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José Nêumanne Pinto

 

Patrulhas de Volta

 

Se o leitor julgar a importância dos lançamentos editoriais do momento pelas resenhas dos suplementos literários dos jornais e pelas editorias de cultura das revistas brasileiras, na certa, vai morrer de tédio e achar que nada de relevante tem vindo a lume. Terá cometido grave engano. Pois, neste ano da graça de 1998, se registraram, no mínimo, dois abalos sísmicos, e logo no mais precioso dos laboratórios da linguagem, a poesia. Gerardo Mello Mourão produziu o poema épico A Invenção do Mar e Mário Chamie, a coesa e breve coletânea Caravana Contrária.

Lançada em alentado volume pela Record, a epopéia do fundador do "país dos Mourões" tem fôlego largo, onde se misturam fortes raízes gregas com picante aguardente nacional, mais precisamente nordestina. Desta vez, o erudito deixou a erudição um pouco de lado e fez o atavismo falar mais alto, produzindo uma obra consistente, em que embala o espírito de Luís de Camões no balanço da rede do caboclo Luiz Lua Gonzaga, o Rei do Baião, a quem é dedicado o poema, que conta a história de como o oceano português terminou inventando o Brasil.

O instaurador da práxis segue pela rota adversa, guiando-se, de certa forma, pelo latido dos cães de guarda da mesmice, que pretendem ameaçar sua caravana. Dizendo-se sírio e sério, Chamie, que, em árabe, quer dizer "de Damasco", produziu um livro vivo, dinâmico, muito culto, mas, sobretudo, impregnado de arsênico, envenenando os áulicos da mitologia reinante em seus próprios domínios.

O silêncio perverso, com que se tenta matar esses dois momentos da maior importância na produção literária brasileira, é a prova de que as patrulhas, denunciadas há tempos por Cacá Diegues, estão de volta. As objeções a crenças ou atividades políticas do sertanejo e do Damasceno, contudo, não mancharão a reputação crítica de seus livros recentes. Apenas jogam uma cortina de fumo absurdo sobre elas, impedindo que os leitores contemporâneos possam compartilhar com seus descendentes a fundamental fruição estética de sua leitura, que continuará indispensável.
 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), L'Innocence

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Anchieta Pinheiro Pinto