Josué Borges
O menino das palavras caladas
O dia
amanhecendo é o momento mais mágico do lugar, apesar de todos os
outros. Inhantes mesmo do sol sair, já se começa tudo. Os galos têm
o dom dos profetas. São mágicos sem cartola e sem truques. No meio
da madrugada o bicho sente o cheiro da luz do sol, e começa, de galo
em galo, de galho em galho, a cantoria desses animas que pintam com
luzes de som, de cor e de sol as manhãs que a gente quer. E os
Passarim? Esses são filhos da luz do sol do dia de todos os tempos
da vida dos seres da terra desse mundo de meu Deus. Passarim é bicho
príncipe. Passarim canta espeichaaaaaaaado. Bonito. Não se
economiza. De Passarim que canta encantado, principal é sabiá. Sabiá
no pé de laranjeira cantando, parece Deus se economizado. Operando
milagre.
Sabiá, curió,
canarim-do-campo, patativa, assum-preto, azulão,coleirinha, o
papa-capim, o tizil, seriema lá na serra, saracura-três-potes
cantando lá no meio do brejo, alegre, canta engraçado – “três-potes,
três-potes, tres-potes, quebrou um e ficou dois”. Uirapuru. Uirapuru
canta também, canta bonito, gostoso, canta toada compriiiiiiiiiida,
canta a-sim. O bem-te-vi, bem-te-vi me vê, vê o sol, vê Deus e v ê
todo mundo, canta pra tudo, pras pessoas, pros animais, pra todo ser
vivo. Canta no alto da mangueira, pra vê os bichinhos todos miúdos
avoando lá embaixo, que ele pega pra comer.
Juca Meleta
ficava embizorrado se num escutava o canto dos Passarim. Corria pra
beira lá do córrego lá da Pirapetinga, aquele que passa no meio do
arraial do Brejo Alegre, aquele, que passa lá no quintal da
Henriqueta Araújo, e vai lá pras banda da Onça, pros lado lá da
Vargem Grande e do Capim-Branco, do lado da esquerda do São Brás, o
que cai lá no ribeirão-lá-das-Três-Barras. Ficava de calundun,
embizorrado lá no meio do mato, matutando, caçando Passarim, ocasião
de poder escutar o canto bonito da avezinha. Se não achava nenhum,
nem num dormia naquela noite. Esperava o meio da madrugada pra
escutar tudo muito lindo demais, cantando nos cafundó do meio do
mato lá da roça.
Pois então é que
sentia tudo, o cheiro bem do bão lá do mato, do capim-cidreira
gostoso, o ceirinhozinho gostoso das bostas de vaca lá do curral, e
o leite quentinho saindo ali, bem do ubre delas, na horinha mesmo de
tomar. Sonhação!? Canção de lavadeira na beira do rio, cantando pra
secar roupa, quarando lá na lájea bem bonita. Via tudo muito
branquinhozinho no meio da madrugada escura.
O Juca Meleta
nasceu menino diferente demais dos outros. Nesceu dma sonhação duma
noite de lua cheia quase se encontrando mais o sol, numa chuvinha
mansa que fazia carinho nas plan tinhas todas de lá, nos pé lá do
arco-da-véia, onte tem um pote de ouro, com muito ouro de verdade e
uma velha que toma conta lá do pé do arco-da-véia. Mas nasceu da
encantação, sonhice engraçada, com a benção dos pais e da veia e de
todos os animaizinhos bem miúdos ali daquele chão. Também dos
Passarim, das borboletas fazendo risco no céu sem chão, e de todas
as plantas muito bonitas demais daquele lugar. Batizado com cada cor
que nasce em cada pé do arco-da-véia. Por isso o menino podia passar
por debaixo dele que num acontecia nada. A pois todo muito sabe que
o arco é perigoso, é bonito por demais mas é perigoso. Pois num sabe
que se passando por debaixo dele o mundo vira tudo dos avessos? Ora
se não, nem de deus não se sabe se é. Mas é. É não?! É sim uai! Pois
se fala que se qualquer um que passa lá por debaixo dele, se sendo
homem vira na horinha mesmo mulher, e se sendo a mulher, Nossa
Senhora da Aparecida, Senhor Jesus Cristinho e Divino do Espírito
Santo, o negócio parece até que malvadeza do demo, pois que na hora
mesma é que vira homem a donzelinha que por lá passar. Ninguém nunca
num viu não, mas é. E do demo num é não, é só Deus mesmo, operando
milagre em toda criação desse mundo nosso.
