Leite Jr.
Grande círculo em torno da Taba
09.04.2005
Confundem-se teus roncos em meus
insones rumos. Citadinos ruminam teus motores entre vias expressas e
espirais que desafiam a lógica e a engenharia. Luz, noturno,
claridade fluorescente, madrugada. Círculo entre os ângulos de teu
corpo. Há um Odisseu no Grande-Circular. Vão passando na janela os
teus quadros de muros pichados, as fachadas de azulejo rachado, as
paredes de ouro rajado e os telhados que de tão baixos escondem a
flor do teu botão.
Vão passando tuas praças de vidro e
monumentos enferrujados. Vão voando híbridos, no verde engraçado de
pinheiros e algarobas, os sabiás e os pardais conciliados. Vão
passando os vãos ocupados de seres urbanos, de seres rumando,
arrumando, arrastando, somando solidões. Teus martelos trabalham
desconstruções. Tuas serras tinindo zombam da postura de teus
códigos. Tuas sacudidelas zabumbam no chapisco de asfaltos
inconclusos e obras artisticamente inacabadas. E em teu labirinto
seres laboriosos te catam, te sujam, te limpam, te lixam, te pintam,
te asfaltam, te cavam, te elevam, te inventam, te brincam, mas não
te decifram.
Eu, que te circulava, coagulo vez em
quando entre sinais e senhas digitais. Eu, que me estancava, me
derramo nos teus nódulos terminais. No lusco-fusco do arranco, eu me
enfronho em tuas vigílias sensuais. Na luz te decomponho, intangível
cidadela; no escuro te descomponho, sentinela atlântica de canhões e
seios portuários. Aspiro teu hálito de mar e óleo. Suo teu mormaço
de chuva. E chego a tocar o embaraço de teus cabelos noturnos de
graúna, quando as luzes do teu círio e farol estão perdidas no Mucuripe.
É quando, carpideira, ouço teus uivos
nas esquinas. É quando testemunho os pneus estilhaçados e recolho
penitente esses caquinhos complicados de juntar. Teu quebra-cabeça é
um mote difícil de rimar. Teu quebra-queixo é um gosto arcaico que
há muito perdeu o sabor de sua metáfora original. Teu samba-lê-lê e
tua ciranda já cresceram e viraram quenga, cantando galope na beira
do mar. E esse teu mar, Lagamar, sempre recolhe o Cocó
maternalmente, enquanto te banhas nas lagoas tristes do passado. Mas
eu sei que no Futuro nasce o sol, pois ele vem da boca do dragão.
Por isso é que eu transpasso como a luz esses teus ângulos, que
formam curvas graciosas neste Grande-Circular.
Por isso ainda sonho contigo, tabajara
traidora, e traduzo a pajelança de tua taba no meu corpo de
guerreiro branco e preto de garatujas pitiguaras.
Leite Jr. é professor da
Unifor, ensaísta, autor de Domingos Olímpio, pela Fundação
Demócrito Rocha, e de O Pictórico em Luzia-Homem, Prêmio
Ceará de Literatura de 1993.
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