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José Inácio Vieira de Melo


 

Revelação da poesia


A Tarde, Salvador, Bahia, Brasil
31/07/2004

 

Enfim, dá-se a estréia de João de Moraes Filho, poeta das plagas cachoeiranas, um dos vencedores do Prêmio Braskem de Cultura e Arte – Literatura 2004, para autores inéditos, da Fundação Casa de Jorge Amado.

Pedra Retorcida é o nome da pedra inaugural da lira desse jovem poeta. Dividido em cinco partes, o livro faz um périplo pela vida do autor, ancorando por todos os portos, mesmo àqueles mais recônditos, “à procura da forma da beleza”, como nos ensina o lírico máximo, Affonso Manta.

Na primeira parte o poeta faz um “Passeio interior” e rememora a infância, aliás, característica essa que perpassa todo o livro, e sente o gosto de quietude daquele tempo auroral, e banha-se no rio de pureza que já não há mais. Mesmo assim, continua a seguir pelo caminho da infância - é nesse lugar que se funda o ser, e é de lá que traz o néctar com o qual compõe seus versos. Da infância, vem marcado, grifado pela Musa e amalgamado a ela (“Convergência de um Murilograma cachoeirano”). João de Moraes compreende que só o tempo é capaz de arrancar o segredo das pipas (“Bate folha na mata escura”) e, silente, só ele, o tempo, é capaz de quebrar a leveza do silêncio. O poeta segue seu itinerário, onde houver luz, por mais tênue que seja, deixa-se alumiar e é todo uma “Oferenda”: “... Quando as velas/ não se apagam// e teus olhos se aproximam/ esse brilho nos resolve.”

A segunda parte é um “Concerto marginal para meninices”, no qual alça vôo no solfejo de um passarinho: um ferreirinha libertário, que veste os pés do homem/poeta com as lembranças de um menino descalço. O poeta sonha com um milagre anunciado pelos sinos da igreja, e sua alma pássara suspira um “Madrigal”: “Quem dera os homens/ fossem animais de bico.”

“Pedra Retorcida”, terceira parte, é o êxodo do poeta para a cidade grande, essa cidade que é um mar de portas. Abri-las não é tão difícil, difícil é suportar o que elas revelam, então, hesita, pois aquela porta à sua frente encerra descomunal pedra retorcida - os abismos do poeta: “o outro nos decifra/ enquanto se esconde.”

João entende os códigos do silêncio e, por isso, respeita, como o bardo Adelmo Oliveira, “o silêncio em que flutua a lua”, irmanados que estão no sentimento, e, então, estampa “O segundo brasão do esquecimento”: A lua/ estreita/ e quieta/ passa por mim.// Desconfiado,/ não faço perguntas.”

Em “Pequeno espelho de bolso”, quarta parte do livro, João não perde de vista o interior – lugar e ser. Seu canto busca o instante original de cada passo da tessitura poética, fazendo uma catarse da existência, cuja representação se dá “no pequeno espelho de bolso”, que traz e “que nos inventa distraidamente”.

Na quinta e última parte, “Invernia das flores”, João manifesta afinidade com os ritmos da lira da nossa poeta maior, Cecília Meireles: “Leve é o pássaro:/ e a sua sombra voante,/ mais leve”. Assim, investido e revestido de tal leveza, vislumbra no castanho da menina dos seus olhos a “Invernia das flores”, e funda seu canto: “Desfolha o outono uma sombra,/ riscando o vento no chão.”

Em O arco e a lira, Octavio Paz afirma que “o poema nos revela o que somos e nos convida a ser o que somos”. João de Moraes Filho, com Pedra Retorcida dá demonstração de ter compreendido a lição do mestre mexicano, pois, uma vez revelado o seu destino pela Musa, prontamente vestiu sua indumentária de poeta e saiu, despido de coisas vãs, mundo afora, a proclamar a verdade que consagra: a graça maior da poesia.


José Inácio Vieira de Melo é poeta, autor dos livros Códigos do Silêncio (2000), Decifração de Abismos (2002) e A Terceira Romaria (no prelo). É co-editor da revista Iararana. Atualmente coordena o projeto Poesia na Boca da Noite.
 



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10/06/2005