Leonardo Gandolfi
José Albano ou de novo Camões
No que se refere à
generosidade, os poetas influenciados são menores, ou mais fracos;
quanto mais generosidade, e quanto mais mútua ela é, mais medíocres
os poetas envolvidos (Bloom, 2002, p.80).
A essa noção de
poeta menor – aquele que sempre está sob a imensa sombra de um outro
poeta – Harold Bloom contrapõe a do poeta maior, forte ou autêntico.
O crítico americano acredita que a boa influência poética se dá por
uma leitura distorcida ou desvio do texto primeiro, ação que
angustia e provoca o poeta influenciado. É assim que se tem dado a
história da literatura: os grandes autores se fazem ao interpretar
de forma tendenciosa e criativa seus precursores, imediatos ou não.
É aqui que começamos
– na comparação entre Luís de Camões e José Albano, querendo
primeiro saber se ambos são poetas maiores ou não. Nossa dúvida
porém não tem procedência. A comparação, da maneira que enunciamos,
é óbvia. Camões é o maior poeta de língua portuguesa; já José Albano
é apenas mais um nome daquele conjunto de poetas, quase sempre
inexpressivos, surgido na primeira e segunda década do século XX no
Brasil, época fronteiriça de desgaste de estéticas finisseculares
como a do simbolismo e do parnasianismo.
Vemos assim que
diante de um grande poeta maior, como é o caso, a influência poética
não pode ser das mais frutíferas. E não houve poeta que mais tenha
sido generoso com Camões (entendendo generosidade na acepção de
Bloom) no que diz respeito à forma, ao estilo e ao tema, ou seja, a
quase tudo. A proximidade entre os dois poetas é tão surpreendente e
perigosa que, se montarmos um soneto embaralhando os quartetos de um
e os tercetos do outro, será difícil distingui-los:
O
cisne, quando sente ser chegada
A hora que põe termo a sua vida,
Música com voz alta e mui sabida
Levanta pela praia inabitada.
Deseja ter a vida prolongada
Chorando do viver a despedida;
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.
Assim também, sujeito à dura sorte,
Espalho o meu queixume no ambiente,
Para que me alivie e me conforte.
Sinto a mesma tristeza que a ave sente,
Pois amor torna a vida numa morte,
Que me tortura e mata lentamente.
Aqui não se podem
diferenciar o ritmo, a sintaxe nem o tema. Os quartetos porém são de
Camões (1981, p.236); e os tercetos, de Albano (1993, p.66). Grande
parte da pequena obra do poeta brasileiro é assim – sua poética,
diríamos até, não é apenas de inflexão camoniana como geralmente
acontece com muitos, mas parece ser ela a própria voz e estro de
Camões. Tendo isso em vista, os críticos, que se deram ao trabalho
de incluir o nome de Albano em seus compêndios de história literária
brasileira, nunca chegaram a um acordo quanto ao seu lugar (coisa
que também aconteceu com outros poetas do mesmo período como Mário
Pederneiras ou Raul de Leoni). Nelson Werneck Sodré anotou apenas
que o poeta “foi figura singular, inclassificável, que se refugiou
num cultismo fora de época” (Sodré, 1976, p.456). Afrânio Coutinho o
situou num período que chamou de “Sincretismo e transição”, tempo
“em que as heranças simbolista e parnasiana se intercomunicaram
através de epígonos ou indefinidos” (Coutinho, 1986-I, p.139). Alceu
Amoroso Lima destacou com lucidez a reação de Albano “contra o
ambiente nefelibata ou libertário” da época, através de “seu
sentimento puramente católico e na sua poética puramente camoniana”
(Coutinho, 1986-IV, p.618). Já Darci Damasceno, reconhecendo nele
uma figura ímpar, escreveu: “Seu valor como poeta independente é dos
maiores de nossa literatura” (Coutinho, 1986-IV, p.607).
É justamente esse
poeta sem lugar que nos interessa. Sem lugar, mas ao lado de Camões
– fato curioso. O que Albano faz é imitar o poeta português, ou
melhor, emulá-lo. Sabemos que a poética da emulação foi comum entre
os clássicos e só saiu de voga devido à forte crença romântica do
poeta como demiurgo. Vale lembrar que Virgílio emulou Homero, assim
como o próprio Camões o fez com Virgílio, Ariosto e Petrarca. Desta
forma, através da emulação, José Albano aproxima-se de Camões de
forma singular. Chega a ser estranha a leitura de seus versos, pois
não vemos ecos do autor de “Os Lusíadas”, mas sim o próprio,
repetido em pleno início do século XX tal como, anos mais tarde,
brincou o também português E.M.de Melo e Castro com seu Re-Camões,
já uma referência ao Supra-Camões de Pessoa.