O Juca Meleta
nasceu menino diferente demais dos outros. Nesceu dma sonhação duma
noite de lua cheia quase se encontrando mais o sol, numa chuvinha
mansa que fazia carinho nas plan tinhas todas de lá, nos pé lá do
arco-da-véia, onte tem um pote de ouro, com muito ouro de verdade e
uma velha que toma conta lá do pé do arco-da-véia. Mas nasceu da
encantação, sonhice engraçada, com a benção dos pais e da veia e de
todos os animaizinhos bem miúdos ali daquele chão. Também dos
Passarim, das borboletas fazendo risco no céu sem chão, e de todas
as plantas muito bonitas demais daquele lugar. Batizado com cada cor
que nasce em cada pé do arco-da-véia. Por isso o menino podia passar
por debaixo dele que num acontecia nada. A pois todo muito sabe que
o arco é perigoso, é bonito por demais mas é perigoso. Pois num sabe
que se passando por debaixo dele o mundo vira tudo dos avessos? Ora
se não, nem de deus não se sabe se é. Mas é. É não?! É sim uai! Pois
se fala que se qualquer um que passa lá por debaixo dele, se sendo
homem vira na horinha mesmo mulher, e se sendo a mulher, Nossa
Senhora da Aparecida, Senhor Jesus Cristinho e Divino do Espírito
Santo, o negócio parece até que malvadeza do demo, pois que na hora
mesma é que vira homem a donzelinha que por lá passar. Ninguém nunca
num viu não, mas é. E do demo num é não, é só Deus mesmo, operando
milagre em toda criação desse mundo nosso.
Então Deus
pertenceu o menino pro dom das coisas todas bonitas demais desse
mundo. Falar, num falava muito não, mas atuava com admiração e amor
bonito demais por todas aquelas coisas nossas bem pequenas. O Juca
Meleta era menino príncipe, que nem o menino que nasceu lá do outro
lado, pra salvar os homens todos, ele nasceu pra salvar o amor das
coisas todas bonitas da terra nossa, do mundo de Nosso Senhor. E
salvou? Salvou sim. Até hoje salva, pois num é ele quem olha tudo
isso pra gente viver ainda?! É sim ora. Ele ta aí. Ele passa lá no
meio do arco-da-véia, e vai lá, conversar com ela, madrinha dele,
pra poder saber das coisas boas da gente. Conversa demorado, se
rindo da companhia gostosa da madrinha. E com ele não acontece nada
não, nasceu lá, bem no pé daquele arco, lá foi batizado, com a
benção de Deus? Também. Com as bênçãos de toda criatura muito linda
da natureza.
O menino era um
menino-Deus, guardador da vida e da alma nossas. Tinha o dom de
nascer lá com o sol atrás da serra, de cair água na cachoeira, de
ventar no vento gostoso e cheirar no cheiro das plantas todas que a
gente tem. De cantar no canto dos Passarim, assim, como a gente não
escuta mas sente, cantando como ave mestre, que canta hino de louvor
no coral da igreja lá do mato. Hino de louvor a vida da gente.
E Juca Meleta
ainda vive? Vive sim. Vive dentro da vida da gente, vive bonito
vivendo a vida da gente, na gente e com a gente. Juca Meleta é
sonhice gostosa que a gente tem nas noites mansas, ns noites bravas.
Sonhice de encantação, de menino brincando no meio do mato, gostando
de brincar nas beiras dos córregos, brincar de ser menino, que não
brinca de nada, mas brinca de viver. Sonhice sim, das mais gostosas
que tem. Juca Meleta é meu pastor. Deus pertenceu Juca Meleta pra
ser príncipe, pra ser guardador da alegria toda que a gente tem.
Juca Meleta é guardador da gente.
Fonte:
Cafécombytes.com
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