Jorge Pieiro
Os nervos
tudo levava a
crer que não havia mais ratos na cidade. o motivo para a tristeza
definitiva de buan. difícil avaliar a eficiência do autônomo
exterminador. fenômeno ou, simplesmente, deu se a sacanagem dos
roedores desaparecidos? importa apenas que ele estava em misérias.
prantina,
coitada, a mulher fugia dos acontecidos. não era a mesma em toda
obra. quem diria que aquela mulher fervorosa fosse minguar, teimando
em desviver?
eles desviviam...
um buan, sorumbático... além da escassez de ratos, pela sina de
prantina, coitada... desde a piora do mal de nervosa que ela
descobrira. os vizinhos atoleimavam buan. queriam porque queriam
forçá-lo a internar prantina no mira y lópez. por causa do choro
miúdo, prolongado, um piado fino, parecendo um rangido de ferro com
ferro.
buan desvivia
pelos cantos, se escondendo, ratão. não queria confusão. e quando
não havia jeito, ele ameaçava.
– levo não! levo
não! nem que estertore, prantina vai esmorecer em casa. levo não!
buan amargava um
fel. sofrimento.
naquele dia,
prantina esteve calma. sentiu falta de ver buan cutucar as unhas dos
pés com a peixeira. conseguiu imaginar, mesmo ensandecida, desgraça
maior. pior. se continuasse... o processo dos nervos... aquele choro
úmido, prolongado, um piado fino que desligava a paciência. rangido
de ferro com ferro. tudo por causa de buan, os olhos à cata de
horizontes. ali, calado... e os dois, isolados, buan e prantina,
querendo trocar palavras.
– trabalha mais
não? tá triste?
– nada, não.
– é por minha
causa? se for, melhor morrer...
– besteira!
ali, o começo.
grito de desentalo. arrevesado, pálido de fome, buan se levantou
abrindo os braços. formando uma cruz, cristinho, e gritou. gritou de
fome. esquisito. uns acharam até que ali nascia um outro doido... a
pior maldade é o alheamento do desespero humano...
prantina
desconfiou sem saber de quê. agarrou o mal dos nervos entre os
dentes. buan olhou para ela, passou por ela, resmungou. ela
resmungou também. fome é desastre.
então, buan
partiu em direção à cozinha, armou-se da peixeira. correu em direção
a um quartinho, no quintal e, mesmo ali, começou a sangrar as
ratazanas que ainda restavam presas na gaiola. três, quatro.
enquanto prantina, serenada, já fervia a água na chaleira.
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