A poesia de Albano
não é entretanto como a dos neoclássicos, que em suas emulações
talvez soassem muitas vezes artificiais e excessivos. Como veremos,
em seus versos não há o mero desfilar de referências clássicas, há
sim o absorver-se do espírito de uma época – o que dá ao seu
discurso uma naturalidade que, no entanto e propositalmente, se quer
como construída. “Já quis tentar formas novas, / Foi mais ou menos
em vão” escreveu o poeta em suas trovas (Albano, 1993, p.106).
Por isso, talvez
Albano seja o poeta de uma utopia. Seu posicionamento, suspenso e
sem lugar, não é indício necessariamente de alienação ou pedantismo
literário, pois, com os olhos de hoje, podemos perceber em sua
poesia um quê de resistência. Resistir à literatura de sua época e
portanto aos modos de organização da vida moderna no fim do século
XIX, mais do que fuga ou refúgio, é uma forma de negação. E dizer
não ao seu tempo é especificamente colocar-se enquanto poeta – como
afirmou Mallarmé – em greve perante a sociedade e aos seus
mecanismos de força (Campos, 1991, p.27). Abordar a poesia de Albano
por tal perspectiva possibilita assim rever seu lugar crítico.
NON NOVA, SED NOVE
Jorge Luis Borges
explorou muito bem a escrita como indício de um tempo que é cíclico.
Mais de uma vez, procurou mostrar o quão não-linear pode ser a
história da palavra. Escolhemos assim três textos seus em que é
possível ver que o ‘novo’ e o ‘velho’ não se constituem
necessariamente como pólos opostos. Primeiro, referimo-nos ao famoso
conto em que Borges nos apresenta Pierre Menard, espécie de
decadentista francês que passou grande parte de sua vida buscando
nada mais que reescrever o Dom Quixote. A estória é tão absurda
quanto perspicaz: Menard não quer adaptar ou refazer, mas sim
repetir Cervantes tal qual o foi, só que alguns séculos depois. A
tarefa é válida, mas irrealizável, porque entre ambos há todo o peso
da história passada. As palavras do espanhol no século XV, apesar de
idênticas, não são iguais as do francês, este, um homem do fim do
XIX. A ideologia muda conforme o espírito de cada época. Assim, os
textos, mesmo quando iguais no que diz respeito aos significantes,
possuem valor e peso diferentes.
O segundo texto, o
ensaio “A esfera de Pascal”, bate na mesma tecla. Aqui Borges
discute como uma metáfora, com o passar do tempo, pode assumir
diferentes interpretações. Segundo ele, a expressão da “esfera
infinita, cujo centro está em toda parte e a circunferência em
nenhuma” (Borges, 2000, p.14), durante a idade média, designou Deus;
já Giordano Bruno utilizou tal sentença para ilustrar a concepção do
universo segundo Copérnico; por fim, Pascal a empregou para exprimir
sua solidão e temor diante da terrível e irremediável concretude das
coisas que o circundavam.
Já o terceiro texto
chama-se “A flor de Coleridge” e conta que há somente um autor para
todos os textos já escritos, autor esse inexistente, que só se
realiza através do ato da influência:
Aqueles que copiam minuciosamente um escritor fazem-no de modo
impessoal, fazem-no por confundir esse escritor com a literatura,
fazem-no por supor que se afastar dele em um ponto é afastar-se da
razão e da ortodoxia (Borges, 2000, p.18).
Sem exagero podemos dizer que Pierre Menard ocupa posição semelhante
à de José Albano – Cervantes está para o primeiro, assim como
Camões, para o segundo. Albano e Menard são poetas que vivem os fins
do século XIX desacreditados sobretudo dos valores de seu tempo. Por
isso, não à toa, os autores ‘copiados’ são monumentos da literatura
renascentista (ou maneirista no caso de Camões segundo Jorge de
Sena), momento de apogeu e valorização do homem enquanto sujeito.
Esses autores estão presentes para, de certa forma, tentar preencher
as lacunas deixadas pelas vicissitudes dos tempos modernos.
