José Peixoto Júnior
Patativa e o universo fascinante do
sertão
A poesia popular é apreciada nas duas vertentes orais
e nas duas escritas. Nas primeiras, o verso é de improviso, em geral
cantado e com fundo musical produzido por instrumento de corda —
viola ou rebeca, dedilhado pelo próprio cantador. Recentemente,
surgiu uma variante nessa vertente com a figura do "aboiador de
vaquejada", vaquejada "negócio", sem música ou com música executada
por outrem. Na segunda vertente oral está o "embolador" ou "cantador
de coco", que improvisa versos ritmados à percussão do pandeiro ou
ao ritmo do ganzá, espécie de maracá. Nas vertentes escritas figuram
o "cordelista", autor de versos de feira, e o poeta popular de
livro, que chega ao meio erudito, cuja representação nacional está
com Catulo da Paixão Cearense, Zé da Luz, Rogaciano Leite, Zé
Marcolino, Patativa do Assaré, entre outros.
Este último, quase nonagenário, quase cego, quase
mouco, quase aleijado, na opinião do "brasilianist" Colin Hanfrey,
do Centerfor Latin American Studies, da Universidade de Liverpool,
Inglaterra, "será reconhecido como um dos maiores poetas não só do
povo brasileiro, mas do continente inteiro".
A poesia de Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da
Silva), publicada em seis livros, é objeto de percuciente estudo do
Professor Plácido Cidade Nuvens, sociólogo, Professor da
Universidade Regional do Cariri — URCA — Crato (CE), cujo título e
autor, curiosamente, mostram-se na capa do livro a formar três
versos em redondilha maior, metro de largo uso na versificação
popular: Patativa e o Universo / Fascinante do Sertão / Plácido
Cidade Nuvens.
O autor recolhe de três dos livros, publicados em
1956, 1978 e 1988, poemas que, figuradamente, disseca para embasar
as conceituações que expende, material atestatório da coerência
poética naquele lapso de tempo e extensivo à poesia de hoje, do vate
matuto.
O estudo principia mostrando por que Patativa do
Assaré é considerado o "verdadeiro", autêntico e legítimo intérprete
do sertão; valendo-se, para tanto, o autor, do poema nominativo do
terceiro livro publicado: "Cante Lá Que Eu Canto Cá", espécie de
carta do poeta do sertão a poeta erudito da cidade, assim começado:
"Poeta, cantô da rua,
Que na cidade nasceu,
Cante a cidade que é sua
Que eu canto o sertão que é meu."
Encontra, o Professor, nesse poema, "pelo menos dez
razões de ordem ética como justificativa para (o poeta) ser
intérprete do sertão" : "É uma questão de posse e identificação:
"Cante a cidade que é sua / Que eu canto o sertão que é meu". É uma
questão de respeito e bom entendimento: "Por favor, não mexa aqui, /
Que eu também não mexo aí". É uma questão de tirocínio e prática...
de vivência... de autenticidade... de realismo e objetividade... de
sensibilidade... de diferença... natural... de simpatia, de
compaixão, de extrema afinidade: "Não canta o sertão direito /
porque você não conhece / nossa vida aperreada. / E a dor só é bem
cantada, / cantada por quem padece."
Traça a trajetória da maturidade e evolução na poesia
de Patativa partindo de "certa ingenuidade", passando a
"processamento tipológico de figuras humanas", detendo-se em
"personagens e situações", para chegar aos "processos históricos,
como as questões de terra, cujo retrato se obtém no poema "História
de uma Cruz".
Busca o romance nordestino dos anos trinta e situa
Patativa "nesse contexto como expressão legítima de original
autenticidade."
Dimensiona a produção do poeta, enquadrando-a, para
melhor compreensão, na linha metodológica de Euclides da Cunha — a
terra, o homem e a luta, luta que é a labuta sertaneja dia-a-dia.
Na primeira parte dessa tríade — a terra —, Patativa
identifica-se com o sertão "possessiva e efetivamente" na presença
do pronome de posse na pessoa que fala e na adjetivação afetiva,
abundantes na sua poesia, elementos constituintes "do fascínio que o
sertão exerce sobre o poeta, tomando-o seu porta-voz."
Para o segundo elemento do trinômio — o homem —, o
autor elege a caracterização do sertanejo, partindo do substantivo
que o identifica como "do campa": matuto, roceiro, camponês...
passando aos afazeres, à origem etnográfica, ao código de valores,
cardápio, tudo à mostra nas estrofes que transcreve.
Conclui a trilogia — a luta —, com expressões
identificadoras do cotidiano do caboclo roceiro: "vida apertada",
"lida pesada", "grande labuta", "aperreio", compreendida nessa luta
a "estrutura agrária", "a divisão do trabalha', "o patrão", "as
questões de terra", "a presença do Estado", "a migração", "o
anonimato", para concluir com "mitos e fantasmas".
O estudo do Professor Plácido Cidade Nuvens merece
ser divulgado, é trabalho sob criterioso fundamento científico. O
livro, com mais de duas centenas e meia de páginas em meia dúzia de
capítulos, todos acompanhados de referências bibliográficas, exceto
o último com os textos estudados, foi editorado sob patrocínio do
Grupo Edson Queiroz, Universidade de Fortaleza - CE.
Patativa do Assaré figurou entre "os primeiros 10
mais da cultura", pelo conjunto de sua obra, tendo recebido o prêmio
"Melhores da Cultura Brasileira" 1995, do Ministério da Cultura.
A editora "Macmillans", de Londres, está interessada
na idéia de publicar Patativa. carta do "brasilianist" ao
Professor).
Leia a obra de Patativa do Assaré
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