Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

José Peixoto Júnior


 


O poeta,
a poeta


ou


O poeta, a poetisa

 
 


"— Sim, minha senhora... As palavras têm sexo (...)
— Mas, então, amam-se umas às outras?
—Amam-se umas às outras. E casam-se.
O casamento delas é o chamamos estilo."
Machado de Assis, Várias Histórias.

 

“A confusão surgiu com Cecília Meireles. Ela exigia ser chamada de poeta. Atribuía ao feminino juízo de valor."Poetisa”, dizia ela " é qualquer mulher que faz versos; poeta, uma autora de mérito”

Dab Abi Chahine Squarisi

 

Há quase duzentos anos coexistem dicionarizados os vocábulos “poeta” e “poetisa”, ambos substantivos, termos indicativos de faculdades poéticas aplicados a alguém, segundo o sexo real ou como tal considerado, próprios para identificar que exercita a arte poética.

O uso dos dois epítetos nunca arranhou a igualdade reinante no seio do poetismo jamais limitou espaço a “quantos bebem a água do Parnaso”; entretanto, insinuam o enquadramento do substantivo poeta na classificação morfológica do grupo “comum de dois”, submetendo-o ao vexame de ver-se antecedido por forma articular feminina na determinação daquela que verseja, denominado-a de “a poeta”.

Embasa o insinuado enquadramento a argüição de haver machismo no emprego do nome “poetisa”, levando-nos a supor encontra-se a tal ranço machista inserido no elemento de composição “isa”, formador do feminino que se quer alijar.

Melhor seria que os defensores do emprego unissex da palavra “poeta” levassem-na para a classe dos substantivos epicenos; assim afastariam a comprometedora presença do artigo “a”, passiva de ser considerada presença machista. Bastaria pospor, genericamente flexionado, o adjetivo antônimo de macho e teriam: “poeta fêmeo”; desaconselhável o emprego da forma correspondente “fêmea do poeta”, por expor a versejadora ao alcance maldoso da ambigüidade.

Na expressão “mulher poeta” é adjetiva a função do substantivo “poeta”. No poema “Motivo”, da imortal autora do “Romanceiro da Inconfidência”, por força do talento da poetisa o nome “poeta” adentra o gênero gramatical dos sobrecomuns:

Não sou alegre nem sou triste:

Sou poeta.

E conclui a Poetisa:

E um dia sei que estarei mudo:

— mais nada.

Dicionário “derivado” de enciclopédia estrangeira classifica a palavra “poeta” como “s. 2g.” (substantivo de dois gêneros); todavia, a obra carece do respaldo de um nome de responsabilidade lexicográfica.

O vocábulo “poetisa” teve a sua primeira dicionarização por Morais (Antonio de Morais Silva, carioca), em 1813, na 2ª edição do “Dicionário da Língua Portuguesa”, única revista pelo Autor, obra editada em Lisboa no ano de 1789.

A ausência do vocábulo na 1ª edição tanto pode ser atribuída à inexistência dele nos escritos da época, como a falha de pesquisa face às atribulações do Autor, corrido que andava do Santo Oficio, a ponto de perder a solenidade da própria colação de grau na Universidade de Coimbra.

A palavra deve ser surgida nos estertores do Iluminismo, atraída pelo vislumbre da “linguagem pura”, atributo do Romantismo.

“Poetisa” é revelação pré-romântica que não me custa atribuir tê-la formado o poeta arcádico dissidente, teorizador da arte literária e zelador da língua — Felinto Elísio. É dele:
 

Dormias, Márcia, e eu vi Cupido ansioso,

Já dum, já doutro lado

Querer furtar-te um beijo gracioso,

Que tu, a cada arquejo descansado,

Na linda boca urdias.

Graciosíssimo, oh! Márcia!... Não sabias

Como o Nume girava de alvoroço.

Escolhendo-lhe o jeito

De o dar do melhor lado. Eu vim, e dei-to

Bem na boca, e logrei o esperto moço.

 

A palavra teria sido formada para distinguir a Marquesa de Alorna (Leonor de Almeida), versejadora e culta, a quem Herculano chamara de “a Mme. De Stael Portuguesa”.

A criação do feminino em causa retirava as mulheres da denominação comum dada aos feitores de versos, livrando-as de virem a ser incluídas na “desclassificação social da condição de poeta”, conceituação em voga, exemplificada no desregramento de vida daquele que se reconhecia já não sei — “Já Bocage não sod...”.

Leonor de Almeida, pela condição de neta da Marquesa de Távora, sofreu o ódio devotado à família pelo Marquês de Pombal, após o episódio da “Conspiração dos Távoras”.

Quando esteve encerrada no Convento de Chelas, arredores de Lisboa, por conta desse ódio, recebeu o conforto espiritual na palavra do Padre Francisco Manuel do Nascimento, de nome arcádico “Felinto Elísio”, também com pseudônimo de Niceno, que iniciou nas idéias “avançadas”, afeiçoando-se a ela; criando-lhe o criptônimo de Alcipe.

Ora, nessa fase do “crescimento do espírito para o sonho” veio de boa lembrança mais uma rima para Pitonisa — ente lendário acampado nas vertentes da montanha Fócida, região grega entre Tessália e Beócia, serva de Deus das Artes, particularmente Deus da Música e da Poesia.

No reino da poesia a poetisa é rainha, dispensada a dignidade do principado, por isso nunca houve atribuição do titulo “Princesa das Poetisas”.

Em nome da “Última flor de Lácio”, coexistem poeta e poetisa. Viva a Poesia!


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José Peixoto Júnior é autor de Bom-Deveras e Seus Irmãos, e outros livros.