Entre Camões e Albano, apesar da proximidade, há uma imensa
distância. Quem escreve é o poeta brasileiro: “Já reconheço o vão
desejo: / O que procuro mais, menos alcanço; / O que mais imagino,
menos vejo” (Albano, p.76). Agora, quem escreve é o português:
“Corro após este bem que não se alcança; / No meio do caminho me
falece; / Mil vezes caio e perco a confiança” (Camões, p.27). Os
sujeitos poéticos estão ali, demasiadamente próximos porém um tanto
afastados, devido ao óbvio lugar histórico de Camões e ao consentido
anacronismo de Albano. Posicionamento esse do poeta brasileiro que
paga tributo ao adágio cristão non nova, sed nove – não o novo, mas
de novo (aliás, parte dessa poesia é de um cristianismo que beira o
místico).
O autor coloca o enunciado camoniano sob um pano de fundo
constituído pelo que aconteceu desde 1580 até 1918, ano da última
publicação em vida das “Rimas” de Albano. O tempo assim sujeita a
leitura a desvios, novas inflexões e alterações. Tal postura de
retaguarda pode sugerir entretanto uma ação tão corrosiva e crítica
quanto a das vanguardas que ainda estavam por vir. A prática
anacrônica aqui pode questionar a concepção linear de história,
acentuada no século XIX, com sua lógica seqüencial que guarda sempre
uma relação de causa e efeito. Sua poesia, ao negar o presente,
subverte a idéia de avanço e de progresso, e nas entrelinhas nos diz
que a literatura não caminha para um lugar ao qual tenha que chegar.
Coisa parecida, o italiano Giacomo Leopardi já havia dito, quando
escreveu que “tudo se aperfeiçoou de Homero em diante, mas não a
poesia” (Bosi, 2000, p.131).
A CONSCIÊNCIA DA CONTRADIÇÃO
A maior dívida de todo autor, por mais imortal que seja ele, é com
seu tempo. A obra de arte somente se torna universal se primeiro
interpelar a ideologia vigente de sua época. Camões é um português
do século XVI, homem católico e de espírito expansionista como não
podia deixar de ser. Por isso, ao escrever sua obra, serão esses os
valores que, por mais precursor que o autor seja, em princípio o
nortearão. Assim, ao repeti-lo, José Albano está lançando mão de um
tempo que não o seu. Seu público é o público de um século XX que
ainda começava. Recorrer ao autor de “Os Lusíadas” nesse momento
configura-se como uma forma de resistência. Por isso, junto de um
purismo lingüístico exagerado, como é o caso de “Ode à língua
portuguesa”, é possível ver em seus versos um questionamento do
presente, um pôr em xeque os valores de sua época e do lirismo vazio
de uma poesia de fórmulas esgotadas: “Outros andam o teu sublime
aspeto / D’ornamentos estranhos encobrindo / Sem saber o que tens de
mais secreto / De mais maravilhoso e de mais lindo” (Albano, p.54).
Ao fazer isso, o poeta acaba por expor, através do negativo que é
sua obra, a lógica utilitarista do estilo de vida moderno e
industrial de sua época. Seus versos são a própria consciência da
contradição da arte perante a sociedade, sua poesia anacrônica
funciona como espelho invertido da modernidade – é antiquada na
dicção e por isso mesma crítica, pois não se integra de forma cômoda
nos discursos correntes de seu tempo. De maneira diferente, é ela
também o indício de uma crise.
Albano, apropriando-se de Camões, contamina o liberalismo e o
cientificismo do fim do XIX com o espírito do XVI, opondo assim a
poesia de então – nova porém artificial, carregada de volteios
retóricos e excessivos filigranas – ao tom expressamente humanístico
de seus versos. Como não poderia deixar de ser, o grande tema da
obra camoniana, o “bicho da terra tão pequeno” em toda sua
fragilidade foi também tão caro a Albano:
Há no meu peito uma porta
A bater continuamente:
Dentro a esperança jaz morta
E o coração jaz doente.
Em toda parte onde eu ando
Ouço este ruído infindo:
São as tristezas entrando
E as alegrias saindo.
(Albano, p.89)
Tal poética, pelo seu anacronismo, desempenha aquele papel que a
melhor poesia moderna desempenhou. Ou seja, ser uma contra-voz que
questiona os dispositivos de progresso dos novos tempos. O poeta,
através de um discurso que até podemos chamar de reacionário, mas
nunca de alienado ou afetado, resiste aos mecanismos de
embrutecimento da sociedade moderna, copiando e emulando impunemente
como se fosse um homem do XVI. Seu não-lugar poético, como bem diz a
etimologia, guarda algum traço de utopia, pois o elogio do
anacrônico, no seu caso, não é uma forma de escape, e sim de
contestação da lógica do progresso, da superação desmedida e do novo
como valor de mercado absoluto no século XX.
