Luiz Nogueira Barros
Breves palavras sobre a poética de
Antonio Massa
Antônio Massa me faz senti-lo como uma espécie de poeta do
desencanto, no tocante ao seu canto e suas queixas sobre a condição
humana. O poema Cartesianos é o mais expressivo dos versos que eu
li. Nele o racionalismo é ponto de partida, e dentro do qual está,
com toda a clareza, uma grande queixa, uma ode, um hino e,
finalmente um manifesto pela liberdade, a liberdade que exigiria
romper com os laços do convencionalismo racionalista das coisas
institucionalizadas. Importa pois, sair das formas geométricas
dentro das quais estamos perdidos, engradados, resignados a um
teorema.
O racionalismo, então pré-racionalismo, com Santo Agostinho, em "A
Cidade de Deus", estava assim expresso, no século III : "Intelligas
ut creda; credi ut intelligas"( Ver para crer, crer para
compreender). Mas tarde o santo diria " Se eu me engano é porque
sou, pois quem não se engana não é" , num rompante próprio dos
padres filósofos, da filosofia patrística que procurava explicar
Deus não mais à luz dos dogmas e sim de um entendimento racional.
René Descartes, século XIV, retoma as perquirições agostinianas e,
com o " Penso, logo existo" ( Cogito, ergo sum ), passa à história
como o criador do racionalismo, face aos seus conhecimentos das
ciências matemáticas...
O racionalismo, portanto, foi apenas a busca das dimensões reais das
coisas, quando a humanidade ainda se debatia entre a mitologia, a
religião e as ciências. E não poderia ter nada a ver com
convencionalismo, muito mais um categoria sócio-político e elemento
fundamental das sociedades humanas que nos contiveram em números,
datas, e um código de obrigações, forçando a que o poeta,
angustiado, afirme em "Firma Reconhecida", com todos tons e matizes
da alma que busca o sentido do existir, do homem que busca um papel
humano, ou humanístico:
Está tudo no papel
e em todos os papéis
homens carimbados
buscando papel de gente.
Mas Antonio Massa, em Cartesianos, abre fogo contra o racionalismo
Por demais acartesianados
não distinguimos o espírito
despido de números ou códigos.
E segue :
Nem entendemos que o silêncio
foi criado a fim de ouvirmos seu doce pranto.
E prossegue falando das nossas preocupações sobre quantos raios o
sol emite ou de quantos pelos há na pubis; da nossa incapacidade de
separarmos o homem do lobisomen que há dentro de nós, insensível e
incapaz de conceder, conceber, perdoar, empreender, etc, no tocante
a certas necessidades e relações entre seres humanos, por vezes não
institucionalizadas e por isto estranhas e condenadas...
Num crescendo, Antonio Massa pretende dar por encerrada sua queixa
quando nos afirma:
Estamos esperando
que a praia seque
e o mar se vá
para sentarmos, então, ao nada
e queixarmos academicamente
- Onde foi que erramos a conta ?
Quando imagino que o poema lembra uma ode á liberdade, lembro-me de
Max Nordau, que escreveu sobre as mentiras convencionais do século
XX. E até mesmo de Zaratustra, de Nietzsche, quando nos afirma que
desteta os que se escondem por detrás de uma estrela e não lutam
pela terra...
Quando tudo parece estar finalizando, então, Antonio Massa dá uma
receita de como encerar o homem, na verdade a sua vaiade, o seu
egoismo, a sua pretendida identidade, no fundo mesmo a sua
caricatura, em Instruções para se Encerar um Homem. E depois de
muitas peripécias chega ao topo do homem, a cabeça, afirmando:
Ao chegar ao topo,
deve-se abrir a caixa
e sujar o homem com seu
conteúdo
e quando
depois de ofuscada a cera
teremos um homem perfeito.
...o que o poeta parece nos querer dizer, que o brilho, o polimento
dado no homem tanto pode ser efêmero como necessário, por vezes, que
a caricatura do homem que somos e temos sido é algo incômodo.
Mas quando menos se espera que o tema está terminado Antonio Massa
nos informa, em Não há vagas, que o homem continua procurando vagas
( espaço ) em todos os lugares:
...nas casas, nas mágoas
no ofício de gente
no prato do irmão.
...nos muros , na arte
e nos arremates
de vida e de sorte.
...apesar de tudo, numa fatalidade dramática, se não estiver
enganado. Mas agora um certo "darwinismo social" toma conta do tema
do poeta
porque, feliz ou felizmente
...os senhores da Ordem
justos e prestos
buscam informatizar
as alas do inferno.
...impedindo-nos mesmo de uma morte tranquila...
O que há de belo nos poetas e nas poesias são as suas afirmativas e
negativas, as suas contraposições metafísicas, mas, de repente, a
espiral dialética que lhes permitem sair no outro lado do túnel.
Continuo acreditando no Zaratustra, de Nietzsche, quando nos afirma
que às vezes é preciso termos o caos dentro de nós para darmos à luz
uma estrela cintilante.
Pode ter sido, não sei, o caos que Antonio Massa vê em torno do
homem o motivo para que ele desse ao mundo a sua estrela cintilante,
sob forma de poesia.
Quem sabe,finalmente, e também, não lhe moveu, inconscientemente, a
alma de Gonçalves Dias, o poeta guerreiro que o convocou para não se
intimidar diante do mundo e do homem, ordenando-lhe denunciar as
prefigurações do ente que está mais próximo dele mesmo e sobre o
qual ele tem algumas dúvidas...
O mundo é assim mesmo, meu caro poeta. Mas apesar de tudo estaremos
sempre a sair do outro lado do túnel. E você saiu, com sua poesia,
apesar das "dores do mundo", do melancólico mas extraordinário
Schopenhauer...
Quando Nietzsche, do "Ecce Homo", trata do homem no tocante à
"vontade do advento" nos afirma, categoricamente: "...aquilo que não
o aniquila, torna-o bem mais forte..."
O advento da poesia, em sua vida, meu caro poeta, é a sua estrela
cintilante.
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