e como na poesia, particularmente nos haicais e
tankas, composições poéticas originárias do Japão, esses conseguem
construir sem rebuscamento atmosferas de tão rara beleza. Bashô,
Issa e poetas menos conhecidos como Seishi que escreveu: “No fim da
estação/as mágoas todas se afogam/ nas alvas cascatas”. O meu culto
a essa poética, na sua maioria, segue a linha inaugurada por
Guilherme de Almeida que a adaptou ao ritmo ibérico, com as
redondilhas menores e maiores, as rimas, as acentuações. Mas não me
considero um grande cultor da forma, daí chamar os exercícios de
“desorientações” que é a maneira de expressão que encontrei de
fazê-la em conformidade com minha cultura. Tenho em mente mergulhos
mais profundos no gênero.
JIVM – Você é um poeta que “Além do artesanato meticuloso”
faz “tentativas experimentais”, conforme afirmação de Cláudio Daniel
na apresentação de Guarda-chuvas esquecidos. Qual a relevância do
experimento na poesia? Você se considera um poeta de vanguarda?
AM – Não me considero um poeta de vanguarda, porque o cunho
inclusive já está superado. Teve sua hora e sua vez em meados do
século passado. Sou um poeta que tem por meta a pesquisa de formas
de dizer que não sejam surradas, manjadas pelo uso, mesmo que
pareçam estar na moda. Neste sentido, experimento o que conheço, o
que absorvo e nunca procuro ser legível apenas de pouquíssimos, tão
já é a poesia brasileira entre os leitores em geral.
JIVM – Tendo em vista a falta de interesse das editoras em
relação à poesia, como se deu o contato e o que despertou o
interesse da editora Lamparina em publicar seu livro?
AM – O contato, como disse acima, foi pessoal. A dona da
editora, que assistiu o meu debate, no Itaú Cultural, me viu recitar
e disse ter se agradado do que tinha ouvido, manifestando o
interesse de conhecer o livro que eu tinha organizado. Quando viu
finalmente disse ter visto originalidade nos meus versos, que eles
se destacavam entre a maioria do que é produzido no país. Claro está
que a maioria das editoras não quer nem ouvir falar em editar poesia
e só o fazem quando o autor já tem muita referência e possa lhe
trazer algum dividendo de publicidade, já que lucro financeiro
dificilmente trará. Um poeta estreante só por milagre conseguirá uma
editora boa que o banque. A saída continua sendo os concursos
literários para livros que dão prêmios de publicação, como tem
acontecido em alguns estados, inclusive na Bahia.
JIVM – Você tem se destacado também como produtor cultural,
criando projetos que movimentam a cena literária da Paraíba. Fale do
projeto Tome Poesia, do qual é coordenador.
AM – Esse projeto nasceu da necessidade de aproximar os
leitores dos poetas, de unir esses diletantes raros em torno dessa
afinidade que é a manutenção do gosto pela poesia. Tem finalidade
pedagógica na reflexão da criação poética. Mas sem a chatice de
alguns auditórios, das salas de aulas e das abordagens acadêmicas.
Acontece em lugares informais como bares, como é o caso do Parahyba
Café, ou mesmo feira de livros, caso especial do Fenart que o
incluiu na programação nesse ano e no que passou. Une esse povo pelo
prazer de dizer e ouvir poesia, geralmente no som da voz dos
próprios autores. Fico feliz que tenha obtido bons resultados,
fortalecendo intercâmbios com autores de estados vizinhos que fazem
par com os paraibanos.
JIVM – E a poesia contemporânea da Paraíba, como é que vai?
Quais os nomes que vêm se destacando? Existem grupos com alguma
tendência predominante?
AM – Considero contemporânea a poesia feita na Paraíba a
partir dos anos 60 que trazem nomes ativos como Jomar Morais Souto,
Sérgio de Castro Pinto, Vanildo Brito, Marcos Tavares, Bráulio
Tavares, Lenilde Freitas, José Antônio Assunção, Lúcio Lins, Vitória
Lima, e mais recentemente criadores como André Ricardo Aguiar,
Linaldo Guedes, Ed Porto e Astier Basílio. A estética predominante é
a da tradição, claro, mas os projetos abraçados por esses
representantes são todos de boa poesia.
JIVM – A literatura brasileira contemporânea, principalmente
a produzida no Nordeste – e ainda mais a poesia –, é praticamente
desconhecida, até mesmo por quem a faz. O que poderia proporcionar
um diálogo eficiente entre os escritores de diferentes estados. E em
relação ao público (existe um público?), como aproximá-lo dos
livros?
AM – Com a chegada da internet essas dificuldades estão se
aliviando, timidamente, claro, mas de forma significativa. A criação
de listas de discussão é certamente uma das formas eficientes para
isso. Identificar projetos afins realizados por nomes ou grupos em
cada estado é outra. A política da distribuição deverá ser uma
preocupação constante, mais importante do que a própria publicação.
A questão do leitor é certamente a mais delicada porque deve começar
com os próprios poetas familiarizando-se com a obra dos outros, o
que infelizmente não acontece. Se as pessoas que fazem poesia lessem
as semelhantes já estaria resolvido em parte o problema de público
no país.
JIVM – Há uma face sua que é praticamente desconhecida dos
leitores: o contista. Dois lançamentos proporcionarão o contato do
público com a sua prosa: a recém lançada coletânea Contos sobre tela
e seu livro de estréia Imensa asa sobre o dia. Qual a diretriz de
Contos sobre tela e como se deu sua participação nessa coletânea?
AM – Contos sobre tela é um projeto originalíssimo do
escritor carioca Marcelo Moutinho que convidou 16 escritores para
criar um conto a partir de uma obra de um artista plástico famoso. O
resultado está aí, com o lançamento do livro no mês de novembro de
2005. Os autores são na sua maioria do eixo sul-sudeste, exceção
apenas para mim e o baiano João Filho, prosador (e também poeta) que
vem se destacando desde o lançamento da prosa experimental de
Encarniçado (editora Baleia, 2004). A diretriz da coletânea, eu
creio que tenha sido a diversidade e alguma afinidade na forma de
ver e fazer literatura. São autores na sua maioria com menos de 40
anos e que se destacam no cenário nacional, como o premiadíssimo
Nelson de Oliveira.
Quanto ao meu livro de estréia na
prosa de ficção, que no momento reviso as provas, deve sair ainda
este ano graças a um projeto do editor e poeta Juca Pontes
financiado pelo Ministério da Cultura para uma coleção de dez obras
de autores paraibanos, prosadores e poetas como Maria José Limeira,
Linaldo Guedes e Astier Basílio.
JIVM – Como surgiu o contista Antonio Mariano? E o seu livro
Imensa asa sobre o dia, Qual a temática? Quando e por onde vai ser
publicado?
AM – A atividade de poeta sempre correu paralela à de
prosador. Tenho projetos de romance que têm 20 anos. Em algum
momento cheguei a estar dividido, mas tudo se resolveu, concluindo
que dava para conciliar os gêneros. A temática predominante é a
social, com contos urbanos que falam de infância, de injustiças,
sexualidade, violência doméstica, desemprego, entre outras. É uma
prosa à qual empresto algum lirismo de minha poesia, porém com uma
dicção muito diferente. Imensa asa sobre o dia reúne 13 peças onde
todos os protagonistas são batizados de Jailson (nome que encontra
curiosamente no inglês a sua etimologia: jail/son) e são geralmente
humilhados, oprimidos, dependentes, escravizados a alguma coisa. Sai
na Paraíba pela Coleção Varadouro.
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