EU É UM OUTRO
E através desse movimento cíclico da história, a poesia de Albano
acaba sugerindo outra questão inerente à estética moderna. O poeta,
repetindo Camões, abre mão de uma voz que seria a sua, ou melhor,
apropria-se dela e transforma-a em voz própria que, paradoxal e
propositalmente, não é sua. Como se a mesma palavra mudasse de
sentido segundo a força que se arroga dela, como certa vez já
anotara o francês Compagnon, acerca das possibilidades da citação
textual (1996, p.35). Ler de novo Camões, sob um outro nome e numa
outra época, é rasurar, de alguma forma, o sujeito poético. Tal
concepção de lirismo quebra a habitual expectativa de originalidade
– questionando portanto a herança ainda romântica do autor como
criador supremo da obra:
Ó musa de Camões, tu que conheceste
O difícil caminho árduo e penoso,
De novo o teu poder se manifeste
Pois sem auxílio a voz erguer não ouso.
(Albano, p.116)
O poder dessa musa, deslocada historicamente de seu poeta, subverte
a subjetividade lírica, pois dá uma outra inflexão à voz camoniana,
inflexão que situa a obra de Albano numa região que se quer como
neutra, num espaço aparentemente vazio, não-funcional e esteticista,
em que a identidade de quem escreve dá lugar a outro sujeito,
testemunha de uma experiência impessoal. Tal impossibilidade é
confirmada em “4 sonnets with portuguese prose-translation”. Nestes,
Albano não emula Camões e sim Shakespeare. Vemos sua enorme
capacidade de assimilação e renúncia – fazer de seus versos sempre
os versos de outro: “And when I saw that in this life of ours /
Pleasure had no beginning, I did sigh, / For then I knew that sorrow
had no end” (Albano, p.84).*
Ainda sobre o acento não romântico dessa poesia, Braga Monteiro
afirmou não ser ela dona de “uma inteligência criadora, mas sim de
um admirável talento artístico” (Albano, p.235). Numa leitura nossa,
tal “inteligência criadora” pode ser entendida a partir daquela
concepção de inspiração que vigorava na primeira metade do XIX; já a
expressão “talento artístico” deixa ver mais uma tendência que se
acentuou no século XX – a do trabalho e técnica, enquanto
consciência estruturadora do poema.
DÉCIMO PRIMEIRO CANTO
Entre os poemas de Albano, um em especial chama atenção pelo caráter
quase épico de seus versos. “Alegoria” pode até ser visto como o
décimo primeiro canto de “Os Lusíadas”, já que, em suas setenta e
sete oitavas tipicamente camonianas, presta-se a contar a chegada de
Vasco da Gama e suas caravelas noutro porto. Para isso, o poeta
lança mão de alguns recursos como a presença de um concílio de
deuses que também decide o destino dos heróis. O Brasil é o lugar
onde a língua portuguesa – a grande heroína do poeta – continuará
sua aventura. Sobre os navegantes portugueses, neste poema, fala a
deusa Vênus:
“E agora quero, em prêmio não inglório
“Do seu atrevimento mais que humano,
“Levá-los longe da estação severa,
“À pátria de perpétua primavera (...)
(Albano, p.119)
No poema, a paisagem tropical, por analogia, torna-se uma extensão,
um prolongamento da ilha dos amores. Todo prazer e conforto são de
novo caracterizados nas terras brasileiras. No entanto, essa “pátria
de perpétua primavera” logo é percebida enquanto sonho que é. O
poeta assim, feito um pequeno Camões, vê-se em profundo desengano. E
é desta forma portanto que, a partir dos poemas, podemos dizer que a
língua portuguesa, para Albano, mais que a própria poesia, é uma
ilha de resistência.
