Jornal de Poesia - Josué Borges

Josué Borges

Carta ao Soares Feitosa:

Belo Horizonte, 30 de agosto de 2004

Caro Soares Feitosa

Primeiro faço-te um pedido de desculpas. Explico. Estive o mês de julho em viagem, não recebi o catálogo em 15 de agosto. Aqui chegando, mil coisas a fazer, hoje, um momento em que posso respirar e, com o seu perdão escrevo-te.

“Estudos e Catálogos – Mãos”, que maravilha. Deixa eu citar um trecho: “Nada melhor para assustar as aves de arribação que um aboio bem longo. Ferros de bois.” Você me faz reviver, ainda nos meus 23 anos, minha infância no interior de Minas, que melhor não poderia ter sido: brincando, no mato, na terra, no curral, pisando nas bostas de vaca e sentindo o cheirinho bem bão que de manhã bem cedinho vem tirar a gente da cama. “Êta vida besta” sô. Bão demais uai.

Sobre o cururu: bicho danado. Me lembra o sapo da viola da festa do céu. Mas lembra também o nome de antes da minha cidade. Home bicho besta, com mania de colocar nome de político em cidade, rua , beco. Um dia, um tal dum Presidente Olegário Dias Maciel pousou uma noite lá, então a cidade passou a ser Presidente Olegário, e não mais “Brejo Alegre”, do jeito que gente gosta. Igual a rua que morava que, por ser toda cercada de arame se chamava “Rua do Arame”, hoje é a Professor Fulano de Tal. Mais fazê o quê, é tudo politicagem desse povinhozinho; eu sô mais é um caipira no meio da selva de pedra.

Mas meu caro, o que quero é parabenizá-lo por todo esse prazer que vossuicê dá pra nóis. O “Jornal de Poesia”, êta trem danado de bão. Cá pra nóis, é nota 10, com honra e mérito. Dá na gente um gosto que cresce, e cresce.

Logo logo enviarei também os meus versos, será, pra mim, um prazer imenso ficar do lado e fazer parte de um trabalho tão belo.

Aquele abraço da gente aqui das gerais, das veredas grandes, veredas tortas, veredas-mundo. Então, einté.

Josué Borges de Araújo Godinho.

Início desta página

Josué Borges

Foto 1

Crianças choram,
Caladas e sem lágrimas,
Seu choro seco e mudo,
Desbrincam de brincar de brincar,
Pra enganar o choro e a dor,
Desdizem canções que ninaram.

Fonte: Cafécombytes.com

Josué Borges

Foto 2

Os adolescentes desamam
As crianças que choraram,
E choram como criança sem colo e sem choro,
Caladas e secas,
Choram a dor que sentiram,
E esqueceram de sentir,
Mas sentirão sempre.

Fonte: Cafécombytes.com

Josué Borges

Foto 3

Nos bares,
O vinho embala o sono da alma das crianças que não foram,
Das crianças que choraram e gritaram seu choro seco sem lágrimas e sem choro sem dor sem maldade,
Apenas choram
Amam a dor que não sentem
E que lhes dói,
Dói como o riso de uma faca cortando-lhes a carne como a serpente fora do paraíso sorrindo-lhes um riso belo e enaltecedor oferecendo a maçã que Branca de Neve comeu e não acordará

Fonte: Cafécombytes.com

Josué Borges

Foto 4

Nas ruas e nos becos,
Milhões de crianças grandes
Esquecidas, esqueceram-se de ser crianças.
A CARNE desfaz-se com a alma,
Mas a nevoa da noite oculta-lhes a face,
Oculta-lhes a dor que não pode ser sentida,
Nem ouvida,
A dor que grita, geme, vomita e caga,
Como as trombetas dos anjos,
Como o choro de Lúcifer,
Como as litanias dos danados.

Fonte: Cafécombytes.com

Josué Borges

Foto 5

A noite nunca dorme,
A noite está viva,
A noite não é clara,
É na noite que os gritos são gritados.
É na noite que os fantasmas vêm velar o sono dos desvalidos, desgraçados, fodidos, fedidos e excomungados, hereges, blasfemos, filhos da puta, filhos da merda, da escuridão do quinto dos infernos, filhos de Deus e afilhados de Lúcifer, filhos da noite e do dia, filhos do caos.
À noite as estrelas nos olham
E os demônios se escondem, brincando de brincar.
A noite tem misterioso encanto.
A noite é linda.
A noite é escura.

Fonte: Cafécombytes.com