Depois de tantos pontos em comum com o vate português, é mais do que
válido anotar uma pequena divergência que sugere uma importante
questão. Boa parte da lírica camoniana utiliza-se de um interlocutor
explícito, ou seja, o poeta, algumas vezes, dirige-se diretamente a
alguém, com o uso do vocativo “Senhora” ou dos nomes de Dinamene ou
Nise. Já nos sonetos de Albano, apesar de toda semelhança, não há um
sequer discurso que exija um interlocutor direto. Talvez nisso,
possamos ver algum tipo de incomunicabilidade, estranheza ou
solidão. Tal indício é importante, já que evidencia a empresa
suicida do poeta: repetir como novo um discurso que não faz parte de
sua época. Esse procedimento não é novo, mas talvez ainda não havia
sido feito com tamanha naturalidade. Os árcades, por exemplo,
emularam os antigos, mas devido a uma série de trejeitos, essa
poesia, em sua época, não soou anacrônica, já que nela há certos
exageros que deixam ver uma artificialidade que sempre caracterizou
e marcou muito bem tal discurso, como a representação da vida
pastoril ou as citações mitológicas.
Nos versos de Albano, tal artificialidade, pode-se dizer, é menor,
porque de fato pensamos que estamos diante de Camões. O efeito de
estranheza assim é maior e mais eficaz. A falta de interlocutores
diretos mostra um discurso solitário, como poucos o foram – um poeta
ilhado a enfrentar o tempo: “Pois nem sei, quando corre o pranto
ardente, / Se choro mais os gostos do passado, / Se choro mais as
mágoas do presente” (Albano, p.70).
POETA MENOR
Faltam muitos atributos para que sua obra ocupe um lugar de destaque
no quadro da poesia brasileira. No entanto nela podem-se ver
questões análogas a de poetas de maior vulto e expressão. O primeiro
modernismo, por exemplo, é conhecido por seu posicionamento radical
e iconoclasta. Ainda assim, Mário de Andrade, em carta ao jovem
Drummond, escreve como quem concordava com Albano: “Via em mim
influências dos outros, queria tirá-las e ficava sem nada” (Andrade,
1982, p.31). Há ainda Oswald de Andrade – sua atitude antropofágica
guarda um quê da apropriação camoniana de Albano. Ambos, o primeiro
pela ausência e o segundo pelo excesso, trazem à tona a questão
crucial que é a dívida para com a tradição européia. Oswald, pela
manifesta liberdade, e Albano, pela total dependência, motivaram a
discussão de uma concepção, até então, alternativa de tradição
literária que colocasse na berlinda tanto nosso ressentimento quanto
nossa insegurança em relação à auto-suficiência cultural brasileira.
Por isso talvez, Manuel Bandeira em 1948, vinte e cinco anos depois
da morte de Albano, tenha reunido pela primeira vez, numa edição
comentada por ele mesmo, toda a obra do poeta. Talvez somente um
leitor como Bandeira tenha tido sensibilidade suficiente para
compreender o pequeno e importante papel de um poeta menor como José
Albano.
* Esta despersonalização é característica em poetas como Rimbaud,
Pessoa, Pound, Eliot e muitos outros. Acerca dela, o último
escreveu: “A evolução de um artista é um contínuo auto-sacrifício,
uma contínua extinção da personalidade”; “(...) o que o poeta tem
não é uma ‘personalidade’ a ser expressa, mas um medium particular,
que é apenas um medium, e não uma personalidade, no qual impressões
e experiências se associam em peculiares e inesperados caminhos”
(Eliot, 1989, p.42-45).
Bibliografia:
ALBANO, José. Rimas. 3.ed. Rio de Janeiro: Graphia, 1993.
ANDRADE, Carlos Drummond de. A lição do amigo: cartas de Mário de
Andrade. Rio
de Janeiro: José Olímpio, 1982.
BLOOM, Harold. A angústia da influência. 2.ed. Rio de Janeiro:
Imago, 2002.
BORGES, Jorge Luís. Obras completas. São Paulo: Globo, 2000, vol.
II.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. 6.ed. São Paulo: Cia das
letras, 2000.
CAMÕES, Luís de. Redondilhas, canções e sonetos. Rio de Janeiro:
RGBL, 1980.
CAMPOS, Augusto de; PIGNATARI, Décio; CAMPOS, Haroldo de. Mallarmé.
3.ed. São
Paulo: Perspectiva, 1991.
COMPAGNON, Antoine. O trabalho da citação. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 1996.
COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro:
José Olímpio, 1986,
Vol. I e IV.
ELIOT, T.S. Ensaios. São Paulo: Art, 1989.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da literatura brasileira. 6.ed. Rio
de Janeiro:
Civilização brasileira, 1976.
Leonardo Gandolfi, Rio de Janeiro, é mestrando em literatura
portuguesa na Universidade Federal Fluminense.
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